Antes de fazer breves considerações sobre como o tema ‘família’ é tratado em nossa legislação, convido o leitor a fazer uma reflexão: qual o principal sentimento que aflora em sua mente – ou coração - quando pensa em ‘família’? Quem e quais são os indivíduos que a compõem?
Há algumas décadas, a resposta para a segunda pergunta certamente seria uníssona: a família é composta por genitor, genitora e filhos. Prova disso são as fotografias, muitas delas ainda em preto e branco, que trazem um casal sentado ao centro, rodeado de filhos, todos com o semblante extremamente sério.
Hoje, contudo, as fotos das famílias não possuem uma carga tão sóbria. Os retratos ganharam leveza e passaram a registrar momentos de afeto, descontração e felicidade.
Evidentemente, não foram apenas as fotografias que sofreram alteração; a composição e, consequentemente, o conceito de família também. A formatação da família deixou de decorrer exclusivamente do matrimônio e da conotação de ordem sexual de seus integrantes. Desse modo, a ideia de família patriarcal, indissolúvel e verticalizada, tão presente em nosso ordenamento jurídico, foi cedendo espaço a outros paradigmas.
Atenta à realidade social, a Constituição Federal passou a reconhecer a existência de outras entidades familiares, assegurando especial proteção à união estável e à comunidade composta por qualquer um dos pais com sua prole, a chamada família monoparental.
A Carta Magna, desse modo, legitimou um novo conceito de família, amplo e inclusivo, que consagra a existência de famílias – eis que plurais - e não apenas de um só modelo de entidade familiar.
Além da Constituição Federal, uma norma infraconstitucional, a Lei Maria da Penha (lei 11.340/06) contribuiu para a expansão do conceito de família. Isto porque valeu-se do conceito moderno, definindo-a como relação de afeto. Desse modo, representou verdadeiro marco legislativo.
Ainda que o diploma legal tenha como principal objetivo prevenir e punir a violência doméstica e familiar, a lei delineou os contornos da abrangência dos arranjos familiares.
Ao proclamar que o conceito de família abrange aqueles que se consideram aparentados por vontade expressa
A música do “Titãs”, que dá título a esse texto, em uma breve passagem, faz referência ao tradicional conceito de família, destacando a importância da ‘filha de família’ se casar e a contribuição financeira oferecida pelos pais.
No entanto, como visto, o conceito de família tornou-se plural, de modo que o matrimônio deixou de ser fundamental para a configuração de um arranjo familiar.
Conforme bem ensina Maria Berenice Dias, jurista e notável estudiosa de Direito de Família, devem ser abrangidos pela proteção constitucional os demais relacionamentos cujo vínculo afetivo “une as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo” e forma uma família.
A união estável, a família monoparental (formada por um dos genitores e sua prole), a família mosaico (formada por um dos genitores com seus filhos e o outro companheiro), entre tantas outras, foram protegidas pela legislação; assim como a união homoafetiva, que foi inserida no conceito de entidade familiar, e obteve os mesmos direitos assegurados às demais famílias, inclusive o de adoção.
A partir do exposto, mostra-se evidente que a consagração do conceito moderno de família, baseado no vínculo de afeto, no direito brasileiro, é fundamental, visto que permite o pluralismo e o desenvolvimento de diversas formas de entidades familiares ao dispensar a realização do matrimônio.
Ademais, permite que o indivíduo decida, livremente e a partir de suas convicções íntimas, com quem deseja partilhar sua vida e viver suas relações de afeto.
_______________________
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Família – 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 42.
_______________________
*Isabela Almeida de Medeiros é advogada da Advocacia Hamilton de Oliveira.