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A desconsideração da personalidade jurídica e a lei da liberdade econômica

O que se verifica, desse modo, é que as novas regras sobre a desconsideração da personalidade jurídica, já aplicadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, corroboram a alteração empreendida no CPC, no sentido de fornecer maior segurança jurídica às partes envolvidas.

27/9/2019

O por vezes controverso instituto da desconsideração da personalidade jurídica vem passando por relevantes alterações ao longo do tempo, demonstrando, as últimas ocorridas, a preocupação do legislador em fornecer maior segurança jurídica às partes envolvidas e ao Juiz que irá julgar os pedidos que lhe forem submetidos.

O atual CPC é prova disso, pois nele foram inseridas regras próprias para o processamento e julgamento dos pedidos de desconsideração da personalidade jurídica, anteriormente inexistentes, mas que já vinham sendo aplicadas pelos Tribunais.

São cinco artigos no total, do 133 ao 137, que dispõem sobre regras relacionadas ao rito processual, tal como a necessidade de instauração de incidente próprio, a suspensão do processo principal enquanto não resolvida essa questão e, especialmente, a necessidade de prévia citação da pessoa, física ou jurídica, que se pretende atingir, entre outros pontos.

Salta aos olhos a preocupação com a garantia da observância do devido processo legal, ou seja, antes do julgamento e eventual deferimento da desconsideração da personalidade jurídica se faz necessária a concessão de oportunidade para os interessados se defenderem e produzirem as provas que entendam pertinentes.

Mas não foi somente no âmbito processual que se deram as alterações legislativas referentes ao instituto, como se observou mais recentemente com a edição da MP da Liberdade Econômica, em 30 de abril de 2019 (MP 881/19), convertida em Lei, em 20 de setembro de 2019 (lei 13.874/19).

Isso porque, no artigo 7º da lei da Liberdade Econômica, que manteve em sua maioria o que já estava previsto na MP, foi determinada a alteração do artigo 50 do CC, em que estão dispostos os requisitos para a concessão dessa medida, caracterizados pelo abuso da personalidade jurídica, notadamente, em virtude de seu desvio de finalidade ou confusão patrimonial com sócios ou administradores.

Além de alterar o teor do artigo acima, para incluir que devem ser atingidos apenas os bens particulares dos sócios administradores beneficiados, direta ou indiretamente, pelo abuso da personalidade jurídica, foram incluídos 5 parágrafos para, principalmente, definir os conceitos dos referidos requisitos.

Assim, o §1º caracterizou o desvio de finalidade como “a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”.

Já a confusão patrimonial foi definida no § 2º, sendo que para sua configuração é necessária a ausência de separação de fato entre os patrimônios da pessoa jurídica, de um lado, e, de outro, dos sócios e/ou administradores da empresa, o que se caracteriza, nos termos do seus incisos, (i) pelo cumprimento repetitivo pelos sócios ou administradores das obrigações da sociedade ou vice-versa, (ii) pela transferência de ativos sem a contraprestação pecuniária, além (iii) da presença de demais atos que desnaturem a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

Ainda há previsão expressa no sentido de que a mera existência de grupo econômico não autoriza a desconsideração, muito menos que a simples alteração de finalidade da atividade econômica da sociedade ou sua expansão constitui desvio de finalidade apto a ensejar essa medida.

Nota-se, claramente, a preocupação em conceituar e delimitar os requisitos que podem levar à desconsideração, como um meio de conceder maior segurança jurídica aos sócios ou administradores a partir de regras mais claras acerca das hipóteses em que poderão ter seu patrimônio atingido em litígios civis.

Relevante destacar que na MP 881/19, era previsto, expressamente, o requisito da verificação da conduta dolosa do agente para se configurar o abuso da personalidade jurídica da empresa apto para o decreto da desconsideração, o que foi suprimido na Lei sancionada.

Tal ponto é relevante, pois a exigência da conduta dolosa do agente já foi reconhecida como necessária em recente julgamento de recurso pelo desembargador Décio Rodrigues do TJ/SP (AI 063127-14.2019.8.26.0000), que fundamentou sua decisão na Medida Provisória então vigente na época do julgamento.

Assim, necessário ter cuidado com relação à verificação e comprovação da conduta dolosa do agente como sendo requisito para o decreto da desconsideração, pois não há mais previsão legal nesse sentido.

Também se destaca que, apesar do pouco tempo de tramitação da referida Medida Provisória, há casos em que desembargadores do TJ/SP, como já mencionado, ao julgarem os pedidos de desconsideração, já se utilizam das disposições citadas para fundamentar suas decisões, o que deverá aumentar com a conversão dela em lei.

E a percepção inicial dos julgadores é que essa alteração legislativa trouxe maiores restrições à possibilidade de desconsideração, como expressamente decidido pela desembargadora Berenice Marcondes Cesar, no julgamento do AI 2063127-14.2019.8.26.0000.

O que se verifica, desse modo, é que as novas regras sobre a desconsideração da personalidade jurídica, já aplicadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, corroboram a alteração empreendida no CPC, no sentido de fornecer maior segurança jurídica às partes envolvidas.

Diante dessa tendência, será necessário, por outro lado, que os Juízes tenham bastante atenção e cuidado para não permitir que maus pagadores se escondam atrás dessas novas alterações, para nunca terem seus patrimônios atingidos, mesmo que utilizem de forma abusiva a personalidade jurídica das empresas, o que pode levar a um indesejado esvaziamento desse importante instituto.

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*Lucas Tavella Michelan é advogado do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra - Sociedade de Advogados.

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