Migalhas de Peso

Honorários advocatícios no incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Uma interpretação extensiva do citado dispositivo seria viável, conquanto o próprio código de ritos prevê em outras circunstâncias a possibilidade de condenação em honorários de sucumbência.

3/10/2019

Há, no Brasil, uma enormidade de demandas de execução de título extrajudicial que, não raro, são frustradas em razão da infrutuosidade das diligências ordinárias postas à disposição dos credores na busca de patrimônio penhorável do devedor e capaz de satisfazer a dívida. Assim, na busca tenaz pela satisfação do crédito, o ordenamento jurídico disciplina instrumentos outros, além das previsíveis e típicas medidas constritivas, para coibir a perfídia e para garantir ou ao menos potencializar as expectativas de que o credor tenha o seu direito adimplido, como é o caso do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, com larga aplicação na prática do contencioso judicial. 

Não obstante, é bem verdade que, no afã de solver a dívida, não se pode permitir qualquer devassa indiscriminada junto ao devedor e hão de ser a todos também assegurados direitos fundamentais, notadamente o contraditório e a ampla defesa, de tal sorte que a realidade em matéria processual é que a lei de ritos de 2015 instituiu tratamento próprio, tornando-se indispensável a instauração de incidente específico para que tais pleitos de desconsideração da personalidade jurídica sejam veiculados e isso não é mais novidade. 

Conforme já amplamente propalado, a alteração do art. 50 do Código Civil decorrente da conversão em lei da famigerada MP da Liberdade Econômica e, consequentemente, dos requisitos para instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, pode ter trazido também alguns embaraços à própria deflagração do incidente, mas, depois de instaurado e regularmente processado, uma nova questão vem à tona: Em caso de indeferimento do pleito de desconsideração da personalidade jurídica, depois de examinado o mérito, deve haver a condenação do postulante ao pagamento de honorários advocatícios ao sócio ou sociedade cuja inclusão no polo passivo da demanda executiva se requereu? E mais: Se acaso afirmativa a resposta, sob a perspectiva do interlocutor e especialmente com supedâneo numa intelecção forjada a partir dos princípios da sucumbência e da causalidade, deveria também haver a condenação dos sócios ou sociedades incluídos no feito ao pagamento de honorários ao patrono do credor na hipótese de deferimento do pedido de desconsideração, justamente em homenagem também à indispensável isonomia?

Observando-se o tratamento que as cortes locais têm dado à questão e, especialmente o Tribunal de Justiça de São Paulo, que foi o objeto analisado com mais atenção pelos autores que subscrevem este texto, o que se percebe é que há duas posições adotadas sobre a questão e isso não parece sequer aceitável, ainda que se desconsidere o Direito como ciência e o conceba como mera técnica, pois, com segurança, afora essa polêmica, o direito é sem dúvida um sistema e não deveriam ter lugar dicotomias como essa, diante do célebre axioma da cultura popular amplamente propalado na contendas judiciais de que “pau que bate em Chico, bate em Francisco”. 

O primeiro entendimento adotado pela corte bandeirante, que examinou a celeuma sem perscrutá-la com a profundidade necessária, com o devido acatamento, decidiu que é cabível a condenação em honorários advocatícios ao causídico do sócio que se pretendeu atingir no incidente instaurado, em razão da sucumbência e pelo princípio da causalidade. 

Assim foi o posicionamento da 28ª Câmara de Direito Privado, ao julgar o agravo 2240166-32.2018.8.26.0000, de relatoria da Des. Berenice Marcondes Cesar, em que se consignou na ementa que diante da “ausência dos requisitos específicos exigidos pelo art. 50, do Código Civil, para a desconsideração da personalidade jurídica” os “honorários advocatícios de sucumbência são devidos no incidente, sob os princípios da causalidade e sucumbência. Percentual que atende, na hipótese dos autos, os requisitos legais fixados no art. 85, do CPC, já considerado o valor executado.”

De outro norte, tem-se o entendimento que parece mais consentâneo e preciso a partir do que a própria fonte primária prescreve, a denotar que é descabida a condenação de honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica em razão objetivamente de não estar prevista tal possibilidade no art. 85, §1º, do CPC, segundo o qual, “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor” e “são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.”

Note-se que o art. 85, §1º, do CPC é taxativo ao especificar as hipóteses em que são devidos os honorários advocatícios e os incidentes processuais, espécie em que alocado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, não estão inseridos em tais hipóteses. 

Assim foi a concepção da 37ª Câmara de Direito Privado, ao julgar o agravo 2054029-39.2018.8.26.0000, de relatoria do Des. Pedro Kodama, em que se assentou que “a decisão de rejeição de incidente de desconsideração de personalidade jurídica não enseja o pagamento de honorários advocatícios, por ausência de previsão legal.”

Essa intelecção é lastreada na verificação de que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, por corolário lógico, tem natureza de autêntico incidente processual que, diferentemente dos processos incidentais, não cria uma nova relação processual. Em que pese no incidente de desconsideração o sócio ou a pessoa jurídica sejam citados, concorde o art. 135 do CPC, não se trata de citação para apresentação de defesa, mas, sim, para que possam apresentar simples manifestação e requerer provas, em preito à ampla defesa e ao contraditório, garantias que o novo mecanismo processual justamente quis assegurar. Ademais, sabe-se que a decisão prolatada no incidente de desconsideração da personalidade jurídica é decisão interlocutória, que pode ser desafiada por agravo de instrumento, na forma do art. 1.015, IV, do CPC, o que denota também que se trata de mero incidente processual e não de processo incidental, inexistindo sucumbência e, por consectário, condenação em honorários advocatícios.

Ademais, malgrado não tenha chegado ao Superior Tribunal de Justiça a questão sob a nova roupagem da legislação processual vigente, sabe-se que sobre a inexistência de condenação em honorários advocatícios em incidente processual, o STJ decidiu nos embargos de divergência 1.366.014/SP, com supedâneo no CPC de 1973, que não há incidência de honorários advocatícios em incidente processual.

Naquela oportunidade, consignou-se que “a jurisprudência desta Corte entende que a melhor exegese do § 1o do art. 20 do CPC/73 não permite, por ausência de previsão nele contida, a incidência de honorários advocatícios em incidente processual”.

Ora, se o STJ entendeu que não seria factível a condenação em honorários advocatícios com base no Código de Processo Civil de 1973, em que era previsto no §1º, do art. 20, que o juiz ao decidir qualquer incidente condenará nas despesas o vencido, com mais razão ainda deve ser entendido o descabimento da condenação em honorários advocatícios em incidente instaurado sob a vigência do atual Código de Processo Civil em que não há no dispositivo de regência qualquer previsão de condenação, nem sequer em despesas em incidente processual.

Repita-se que o art. 85, §1º, do CPC, segundo o qual, “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor” e “são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente” é bastante claro nesse sentido e inarredavelmente a conclusão única possível é pela ausência de fundamento legal para haver a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, seja deferido ou indeferido o pedido formulado em incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Essa concepção não destoa daquilo que recomenda a boa hermenêutica no que concerne à interpretação teleológica do malsinado art. 85, §1º, do Código de Processo Civil, segundo a qual se deve buscar na norma o fim colimado pelo legislador, conforme defendem, por exemplo, Luiz Henrique Volpe Camargo (Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp. 321-322) e (FAZIO, César Cipriano de. Honorários advocatícios e sucumbência recursal. In: COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe (coord.). Honorários advocatícios Salvador: JusPodivm, 2015. vol. 2. Coleção Grandes Temas do Novo CPC; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe (coord.). Honorários advocatícios. Salvador: JusPodivm, 2015. vol. 2. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, entre outros.

Não é possível psicanalisar o legislador, mas a teleologia é técnica necessária para extrair da gênese da lei suas razões de ser, levando-se em conta as exigências econômicas e sociais que ela buscou atender e conformá-la aos princípios da justiça e do bem comum, como expressamente deve o julgador fazer, consoante determina o art. 5º da LINDB, e nesse jaez não há contorcionismo retórico possível e capaz de retirar do art. 85, §1º, do CPC, fundamento para a condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Nem se diga, por fim, que uma interpretação extensiva do citado dispositivo seria viável, conquanto o próprio código de ritos prevê em outras circunstâncias a possibilidade de condenação em honorários de sucumbência, como por exemplo no parágrafo único do art. 129, de tal sorte que inarredavelmente quando o legislador quis ampliar o rol taxativo do art. 85, §1º, assim o fez expressamente, não cabendo ao intérprete desbordar os limites estatuídos pelo próprio legislativo.

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*Francisco Tadeu Lima Garcia é advogado e cientista social. Especialista em Direito Tributário. Mestrando em Direito Político e Econômico.

*Pedro Henrique Pereira Chaves é advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil. Aluno Especial do mestrado em Função Social do Direito.

 

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