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Direito à educação e o dever de educar-se

O acesso ao conhecimento complementa e desenvolve a educação do ser humano, promovendo a inserção na vida social e profissional, exercício da cidadania, desenvolvimento das suas capacidades e vontades.

25/7/2019

Os direitos fundamentais são direitos inerentes à pessoa humana. Na medida em que a sociedade evolui, esses direitos se aliam cada vez mais à política, através de promessas e proteção na interminável busca pelo que é justo.

Quanto ao direito à educação, já partimos do pressuposto de que ela é necessária, inclusive para a liberdade de cada um, aliado ao seu exercício da cidadania, trabalho, além da própria felicidade.

O direito à educação é hoje reconhecido mundialmente, todavia sua conquista somente é válida se for promovido o acesso, a permanência e sua conclusão.

A educação não se limita apenas às crianças e jovens até 17 anos, trata-se de um direito em que as condições de igualdade são estendidas a todos e em vários níveis e modalidades

A educação escolar contempla o ensino infantil, fundamental, médio, universitário e técnico profissionalizante.

A educação é uma conquista da liberdade que cada um exerce quando da sua condição de cidadão.

Nesse sentido, lembramos o reconhecimento da Educação na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, em que é tratada como desenvolvimento pleno da personalidade humana.

A previsão de que “todos tem direito a educação”, art. 205 da Constituição Federal de 1988, abarca por si só o ideal de igualdade, só tendo sentido se for uma igualdade material, através de uma atuação estatal para garantia de padrões mínimos

O direito à educação está previsto como direito de natureza social no artigo 6º da Constituição Federal de 1988. Detalha o direito à educação no Título VIII, Da Ordem Social, especialmente nos artigos 205 a 214, em que aduz que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, com a promoção e incentivo através de colaboração da sociedade, para fins de desenvolvimento da pessoa humana e seu preparo para o exercício da cidadania e suas qualificações para o trabalho.

Assegurar o direito fundamental à educação a todos os brasileiros é pressuposto da própria democracia, que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, não podendo o modelo de sociedade democrática afastar a cidadania. Nesse sentido, atribuiu ao direito educação valoração máxima, determinando também a necessidade de legislação infra-constitucional para fixação de regras do sistema educacional permitindo assim sua efetivação

Apesar da previsão como direito de todos, a própria constituição limitou a oferta, gratuita a todos, somente quanto ao nível da educação básica, ensino fundamental e médio, mantendo-se a educação de nível superior gratuita, mas não extensiva a todos, pelo menos em um primeiro momento, já que o Estado tem o dever de promover o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um, conforme art. 208, V, não lhe sendo afastado o papel da universalização da Educação.

A concepção de progressividade e universalidade dos direitos fundamentais, no presente caso o direito à educação, é insistente na seara do direito internacional o que motiva os Estados nacionais a se empenharem quanto a sua concretização. O art. 26 da Convenção Americana da Direito Humanos aduz:

Os Estados partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou outros meios  apropriados.

A educação no Brasil se organiza através de um sistema de colaboração de ensino dos entes federativos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, através do sistema de repartição de competência expressamente na Constituição.

Ao vincular competências e percentuais de despesas, quis o legislador conferir uma maior concretização para com esse direito. Assim, a União caberá o financiamento das instituições de ensino públicas federais, os Municípios e Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e educação infantil, os Estados e Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. Prevê-se ainda, uma organização dos sistemas de ensino: da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, devendo se definir as formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.

A EC 14/96 tratou ainda de criar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do’ Magistério - FUNDEF, posteriormente sendo regulamentado pela lei 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo decreto 2.264, de junho de 1997.

A emenda constitucional 53 de 2006, alterou vários dispositivos constitucionais, além da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal. Substituiu o FUNDEF e teve como objetivo proporcionar a elevação e uma nova distribuição dos investimentos em educação. Trata-se de um fundo que não é considerado Federal, Estadual, nem Municipal, por se formado com recursos originadas das três esferas de governo.

A emenda 59 de 2009 tentou estabelecer um equilíbrio no direito à educação, quando conferiu ao legislador ordinário a elaboração de um Plano Nacional de Educação com duração de dez anos, devendo ser revisto, com fins de assegurar a manutenção e o desenvolvimento do ensino em seus níveis, etapas e modalidades.

Somente em 2014, foi aprovada a lei 13.005 que trata do Plano Nacional da Educação- PNE, com vigência de 10 (dez) anos.

Assim, o Estado a serviço do ser humano é responsável pela garantia e efetividade de seus direitos. Ele possui tarefas fundamentais e deveres fundamentais.

Quanto ao dever fundamental esse se vincula também ao particular, não podendo esse desrespeitar ou violar o direito do outrem, basta lembrar que para a dignidade humana se realizar, ela precisa da sociedade

Por isso a necessidade de imposição de algumas medidas obrigacionais, tais como a escolaridade básica obrigatória para as crianças. Se os pais e a sociedade não contribuírem, não há como o Estado apenas ofertando a educação escolar, dever fundamental, almejar o êxito da efetividade do ensino e não somente a disponibilização.

O Estado possui deveres e tarefas fundamentais, essa última se relaciona com a própria atuação estatal na sociedade, é a função de defesa, garantia ou respeito dos direitos e liberdades; a função de prestação social que promove o bem-estar; proteção contra terceiros; combate à discriminação entre as pessoas. Ressalva-se que tais tarefas dizem respeito as entidades públicas que se encontram vinculadas as normas sobre direitos fundamentais, consiste numa responsabilidade normatizada para com a sociedade.

Os deveres fundamentais não se esgotam nas tarefas fundamentais, esses deveres não têm como titulares apenas o Estado, mas o ser humano que é responsável também na sociedade em que vive.

Sabemos que o Estado não consegue atender a prestação desse direito fundamental, por diversas razões. Contudo, não podemos nos esquecer no dever fundamental dos pais, esse previsto na constituição, como também o dever de cada cidadão na busca pelo conhecimento, sendo a fonte de partida a escola, centros profissionalizantes e universidades.

Nesse sentido, o direito à educação não pode se pressupor apenas pela a positivação nas cartas constitucionais, mas a sua necessidade de existir no plano dos fatos, valendo-se o seu caráter de universalidade, própria dos direitos fundamentais. O acesso ao conhecimento complementa e desenvolve a educação do ser humano, promovendo a inserção na vida social e profissional, exercício da cidadania, desenvolvimento das suas capacidades e vontades.

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*Grazielly dos Anjos Fontes Guimarães é mestre em Direito Constitucional pela UFRN. Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas na Faculdade de Direito de Lisboa. Professora de Direito.Vice-presidente da ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões

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