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A nova intepretação da alínea “a” da súmula 214 do TST

São três, portanto, as exceções admitidas pelo Tribunal Superior do Trabalho quanto ao cabimento imediato de recurso que vise combater a decisão interlocutória prevista no art. 893, §1º, CLT. O presente artigo, contudo, pretende abordar e desenvolver um raciocínio mais amplo em torno da intepretação da alínea “a” do referido enunciado de súmula.

23/9/2019

O art. 893, §1º, CLT prevê que as decisões interlocutórias no processo do trabalho são, via de regra, irrecorríveis de imediato:

“Art. 893, CLT: Das decisões são admissíveis os seguintes recursos:                   

(...) omissis

§ 1º - Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva.                   

O conceito de "decisão interlocutória" se traduz em julgados que, em grau de recurso, determina o retorno dos autos para a instância a quo para renovação de atos processuais decretados anulados ou subsidiários da decisão ora reformada. Nesse espectro, embora tais decisões tenham o condão de substituir a decisão recorrida (art. 1.008, CPC/15), na prática resolvem uma questão incidental do processo, não podendo ser consideradas, por tal razão, decisões terminativas (art. 162, §§ 1° e 2° do CPC/15). 

 

A militância perante o Tribunal Superior do Trabalho demonstrou que há situações específicas em que o não cabimento imediato de impugnação via recurso pode retardar desnecessariamente o julgamento do feito, em contramão aos princípios da celeridade, da economia processual e da razoável duração do processo, elevados a nível constitucional pela EC 45 (art. 5º, LXXVIII, CF).

Nessa toada, a fim de prestigiar uma prestação jurisdicional mais justa, dinâmica e eficaz, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho entendeu por bem editar a súmula 214 do TST, cuja redação é a seguinte:

“SÚMULA Nº 214 - DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT”.

São três, portanto, as exceções admitidas pelo Tribunal Superior do Trabalho quanto ao cabimento imediato de recurso que vise combater a decisão interlocutória prevista no art. 893, §1º, CLT. O presente artigo, contudo, pretende abordar e desenvolver um raciocínio mais amplo em torno da intepretação da alínea “a” do referido enunciado de súmula.

A admissão de uma exceção à regra geral da irrecorribilidade das decisões interlocutórias nesta hipótese se justifica em razão de que o retorno dos autos à Origem quando a decisão se mostra em contramão ao entendimento do TST, apenas tem o condão de retardar o julgamento do feito porque a probabilidade de reforma se agiganta em momento processual posterior.

Exemplo prático: imagine-se uma reclamatória trabalhista com pedido de reconhecimento de vínculo empregatício e consectários entre um empregado e um estabelecimento de jogo do bicho. A sentença primeira não reconhece o vínculo de emprego e julga improcedente o pedido principal bem como os acessórios. O Eg. TRT, por sua vez, reforma o julgado porque conclui presentes os requisitos do art. 3º CLT, determinando o retorno dos autos à Origem para que seja prestada jurisdição em relação aos pleitos decorrentes da condição reconhecida (férias + 1/3, gratificação natalina, registro CTPS, FGTS, INSS, aviso prévio e etc). 

É indene de dúvidas que o comando judicial que determina o retorno dos autos à Origem tem feição interlocutória. Contudo, em razão da matéria de fundo ser objeto da OJ 199 da SDI-1 do TST1, não faria sentido algum às partes esperar o retorno dos autos à Origem, tendo plena ciência que provavelmente haverá reversão da decisão que reconheceu o vínculo empregatício em tais condições quando o processo tramitar em cognição extraordinária.

A pergunta que não quer calar é: e nas hipóteses em que a matéria objeto da decisão, apesar de pacífica em sentido contrário no âmbito do TST, não for objeto de Orientação Jurisprudencial ou de súmula da Corte, caberá impugnação recursal imediata? De acordo com a redação da alínea “a” da súmula 214/TST, a resposta é negativa!

Sem embargo, em uma análise aprofundada dos precedentes judiciais que ensejaram a edição da alínea “a” da súmula 214 do TST2, chega-se à conclusão contrária, sendo plenamente cabível recurso de imediato face a uma decisão com natureza interlocutória que viola jurisprudência do TST, ainda que esta não seja objeto de Orientação Jurisprudencial ou de súmula da Corte.

Exemplo prático: o reclamante emenda a inicial em audiência inaugural quando a parte Reclamada já havia apresentado defesa perante o Processo Judicial Eletrônico no dia anterior em virtude da impossibilidade de apresentá-la no momento do ato solene. O magistrado de primeiro grau recebe a emenda, abre prazo para complementação da defesa e, posteriormente, sentencia no mérito em favor do trabalhador. Inconformada com a decisão que recebeu a emenda a exordial após a apresentação da defesa, a empresa recorre ao Eg. TRT que, por sua vez, provê o apelo para, decretando a nulidade dos atos processuais ocorridos após o recebimento da emenda, determinar a realização de nova audiência inicial considerada somente a petição inicial original.

No processo do trabalho, a defesa deve ser apresentada na forma escrita ou oral até restar infrutífera a proposta conciliatória em audiência. Portanto, o momento para aditamento ou emenda da inicial quanto à causa de pedir ou o pedido encontra limite cronológico não na citação, como no processo civil, mas sim quando do recebimento da defesa em audiência. Esta é a inteligência dos artigos 841 e 847 da CLT c/c arts. 22 e 29 das resoluções 185 e 136 do CNJ, respectivamente. Tal entendimento se mostra pacífico no âmbito do TST:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. AUTOS ELETRÔNICOS. DETERMINAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO DIAS ANTES DA AUDIÊNCIA. DIFERENÇA ENTRE ATO DE SISTEMA E ATO PROCESSUAL EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. APLICAÇÃO DA PENA DE REVELIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. CARACTERIZAÇÃO. A gênese do ato processual – e, de resto, a sua própria conceituação – sofre substancial modificação no PJe-JT, ante a utilização de procedimentos automatizados, funcionalidade impensada na realidade do processo físico. Contudo, nem todo ato praticado no sistema, em que pese fazer parte dele enquanto tal, se converte em ato processual, a caracterizar distinção entre ato de sistema e ato de processo. Para a uniformização de tais parâmetros mostrou-se urgente a padronização das regulamentações editadas pelos diversos tribunais. Nesse sentido, destaca-se a Resolução nº 94, de 23/03/2012, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que, no âmbito específico da Justiça do Trabalho, regulamentou o uso do sistema e definiu tratamento uniforme para diversas questões envolvendo o PJe-JT, matéria, hoje, regulamentada pela Resolução CSJT nº 185/2017. Também o Conselho Nacional de Justiça editou, em 18/12/2013, a Resolução nº 185, de conteúdo em muito semelhante à adotada nesta Justiça Especializada. Por tais resoluções, procurou-se uniformizar as regras disciplinadoras dos procedimentos e, com isso, evitar que os diversos TRTs, no âmbito de suas jurisdições, editassem, embora com idêntica finalidade, atos normativos variados. Igualmente necessária a ponderação de que os benefícios obtidos com os avanços da informática em prol da celeridade jurisdicional não autorizam que se imponha ônus desproporcional à parte, não previsto em lei, independentemente do polo processual que assuma na demanda. Na hipótese dos autos, verifica-se desvirtuamento das diretrizes traçadas, quando da determinação de que a ré apresentasse "contestação em 20 dias por meio eletrônico (PJe-JT) (....) sob pena de preclusão", em prejuízo do prazo mais elastecido, previsto na CLT. Embora amparada em norma regulamentar do Tribunal Regional (Orientação SECOR/GP n. 1, de 21.2.2014 – Boletim Interno – TRT 24, de 27.2.2014), a medida implica desrespeito à garantia processual já incorporada ao patrimônio jurídico processual da parte, uma vez que a regra, no processo do Trabalho, é a apresentação de defesa, em audiência (artigo 847 da CLT). Configurado, portanto, cerceamento de defesa, a justificar o reconhecimento de violação do artigo 5º, LV, da Constituição Federal. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento”. (TST-RR-25216-41.2015.5.24.0002, Rel. Min. Cláudio Brandão, 7ª turma, DEJT 02/03/2018 - grifamos)

“RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CPC. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. ADITAMENTO À PETIÇÃO INICIAL APÓS A NOTIFICAÇÃO E A APRESENTAÇÃO DA CONTESTAÇÃO, MAS ANTES DA AUDIÊNCIA INAUGURAL. No processo do trabalho, regido pelos princípios da celeridade, economia processual, simplicidade e instrumentalidade das formas, o momento para o exercício do direito de defesa é a data da audiência inaugural, de acordo com o previsto no art. 847 da CLT, independentemente da data da citação. Dessa forma, admite-se o aditamento da inicial até a apresentação da defesa em audiência, visto que é neste momento que se dá a estabilização da lide trabalhista, desde que seja garantido o direito do contraditório ao Reclamado. No caso concreto, não houve prejuízo ao pleno exercício do contraditório e da ampla defesa da Reclamada, visto que Tribunal Regional informou que o pedido de aditamento da petição inicial ocorreu após a apresentação da contestação, mas consignou expressamente que a audiência inaugural ainda não havia ocorrido e que, naquela oportunidade, foi deferido prazo à Reclamada para apresentação de contestação complementar, devidamente observado, e somente após esse prazo e a apresentação da contestação complementar é que o Juiz procedeu à estabilização da lide. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido." (TST-RR-0001652-59.2014.5.06.0005, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 28.06.2017, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30.06.2017 - grifamos)

"POSSIBILIDADE DE ADITAMENTO DO PEDIDO APÓS A CITAÇÃO. No processo trabalhista admite-se o aditamento da petição inicial, com a alteração do pedido ou da causa de pedir, mesmo após a citação, desde que notificada a parte contrária acerca do aditamento realizado e que, a partir da notificação, transcorra o prazo de cinco dias até a data da audiência em que será apresentada a defesa (art. 841 da CLT). Cumpridas essas exigências no caso sob análise, é válido o aditamento da inicial realizada pela reclamante, na medida em que não trouxe prejuízo ao direito de defesa da reclamada. Recurso de revista conhecido e não provido." (TST-RR-149400-25.2006.5.01.0067, data de julgamento: 16/3/2011, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, data de publicação: DEJT 18/3/2011- grifamos)

Neste caso em específico, embora o v. acórdão regional mencionado não revele contrariedade com o entendimento de súmula ou OJ do C. TST, para fins de impugnação recursal imediata, em virtude da matéria já não comportar mais discussão no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, é de se admitir o cabimento de recurso de revista com base no princípio da duração razoável do processo, ainda que a matéria objeto do apelo não seja objeto de OJ ou de súmula:

“INTERPOSIÇÃO IMEDIATA DE RECURSO DE REVISTA. NÃO ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ARGUIÇÃO DE PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NO RECURSO DE REVISTA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 214 DO TST. A jurisprudência desta Corte, nos termos de sua Súmula nº 214 e em direta aplicação do disposto no § 1º do artigo 893 da CLT, adota o entendimento de que é irrecorrível, de imediato, decisão pela qual não se acolhe exceção de pré-executividade, hipótese em questão. No entanto, o caso em apreço apresenta uma particularidade que, além das hipóteses expressamente previstas naquele verbete jurisprudencial, também afasta a incidência da regra que consagra a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias no processo do trabalho, na medida em que o ora recorrente arguiu preliminar de nulidade daquele acórdão regional. Nessa hipótese, se incidisse o óbice previsto na Súmula nº 214 do TST, não se conheceria do recurso de revista, seria determinado o retorno do processo à execução, o executado garantiria o Juízo, interporia embargos à execução e um segundo agravo de petição e, de eventual decisão a ele contrária, proferida pelo Tribunal a quo, poderia, renovando as mesmas alegações desse seu recurso de revista, retornar ao Tribunal Superior do Trabalho, para que esse, antes de mais nada, examinasse a arguição de nulidade do acórdão regional, ora invocada. Diante do princípio da razoável duração do processo consagrado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, e da possibilidade de todo o iter processual subsequente ser tornado inútil pelo tardio acolhimento dessa preliminar, não incide o disposto na Súmula nº 214 do TST, a obstar o conhecimento do recurso de revista. Afasta-se, assim, a aplicação da Súmula nº 214 do TST”. (TST-RR-1875-35.2011.5.02.0035, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, 2 Turma, DEJT 03/05/2013 – grifamos)

“RECURSO DE REVISTA - DECISÃO QUE RECONHECE A COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO - REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU - DECISÃO INTERLOCUTÓRIA - CABIMENTO DE RECURSO IMEDIATO - POSSIBILIDADE - EXEGESE DA SÚMULA Nº 214 DO TST E ART. 5º, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. I - A teor do disposto no art. 893, § 1º, da CLT, seria de rigor não conhecer a revista em razão de o acórdão recorrido ter assumido nítida feição interlocutória. É indeclinável, no entanto, o exame da questão no cotejo com a Súmula nº 214 do TST, a qual, prestigiando o princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), estabeleceu exceções à ideia de irrecorribilidade das decisões interlocutórias. II - Embora o acórdão recorrido não revele contrariedade com o entendimento de Súmula ou Orientação Jurisprudencial desta Corte - o que, de plano, autorizaria o conhecimento do recurso - certo é que o Pleno deste Tribunal, seguindo a jurisprudência consolidada no STF, consagrou que a Justiça do Trabalho não desfruta de competência material para processar e julgar as ações movidas por servidores admitidos mediante contrato administrativo por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público. III - O contexto, aliado à ideia vertida na alínea c da Súmula 214 do TST, autoriza o processamento do apelo, na esteira do art. 5º, LXXVIII, da Carta Magna”. (TST-RR- 44/2008-104-04-00.7, Relator: Antônio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 14/10/2009, 4ª Turma, Data de Publicação: 23/10/2009 - grifamos) 

A pluralidade de casos concretos que chegam ao conhecimento do Tribunal Superior do Trabalho tem forçado aquela Corte a admitir novas hipóteses de cabimento de recursos em face de decisões interlocutórias, além das exceções previstas nas alíneas da súmula 214 do TST.

Abre-se, portanto, mais um canal para interposição de recursos de revista perante o C. TST, cuja transcendência política se justifica, analogicamente, por força do art. art.896-A, §1º, II, CLT.

___________

1 OJ 199, SBDI-I/TST: JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO. É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico. 

2 Resolução 14 de 1985, publicada no DJU 19.09.1985 e 24, 25 e 26.09.1985, resolução 43 de 1995, publicada no DJU de 17, 20 e 21.02.1995 – Republicada no DJU de 22, 23 e 24.03.1995 e Resolução nº 121 de 2003, publicada no DJU de 19, 20 e 21.11.2003.

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*Dino Araújo de Andrade é advogado trabalhista especialista em Tribunais Superiores e sócio titular da Advocacia Fernandes Andrade S/S.

*Ricardo Calcini é mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP e professor na empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, focada em cursos “in company” em escritórios de advocacia, empresas e entidades de classes. Destaque para os treinamentos corporativos: “Boas Práticas da Advocacia Trabalhista nos Tribunais (TRT's)” e “Recurso de Revista”. 


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