É consabido entre os estudiosos do Processo Penal que existem dois sistemas de avaliação em relação a prova pericial. Um, e o vigente em nossa legislação, identifica-se como sistema liberatório, no qual o juiz não ficará adstrito ao resultado definitivo do laudo elaborado pelo perito de uma área específica. No outro, chamado de sistema vinculatório, não há margem para a subjetividade, e neste o magistrado ficará vinculado ao trabalho feito pelo “expert”.
Diante disso, como fora supramencionado, o nosso sistema processual penal adotou um sistema que possibilita ao Juízo elaborar a sua decisão ante a livre apreciação das provas carreadas ao caderno processual, também conhecido como princípio do livre convencimento motivado e encontrado em nosso código no seu artigo 155. Nesta sistemática, verifica-se que as provas constantes nos autos não carregam nenhuma carga valorativa anteriormente definida, sendo em sua totalidade apreciadas ante as peculiaridades de cada caso separadamente.
Ademais, ressalta-se que a livre convicção que o magistrado está autorizado a praticar deverá sempre estar interligada com os elementos probatórios existentes no processo. Como exemplo de exceção ao princípio supracitado, temos o polêmico princípio da íntima convicção, este admitido nos processos de competência do Tribunal do Júri, onde os votos dos jurados são sigilosos e não precisam ser fundamentados.
Sob a ótica doutrinária, mostra-se de grande valia as sábias observações de Aury Lopes Jr.1 em relação ao tema:
Em definitivo, o livre convencimento é, na verdade, muito mais limitado do que livre. E assim deve sê-lo, pois se trata de poder e, no jogo democrático do processo, todo poder tende a ser abusivo. Por isso, necessita de controle. Não se pode pactuar com o decisionismo de um juiz que julgue “conforme a sua consciência”, dizendo “qualquer coisa sobre qualquer coisa” (STRECK). Não se nega a subjetividade, por elementar, mas o juiz deve julgar conforme a prova e o sistema jurídico penal e processual penal, demarcando o espaço decisório pela conformidade constitucional. (2016, p.311).
Dessa forma, vê-se que no referido sistema o juiz possuirá uma liberdade maior para decidir subjetivamente, podendo levar em consideração suas experiências na carreira e suas convicções desde que sempre respeitando a lei a fim de garantir as partes do processo a devida observância ao princípio do devido processo legal.
Feitos os destaques introdutórios, observamos que o Código de Processo Penal Brasileiro assevera que, havendo dúvida sobre a higidez mental do acusado, necessário se faz a apuração de suposta inimputabilidade, haja vista ser a imputabilidade penal requisito inafastável para a aplicação da reprimenda estatal.
Assim, verifica-se no referido diploma processual que a avaliação de possível insanidade mental do réu poderá ser instaurada ex officio pelo magistrado, ou em pedido formulado pelo Ministério Público, defensor, curador, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do processado. Válido ressaltar também que, caso a persecução penal ainda esteja na fase investigatória, referido pedido de avaliação também poderá ser elaborado pelo delegado de polícia. Em qualquer caso, diante da instauração do incidente, será nomeado curador ao acusado.
Portanto, uma vez instaurado o referido incidente nos termos supramencionados, caso o investigado ou acusado encontre-se recolhido cautelarmente, este deverá ser transferido para o hospital de custódia e tratamento, onde houver. Se pelo contrário, o réu estiver solto, e assim for requerido pelos peritos, o Magistrado poderá determinar que o mesmo seja internado para que seja procedido a realização do exame.
Tal internação encontra fundamentos pelo fato de se permitir um exame bem feito, observando-se todas as necessidades existentes para que um laudo seja especificado de maneira a dirimir quaisquer dúvidas existentes quanto a imputabilidade do acusado ou investigado. Registra-se que, evidentemente, deverão todo os peritos responsáveis pela realização dos exames justificar as suas decisões.
Referida formalidade atende diretamente ao sistema imposto pelo Código de Processo Penal quanto aos laudos elaborados pelos experts, ante a vigência em nosso ordenamento jurídico do sistema liberatório de avaliação da prova pericial, razão pela qual, o magistrado não ficará adstrito ao laudo, tendo a faculdade de aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte, devendo, evidentemente, fundamentar a sua decisão de recepção ou afastamento do conteúdo constante no documento pericial.
Sobre o assunto, pertinente destacar os ensinamentos de Gustavo Henrique Badaró2:
Em suma, o juiz é livre para apreciar a perícia, sendo o perito dos peritos (iudex est peritus peritorum). Todavia, a não aceitação do laudo do perito oficial – até mesmo porque o juiz não dispõe dos conhecimentos especializados do perito – não poderá ser o resultado de um ato caprichoso ou imotivado, cabendo ao juiz justificar racionalmente sua discordância, indicando o motivo pelo qual não considera atendível o resultado da perícia. (2015, p.442).
Com isso, imagina-se que no processo penal, ao realizar o julgado, o magistrado sempre ponderará as provas que lhes foram apresentadas de acordo com suas espécies, alçando as periciais a um patamar superior às demais.
No entanto, é plenamente possível constatar na prática a total observância ao livre convencimento motivado, com decisões variadas indo de encontro ao proposto no laudo pericial definitivo.
Aliás, diante da regra codificada atribuindo ao julgador o status de peritus peritorum, calha questionar se em virtude do estimado parecer técnico elaborado por especialistas no assunto, caberia ao juiz divergir de seu resultado. Verdadeira confrontação entre ciência e justiça.
Não deve o juiz, sem imperiosa justificativa, simplesmente definir que o investigado ou acusado era são quando da prática do fato delituoso, havendo conclusão pericial em sentido contrário nos autos. Caso discorde, melhor que se determine um novo exame, sendo inclusive este procedimento, apto a se rotular como “regra geral”, ainda que vá de encontro ao princípio da razoável duração do processo.
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1 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
2 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
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*Rodrigo Corbelari é advogado criminalista e pós-graduando em Ciências Penais e Segurança Pública pela Universidade Vila Velha (UVV).