Migalhas de Peso

A quarta revolução industrial e os trabalhos nas áreas marítima e portuária

Muita gente enxerga o mundo do futuro com imediato otimismo. Sou um pouco mais cético. Temo pelo empobrecimento da população mundial, por conflitos sociais e tensões graves. Pois, se já se mostram fortemente afetadas áreas tradicionais, como a marítima e a portuária, famosas por circulações de riquezas e fomento de empregos, o que se poderá dizer de outras?

30/8/2019

O mundo vive hoje uma poderosa onda revolucionária, protagonista de mudanças estruturais. E com ela paradigmas começam a romper-se. Chamam-na alguns de quarta revolução industrial.

Para falar a verdade, a primeira, com suas máquinas a vapor, foi a mais propriamente industrial. A segunda foi mais afeita à eletricidade e, muito tempo depois, uma outra, voltada à informática. Agora, a partir da terceira onda se dá um salto enorme, e em pouco tempo, passa-se a falar de uma revolução digital.

Obviamente que cada uma está ligada a outra, todas conectam-se mutuamente. No entanto, a atual parece maior, mais dinâmica, mais rápida, intensa por sua inegável presença no próprio cotidiano das pessoas. Essa presença apresenta, é verdade, muitos aspectos positivos, especialmente em campos como os da medicina e da informação. 

O avanço da tecnologia propicia grandes conquistas e qualidade de vida. Dou um exemplo: no momento em que escrevo este artigo estou em Taormina, na Itália. E bastam pouquíssimos segundos para que eu consiga, por um teclado de computador, pela internet, comunicar-me com a redação do Jornal, enviando com absurda rapidez um texto que em breve será publicado. Consigo me comunicar com sócios e colegas de escritório para tratar de assuntos profissionais, sem falar das brincadeiras com amigos e de conversas com familiares que o encurtamento das distâncias facilita. Além disso, fiz recentemente uma cirurgia delicada na região cervical. E foi um estrondoso sucesso, porque ao talento do cirurgião se juntou uma tecnologia de ponta. 

Tudo isso é bom? Claro. Tudo isso é ótimo. Mas há também um lado sombrio, perigoso, preocupante: o custo social. Falo do trabalho, da mão de obra, da vida das pessoas. 

Os setores marítimo e portuário dão claros sinais nesse sentido. Sempre que se divulgam avanços tecnológicos pergunto a mim mesmo quantos empregos serão dizimados no processo. Ao que alguém poderá dizer: “é o progresso! É coisa que não se pode impedir! As pessoas irão se ajustar à nova situação e realizar novas funções!”

Progresso? Mesmo? Milhares de pessoas serão realmente capazes de realinhamento profissional?

Parece-me que o excesso de otimismo cega as pessoas. A nova revolução não é pontual. Envolve contextos inteiros, promove mudanças radicais no organismo e na estrutura da sociedade humana. Não é de hoje que máquinas fazem as vezes do homem. Mas somente hoje passam a ocupar funções diversas daquelas de natureza mais repetitiva. 

Equipamentos sofisticados substituem dezenas de estivadores. Navios totalmente computadorizados praticamente dispensam tripulações. Logo mais, estivadores, marinheiros, chefes de máquinas e oficiais de náutica serão brevemente prescindíveis. Com o “avançar” das coisas, quem sabe os conferentes e fiscais também. O porto de Santos, antes celeiro de empregos diretos e indiretos, passará a operar com um punhadinho de gente. 

A própria advocacia mudará — quer dizer, já mudou. Acrescento, então, que mudará mais. Penso que sobrarão apenas advogados ultra especializados e aqueles com nome consolidado, os quais não precisarão mais empregar advogados novos, estagiários e auxiliares. Seus computadores, de extraordinária sofisticação, os farão dispensar equipes mais robustas.

Muita gente enxerga o mundo do futuro com imediato otimismo. Sou um pouco mais cético. Temo pelo empobrecimento da população mundial, por conflitos sociais e tensões graves. Pois, se já se mostram fortemente afetadas áreas tradicionais, como a marítima e a portuária, famosas por circulações de riquezas e fomento de empregos, o que se poderá dizer de outras?

Isso não é discurso ideológico ou coisa de socialista. Longe disso. Considero-me até um conservador integral, um defensor da economia de mercado. Mas é o que vejo. Desejo estar errado, e com isso queimar a língua. No entanto, não posso negar, e digo-o sem vaidade, que as chances de estar certo me parecem um pouco maiores. Por isso enxergo com preocupação o presente. Afinal, ele é a única porta de entrada para o futuro.

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*Paulo Henrique Cremoneze é advogado com atuação nas áreas do Direito do Seguro e Direito dos Transportes, sócio de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados.

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