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Cláusula de barreira: Interpretar a lei não significa inventar a lei (apenas cinco ou sete partidos superaram a clausula de barreira)

A denominada “cláusula de barreira” tem previsão no artigo 13 da Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), que diz o seguinte: “Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas, para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles”. A dúvida que vem sendo enfrentada pelo TSE reside na aplicação da regra estabelecida, por conta da interpretação do texto, aparentemente ininteligível para muitos, mas de simplicidade e de clareza solar.

10/10/2006


Cláusula de barreira: Interpretar a lei não significa inventar a lei (apenas cinco ou sete partidos superaram a clausula de barreira)

 

Milton Córdova Júnior*

A denominada “cláusula de barreira” tem previsão no artigo 13 da Lei 9.096/95 (clique aqui - Lei dos Partidos Políticos), que diz o seguinte: “Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas, para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles”.

 

A dúvida que vem sendo enfrentada pelo TSE reside na aplicação da regra estabelecida, por conta da interpretação do texto, aparentemente ininteligível para muitos, mas de simplicidade e de clareza solar.

 

A inteligência do texto é aquela que o TSE considera como a “terceira interpretação”, onde apenas sete partidos alcançam a cláusula de barreira: PT, PMDB, PSDB, PFL, PP, PSB e PDT.  Esse último partido, o PDT, por pouco não superou a clausula de barreira, embora uma das interpretações do TSE o excluam dos partidos que alcançaram aquela meta.  

 

Inicialmente, é importante verificar que a norma encerra 4 (quatro) grandes partes ou comandos distintos e cumulativos entre si, que são os seguintes: 1) “o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados”, 2) “não computados os brancos e os nulos”, 3) “distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados” e 4) “com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles”.

 

Didaticamente, eis a leitura (interpretação) correta e lógica da norma da cláusula de barreira.

 

Primeiro comando. Refere-se, evidentemente, ao percentual de votos em âmbito nacional.  Como foram 93.184.830 de votos obtidos por todos os partidos em todo o país, 5% da votação nacional corresponde a 4.659.242 votos. Então, temos aqui o primeiro “corte”, pois todos os partidos que não alcançaram esse piso (pelo menos 4,6 milhões de votos) estão sumariamente excluídos. 

 

Segundo comando. O legislador foi benevolente – e sábio - ao excluir os votos brancos e nulos. Se esses votos entrassem no cômputo geral, certamente o PSB também estaria excluído, pois não teria atingido a cláusula de barreira, que ficaria além do que ele efetivamente obteve nas eleições (5.732.464 votos). Teríamos, então, apenas cinco partidos.

 

Terceiro comando. Como dissemos, os comandos são cumulativos, ou seja, um não exclui o outro. Assim, não basta o partido político ter alcançado aquele mínimo de 4,6 milhões de votos nacionalmente. Esses votos têm que estar distribuídos nacionalmente, evitando, assim, os partidos regionais ou, ainda, a regionalização de partidos. Por esse motivo, o legislador impôs como condição cumulativa. Não basta que o partido obtenha no mínimo 4,6 milhões de votos.  Esses votos têm que estar distribuídos em pelo menos (no mínimo), 1/3 dos estados, que hoje corresponde a 9 (nove) estados. Ocorre que seria praticamente impossível um partido não obter pelo menos 1 (um) voto num determinado estado onde tenha apresentado candidatura a deputado federal. A não ser que nenhum eleitor vote em qualquer candidato do partido, e nem os próprios candidatos votem neles mesmos. Então teríamos um problema e a norma seria totalmente inócua e sem sentido, pois se o partido obtiver pelo menos 1(um) voto em determinado estado, em tese o partido estaria distribuído geograficamente nesse estado e a meta de atingimento daqueles “pelo menos 1/3 dos estados” sempre seria atingida e superada. Seria uma norma “faz de conta”. Para evitar esse falseamento e distorção de resultados, o legislador estabeleceu o que seria a distribuição nos estados, no quarto comando (última parte da norma).

 

Quarto comando. Não basta o partido político obter qualquer número de votos em determinado estado, para fins de ser considerado como efetivamente distribuído nesse estado.  O partido tem que obter pelo menos 2% (dois por cento) do total de votos para deputado federal, no (e do) respectivo estado, para que este possa fazer parte do grupo dos “pelo menos um terço dos estados” e dessa forma, seus votos serem computados no total nacional. Caso não alcance os 2% exigidos, os votos obtidos não são computados e o estado não fará parte daquele grupo.  

 

Exemplos:

a) se nestas eleições um partido obteve 9,3 milhões de votos em âmbito nacional (o dobro da clausula de barreira); se em apenas 8 (oito) estados o total de votos dados a esse partido representou pelo menos 2% (dois por cento) do total da votação (de cada estado), o partido não terá superado a clausula de barreira, mesmo que tenha recebido votos em todos os demais estados.   

 

b) por outro lado, se outro partido obteve exatamente os 4,6 milhões de votos em âmbito nacional; se esses votos foram obtidos somente em nove estados (número mínimo para fins de distribuição geográfica); se em cada um desses estados o percentual de votos estaduais dados ao partido foi de exatos 2%, este partido terá superado a cláusula de barreira.

Pelo exposto e como conseqüência direta da aplicação da lei, é evidente que não entrarão no cômputo total dos votos em nível nacional os votos dos estados onde o partido político não alcançou o mínimo de 2% (dois por cento). É como se esses votos não existissem. 

 

Situação do PDT (que em uma das interpretações está excluído)

 

O total de votos válidos do partido em todo o país alcançou 4.854.017 (5,21%), inicialmente mais que os 5% nacionalmente exigidos. Esse seria o primeiro corte. Todavia, em 06 (seis) estados (DF, Goiás, Sergipe, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Amazonas) o PDT não obteve os 2% mínimos exigidos, dos votos dentro do estado.  Ocorre que a soma dos votos desses seis estados representa apenas 136.873 votos, os quais serão excluídos da contagem nacional. Assim, a votação do PDT em todo o país, considerando que ele está legalmente distribuído em 21 estados nos quais obteve mais de 2% dos votos (e que representam  bem mais do que 1/3 dos estados) é de 4.717.144 votos, superior à clausula de barreira (4.659.242). Portanto, o PDT ultrapassou a clausula de barreira, por uma diferença de apenas 57.902 votos. “Raspou a trave”, como se diz na linguagem futebolística, em que pese ter obtido grandes votações (em percentuais) nos estados de MS, ES, AL, MA e AP.

 

Possibilidade de apenas cinco partidos terem superado a cláusula de barreira

 

Considerações à parte, trago à balha a possibilidade de uma quarta interpretação, baseada no Parecer de Plenário (publicado no Diário do Congresso Nacional de 18.08.1993, Seção II), apresentado pelo Relator da matéria, o senador José Fogaça, quando o projeto de lei que deu origem a clausula de barreira ainda tramitava e era discutido no Congresso Nacional.

 

Essa quarta interpretação converge, em parte, para a primeira interpretação do TSE, que considera apenas 9 (nove) estados para fins de atingimento daqueles 5%. Reproduzimos na íntegra o trecho (fls. 7/8) do Parecer de Plenário, que se refere a clausula de barreira:

“Faço também os Srs. Senadores prestarem atenção exatamente no artigo que trata desta questão, o art. 14. O artigo 14 coloca claramente uma base de exigência para que o partido tenha direito a funcionamento parlamentar: ‘tem direito a funcionamento parlamentar em todas as casas legislativas para as quais tenha elegido representante o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados, obtenha o apoio de, no mínimo, 5% dos votos apurados, não computados os em branco e os nulos, distribuídos em pelo menos 1/3 dos estados’ – hoje equivale a nove estados, amanhã poderá ser maior esse número – ‘com um mínimo de 2% do total de cada um deles. O partido, portanto, deverá perfazer 5% do total, estes 5% deverão estar distribuídos em nove estados, mas não pode haver, por exemplo, 1% num estado, 9% num outro e isto ser computado como 10%. Não. No mínimo deverá haver 2% num estado que venha a entrar no cômputo dos nove estados necessários a preencherem este requisito. Também, embora seja das partes mais polêmicas do texto, esta parte foi acordo.”  (negritei e sublinhei).

Dessa forma, sequer há que falar numa quarta interpretação, mas, sim, na leitura verdadeira que a norma encerra, a qual foi, inequivocamente, objeto de acordo no Congresso Nacional, como esclarecido pelo Relator, o senador José Fogaça, por ocasião da apresentação do Parecer de Plenário.  Ele mesmo reconheceu que na ocasião aquela foi uma decisão polêmica, mas, repito, foi objeto de acordo.

 

Ficou claro, portanto, que os 5% de votos são do total nacional (que nestas eleições equivalem a 4.659.242 votos) devem estar distribuídos em nove estados, e que em cada um desses nove estados o partido tem que ter obtido pelo menos 2% da votação estadual. O estado que não atingir esses 2% ficará de fora, ou seja, sua votação não entrará no computo dos nove estados necessários a preencherem este requisito.  

 

Sendo assim, sob o ponto de vista da vontade expressa e inequívoca do legislador, apenas 5 partidos terão atingido a clausula de barreira: PT, PMDB, PSDB, PFL e PP. Nesse caso, o PSB e o PDT não terão atingido aqueles 4,6 milhões de votos em nove estados, sendo pelo menos 2% em cada um deles.

 

Portanto, e finalmente, o TSE terá que decidir entre a interpretação que mantém seis partidos, ou a do legislador, que mantém apenas cinco partidos.

 

Sem inovar ou inventar uma outra lei.

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*Migalheiro e Bacharel em Direito


 


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