Migalhas de Peso

Reforma tributária na era da revolução digital

É evidente que o tema deve ser observado com acurada atenção, principalmente se considerarmos as cifras envolvidas e a quantidade de atores nesta relação, além do seu respectivo impacto socioeconômico.

2/10/2019

A crítica é em relação à preocupação obsoleta do legislador em tributar apenas e tão somente mercadorias e serviços

A necessidade de uma reforma tributária em nosso país é notória, o atual sistema apresenta configuração desconexa e principalmente disfuncional, ante os incontáveis remendos sofridos desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, tornando-se complexo e demandando horas de trabalho das empresas para cumprirem com suas obrigações acessórias necessárias à apuração dos tributos a serem pagos.

Frente ao anseio geral de reestruturação do sistema tributário nacional, o tema novamente ganhou força nas casas parlamentares, acompanhando o momento de disrupção das estruturas presentes em prol da recuperação da economia.

A crítica é em relação à preocupação obsoleta do legislador em tributar apenas e tão somente mercadorias e serviços

Neste momento existem três propostas em discussão, cujo ponto de convergência é a simplificação da cobrança com a unificação dos tributos, utilizando como paradigma internacional o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), criado em 1949, alicerçado em uma economia baseada em cadeias produtivas.

A PEC 45/19, apresentada pelo líder do MDB, Baleia Rossi (MDB-SP), baseia-se no projeto do economista Bernard Appy e unifica IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS em um único tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) apresentou a PEC 110/19, que cria um IBS de competência estadual resultante de nove tributos: IPI, IOF, CSLL, PIS/ Pasep, Cofins, Cide combustíveis, salário educação, ICMS e ISS e um Imposto Seletivo, de competência Federal, que incidirá sobre itens como petróleo e derivados; combustíveis e lubrificantes; cigarros; energia elétrica e serviços de telecomunicações.

Já o governo federal estuda apresentar um texto que unifica tributos federais (PIS, Cofins, IPI, uma parte do IOF e talvez a CSLL), para cobrar o Imposto único Federal, com alíquota de 15%. A proposta também vai acabar com a contribuição ao INSS que as empresas pagam atualmente sobre a folha de pagamentos. Em substituição, duas opões estão à mesa: a criação de um imposto sobre todos os meios de pagamento (a exemplo da CPMF) ou um aumento adicional na alíquota do imposto único.

Contudo, a grande crítica que se faz é em relação à preocupação obsoleta do legislador em tributar apenas e tão somente mercadorias e serviços, sendo que as novas tecnologias direcionam a economia a uma nova fonte de receita, que já movimenta enormes cifras e vem sendo objeto de estudos em muitos países. Referimo-nos à informação digital.

Quando os dados on-line de um determinado usuário são coletados, armazenados, disponibilizados às gigantes empresas de inteligência artificiais para traçar o perfil no ambiente off-line, torna-se matéria-prima para uma indústria que movimenta trilhões de dólares por ano, conforme revelações da empresa Cambridge Analytica, no processo instaurado contra ela para apurar violação de dados para conduzir estratégias em processos eleitorais. Dentre as consultorias de maior repercussão cita-se a de Donald Trump quando candidato à presidência dos Estados Unidos.

O novo seguimento não pode ser comparado a nenhuma outra atividade existente e evidentemente gera desafios ao fenômeno da tributação, visto que não há conceitos predefinidos nos demais sistemas normativos que justifiquem a existência de hipóteses de incidência tributária no atual sistema, tão pouco nos projetos do que seria o “novo” arcabouço jurídico.

As novas tecnologias e forma como são monetizadas os diversos modos de utilização dos dados digitais, rompem as barreiras pré-existentes de exigir do contribuinte a geração de valor e, como se observa, os legisladores não se ocuparam em resolver a problemática, sendo necessário destacar que não se tratam de informações cedidas onerosamente, pelo contrário, muitas vezes o usuário sequer imagina que os dados estão sendo coletados e serão efetivamente utilizados.

Quanto à responsabilização e proteção da utilização indevida sem o livre e expresso consentimento destes dados, está em vacatio legis a Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/18), que entrará em vigor em agosto de 2020, mas, no entanto, não trata da questão tributária.

Alguns estudos apontam a instituição de tributo incidente sobre o robô desenvolvido para mineração e armazenagem das informações, utilizando alíquotas progressivas de acordo com a capacidade de capturar dados, definidos em segundos, minutos ou horas.

Contudo, os desafios estão longe de serem esgotados em um único estudo, pois ainda deverá ser levado em conta a capacidade de organização e integração dos dados coletados por cada ferramenta, como delimitar o critério espacial do tributo, discussão de tratados para evitar dupla tributação e o conceito de lucro, dentro dos parâmetros contábeis, dessas empresas chamadas “mineradoras”.

Muitas perguntas, ainda sem respostas, mas é evidente que o tema deve ser observado com acurada atenção, principalmente se considerarmos as cifras envolvidas e a quantidade de atores nesta relação, além do seu respectivo impacto socioeconômico.

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*Dimas Siloé Tafelli é advogado sócio no escritório Freitas Martinho Advogados.

*Talita Fernanda Ritz Santana é advogada associada no escritório Freitas Martinho Advogados.

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