A implementação de reformas no regime oficial de previdência social ofertado pelo Estado, como deverá ocorrer dentro em breve no Brasil, acende o debate acerca do papel do regime de previdência complementar nessas reformas. Esse debate, aliás, vem ocorrendo em diversos países.
A medida que os esquemas públicos de aposentadoria enfrentam sérias restrições quanto ao seu custeio, fator determinante para que o valor do benefício seja fixado em patamar meramente assistencial, razão pela qual é conhecido como benefício básico, o pensamento óbvio é o de que haverá o natural fortalecimento dos esquemas privados, individuais ou coletivos de previdência.
Os esquemas privados de aposentadoria, em geral, estão fundados no pilar formado pelos planos coletivos de aposentadoria, custeados por empregadores e empregados e no pilar formado pelos planos de aposentadoria individuais, ofertados pelas seguradoras. No Brasil esses dois pilares que complementam o pilar do esquema público de aposentadoria, são respectivamente representados pela previdência complementar fechada (fundos de pensão) e pela previdência complementar aberta.
O enfraquecimento do benefício básico público, contudo, não representa o automático fortalecimento dos esquemas privados e complementares de previdência.
Por um lado, em países nos quais o segundo pilar é obrigatório, o que não ocorre no Brasil, sem dúvida o fortalecimento dos fundos de pensão e dos planos coletivos custeados por empregadores e empregados, é a consequência da própria política adotada para a proteção social, ou seja, o segundo pilar é naturalmente forte.
Por outro lado, quando nenhum dos pilares da previdência complementar é obrigatório, dependendo da livre opção exercida pelo indivíduo, o cenário se modifica, pois, de maneira muito objetiva, é necessário conquistar o cliente, o que não vem se mostrando como tarefa fácil, nem para os fundos de pensão, nem para as seguradoras e entidades abertas de previdência complementar, ainda que ocorra a estagnação ou a redução do benefício básico ofertado pelo Estado.
Em um primeiro olhar, poderia se dizer, de pronto, que o principal desafio da previdência complementar é o de vencer as fragilidades econômicas, as baixas taxas de retorno dos investimentos. Enfim, vencer a chamada “estagnação secular”, expressão que voltou a circular entre os economistas, descrita como a situação em que a forte tendência a poupança, derruba as taxas de juros, mas não fomenta os investimentos. Este, sem dúvida, é o principal desafio das entidades de previdência complementar, pois os resultados dos investimentos das reservas garantidoras dos planos de benefícios possuem implicação direta no valor dos benefícios contratados. O efetivo cumprimento do contrato de previdência complementar depende da performance dos investimentos.
Em um segundo olhar, mais detalhado, e tendo como premissa o principal desafio da previdência complementar – performance dos investimentos – é que se chega a um outro desafio, que é o de fomentar a confiança na previdência complementar, conseguir que o participante se torne efetivamente um cliente. Uma das causas da falta de confiança na previdência complementar parece ser a frustração das expectativas dos participantes quando passam a receber o benefício contratado. A restauração da confiança ou o fortalecimento da confiança do setor depende da adoção de meios para eliminar justamente a frustração das expectativas.
A maioria dos indivíduos quando contrata um plano de previdência complementar, em qualquer uma das suas modalidades, não se preocupa muito com as condições da contratação, não questiona as taxas de administração e os custos dos planos, os perfis, a alocação e o retorno dos investimentos, a forma de cálculo do benefício futuro. De outra parte, as instituições que atuam na previdência complementar não adotam uma comunicação clara e objetiva quanto a todas essas condições do contrato de previdência complementar. Este é o ponto de partida da futura frustração de expectativas.
O fortalecimento da previdência complementar passa pela comunicação clara e transparente acerca dos custos e dos resultados dos planos de benefícios aos participantes, de modo que eles tenham a real dimensão dos resultados daquilo que contrataram e, portanto, expectativas adequadas à realidade do benefício futuro. O participante deve, inclusive, ter a possibilidade de conhecer o seu grau de exposição ao risco dos investimentos e de quanto os resultados negativos podem abalar o benefício contratado. Expectativas descoladas da realidade nascem da ausência de informação clara e precisa.
A revisão das formas de comunicação na previdência complementar está também relacionada ao aproveitamento dos recursos do progresso tecnológico pelo setor. As pessoas hoje desejam controlar os seus investimentos por meio digital, decidindo de maneira objetiva sobre como melhor conduzir a sua vida financeira, ainda que sob a tutoria ou aconselhamento de especialistas na matéria.
Na previdência complementar ainda há um longo caminho a trilhar no que se refere à tecnologia. Há um tabu que precisa ser debelado de que o participante não deve receber muitas informações acerca das suas reservas acumuladas para que não se sinta estimulado a resgatá-las antes do alcance do benefício. O participante, principalmente aquele que ainda precisa ser atraído como cliente da previdência complementar não se sente confortável com a falta de informação. Não se sente confortável com a ausência de ferramentas tecnológicas que o façam acompanhar e opinar acerca dos investimentos das suas reservas e os resultados obtidos.
No Brasil o distanciamento dos avanços tecnológicos na previdência complementar ainda é muito grande, constituindo-se um dos grandes desafios do setor, em especial para as entidades fechadas de previdência complementar. Aliás, por imposição da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, até 2020 terão que ser adotadas ferramentas tecnológicas para garantir a segurança dos dados pessoais, o que poderá servir de meio de abertura para uma aderência maior aos meios tecnológicos com vistas a atender os desejos do participantes e dos potenciais clientes da previdência complementar.
Alguns desafios da previdência complementar aqui apontados ainda dependem da superação de um outro, que é o da regulação do setor, a superação do eterno dilema entre a prevenção de riscos e a flexibilização das normas. Esse dilema talvez seja superado diante da necessidade de uma visão mais moderna da previdência complementar, na qual o participante, assumindo a sua responsabilidade de vigiar o seu investimento, atue também na prevenção dos riscos. Mas, também o exercício dessa vigilância deve ser incentivado pelas próprias normas.
O fortalecimento da previdência complementar, portanto, não depende do enfraquecimento da previdência pública. Ele depende da superação dos próprios desafios do segmento, com o objetivo de conquistar os potenciais participantes e manter aqueles ao já aderiram aos planos de benefícios privados.
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*Ana Paula Oriola De Raeffray é advogada, sócia do escritório Raeffray Brugioni Sociedade de Advogados. Doutora em Direito; professora dos cursos de pós-graduação da PUC-SP e da Uniabrapp. Presidente da Comissão Especial de Previdência Complementar da OAB/SP. Diretora vice-presidente do Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar – IPCOM. Membro da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social.