O projeto anticrime gestado pelo atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e enviado ao Congresso Nacional para apreciação, traz em seu bojo a adoção, em solo pátrio, do modelo consensual pleno já adotado nos EUA, denominado plea bargain.
Tal modelo reflete uma nova era social, na qual o contato direto entre partes adversas demonstra o abandono do paradigma litigioso em prol da mediação. Tal panorama é, inclusive, incentivado pelo próprio Poder Judiciário – e pelo Estado, em sentido lato – quando informa a seus destinatários (litigantes em geral) que demandas relativas ao consumidor deverão passar, antes de análise judicial em sentido estrito, por tentativas de conciliação entre as partes. Não por menos que até mesmo um site se criou para atendimento desta modalidade de acerto.
Não obstante a negociação em esfera penal seja uma realidade posta há anos no direito saxônico, o fato é que, sobre ela, pouco se escreveu pelo viés dogmático e relacionado ao tema das velocidades do Direito Penal – e, consequentemente, ao Direito Penal do Inimigo.
Em tal seara cumpre recordar a classificação do doutrinador espanhol Jesus Maria Silva Sanchez, que
Como bem se percebe, as velocidades apontadas pelo jurista espanhol simplesmente ignoram o modelo saxônico onde poderemos encontrar (a) pena privativa de liberdade, (b) ausência de garantias, mas, diferentemente da terceira velocidade acima mencionada, (c) concordância do acusado com as medidas que serão adotadas contra si.
Neste viés, fica a questão: como se classificar um Direito marcado pelo viés da eficiência, mas que necessita de um acordo entre as partes para se concretizar? Se é fato que a privação de liberdade somada à ausência de garantias se assemelha ao Direito Penal do Inimigo, não menos verdade é que não se pode classificar como inimigo aquele com quem o Estado deseja um pacto, seja ele qual for.
É justamente na lacuna da classificação de Sanchez que entendemos pela adequação do paradigma negocial em uma quarta velocidade do Direito Penal. Não ignoramos que essa denominação – quarta velocidade – tem sido utilizada por parte da doutrina para classificar os delitos e processos contra chefes de Estado, mas com isso não podemos concordar.
Pelo contrário, as velocidades do Direito Penal não se referem aos destinatários (eles são apenas uma consequência, e não um pressuposto), mas sim à maneira pela qual a punição passa a ser imposta ao indivíduo. Por tal motivo, se chefes de Estado terão que se defender de penas privativas de liberdade em um processo com menos garantias, nada mais correto do que simplesmente classificar tal situação como terceira velocidade, e nada mais.
Voltando ao nosso ponto, portanto, a quarta velocidade do Direito penal é aquela na qual qualquer pena poderá ser aplicada, sem garantias processuais máximas, desde que obtida a concordância de seu destinatário.
Em tal espectro, tanto o plea bargain quanto a colaboração premiada se enquadram em tal conceito, e sobre tais institutos é que temos que nos debruçar como o caminho que tomará corpo e acabará por prevalecer sobre todos os anteriores – eis que, em uma sociedade que age na velocidade virtual, a todos conecta e a todos fornece oportunidade de “customizar” o serviço que pretende obter, o livre arbítrio sobre a negociação de caráter penal, gostem ou não, é inevitável e prevalecerá sobre o modelo clássico de processo (inclusive, basta ver a quantidade de delações firmadas nos últimos anos para se notar que a opção negocial efetivamente é a marca da nova geração).
Enfim, a proposta que se faz é que, ao invés de simplesmente criticarmos a realidade — que, por sua natureza, ignora qualquer crítica — estabeleçamos uma formulação teórica mais consistente sobre o paradigma negocial. Se estamos diante de uma verdadeira quarta velocidade, que sobre ela possamos nos debruçar e estabelecer os parâmetros mínimos para que a negociação entre o Ministério público e Indivíduo se desenvolva de maneira salutar, com isonômicas condições de barganha que, por sua vez, derivará de um mínimo de garantias processuais e sociais a se criarem em prol do cidadão – principalmente em um país cuja massa carcerária sequer sabe escrever adequadamente o próprio nome.
Para tanto, necessária a participação da Defensoria Pública, OAB e entidades sociais que tragam a lume a condição concreta dos principais destinatários da norma penal; necessário, ainda, a participação ativa da doutrina e dos Tribunais Superiores na limitação dos órgãos de persecução. Por fim, necessário que, vencido — ou não — o preconceito que temos quanto à negociação em esfera penal, estejamos prontos para tal medida, pois o futuro sempre vem.
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