Os Estados Federados, regulados pelos artigos 25 a 28 da Constituição Federal, possuem competência legislativa subsidiária, isto é, somente será competente o Estado quando não houver atribuição constitucional à União ou aos Municípios, conforme se depreende do parágrafo 1º do art. 25 da CF/88:
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da Constituição.
Parágrafo 1º. São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
Isto posto, “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”1 será exercida através da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiro militares.
Os órgãos de segurança pública são de responsabilidade dividida, ficando com a União: a polícia federal, polícia rodoviária federal e a polícia ferroviária federal. Cabendo, portanto, aos Estados Membros as polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiro militares, nos termos expostos pelo parágrafo 6º do art. 25 da CF/88: “As polícias militares e corpos de bombeiro militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”.
Nestes termos, por atribuição constitucional, bem como em razão de estratégia política, financeira e orçamentária, verifica-se que, por vezes, o orçamento estadual voltado para a segurança pública não se demonstra hábil a preencher as lacunas monetárias referentes ao armamento e modernização dos órgãos de segurança pública sobre a sua responsabilidade, razão pela qual os Estados brasileiros têm, cada vez mais, instituído fundos voltados à sua manutenção, custeio e investimento.
Para que o Estado-membro promova a instituição do fundo em comento, no entanto, é necessário que haja prévia lei complementar estabelecendo as condições para a instituição e funcionamento de fundos como previsto no art. 165, §9º da CF/882. Além deste requisito, é necessário também que seja proferida autorização legislativa específica (para a instituição de qualquer fundo, inclusive o de segurança pública), conforme se observa do art. 167, inciso IX da Constituição Federal e replicada por arrastamento a diversas Constituições Estaduais3:
Art. 167. São vedados:
IX - A instituição de fundos de qualquer natureza, sem prévia autorização legislativa.
Nada obstante a existência de lei complementar e autorização legislativa específica, é ainda necessário que as receitas e despesas relacionadas com o fundo criado estejam, obrigatoriamente, previstas na lei Orçamentária Anual (LOA), nos termos do art. 165, §5º, I, da CF/884.
Há que se salientar, no entanto, que a Jurisprudência nacional vem promovendo mitigações acerca do rito acima apresentado. Isto porquê vem se desconsiderando a necessidade de prévia existência de lei complementar estadual prevendo as condições para a instituição e funcionamento do fundo, como se observa a seguir:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI ESTADUAL 2.826/03 – LEI DE INCENTIVOS FISCAIS E EXTRAFISCAIS – CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA PARA O FTI - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – IMPROCEDÊNCIA – INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL – IMPROCEDÊNCIA – CONSTITUCIONALIDADE DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS. 1. Preliminar de perda do objeto acolhida, para julgar prejudicada a presente ação direta de inconstitucionalidade, quanto ao artigo 43, § 1.º, inciso III, artigo 47, § 2.º, artigo 45, artigo 25, § 2.º, e ao artigo 47, todos da lei 2.826/03. 2. Relativamente a alegação de inconstitucionalidade formal, verifica-se que a exigência de lei complementar encontra-se atendida com a edição da lei 4.320/64, que dispõe sobre normas gerais sobre Direito Financeiro, tratando genericamente sobre a instituição de fundos, cabendo à lei específica o estabelecimento das regras sobre a instituição de determinado fundo, possuindo a lei 2.826/03, compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro. 3. No que tange à inconstitucionalidade material, constata-se a improcedência das alegações, porquanto a contribuição financeira ora questionada não se enquadra na definição de tributo, a qual é feita pelo artigo 3.º do Código Tributário Nacional e pelo artigo 9.º da lei 4.320/1964. 4. A compulsoriedade é essencial para caracterizar a obrigação tributária, uma vez que a prática de fato previsto em norma jurídica tributária faz surgir, de maneira automática e independente da vontade do contribuinte, o dever de uma prestação pecuniária. 5. A contribuição financeira prevista no artigo 19, inciso XIII, alínea c, da lei impugnada, constitui apenas uma condição para que determinada empresa possa ser beneficiadas pela política de incentivos fiscais do Estado do Amazonas. 6. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente extinta, sem resolução de mérito e, no outro ponto, julgada improcedente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Desembargadores que compõem o Tribunal Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por _______________ de votos, em julgar a ação direta de inconstitucionalidade parcialmente extinta, sem resolução de mérito, julgando-a improcedente no outro ponto, nos termos do voto que acompanha esta decisão.
(TJ-AM 00015708720108040000 AM 0001570-87.2010.8.04.0000, Relator: Jorge Manoel Lopes Lins, Data de Julgamento: 22/09/14, Tribunal Pleno).
Nestes termos, embora existam os posicionamentos jurisprudenciais acima colacionados, é nítido que a inexistência de lei complementar nos Estados torna a instituição do fundo instável, uma vez que a sua validade estará vinculada a decisão judicial futura e incerta (posicionamento ainda não sedimentado pelos Tribunais Superiores), bem como não estará satisfazendo todos os requisitos legais estabelecidos para a instituição.
Por fim, com o objetivo de dirimir quaisquer questionamentos, há que se evidenciar que além das imposições e rito acima dispostos, de natureza formal, o texto constitucional não promove qualquer restrição material, delegando tais caracterizações à lei complementar estadual reguladora do mesmo. Assim, não se vislumbra, nos estados que já possuem a lei complementar, a exemplo de Mato Grosso5 e Rio de Janeiro6, qualquer restrição material que afete a segurança pública e, nos Estados em que ainda não existe a legislação complementar, em função da “brecha” proporcionada pela jurisprudência, não se pode afirmar existir restrição quanto a matéria ou órgão, restando, por consequência, autorizada a instituição de fundos para a segurança pública, desde que não esteja vinculado às receitas dos impostos, nos termos do art. 167, inciso IV da CF7.
________________
1 Art. 144, caput, da Constituição Federal.
2 Art. 165 da CF. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: § 9º Cabe à lei complementar: II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.
3 Constituição do Estado da Bahia: Art. 161 - São vedados: IX - a instituição de fundo de qualquer natureza, sem prévia autorização legislativa;
4 Art. 165, §5º da CF. A lei orçamentária anual compreenderá: I - o orçamento fiscal, incluindo todas as receitas e despesas, referente aos Poderes do Estado, seus fundos, órgãos da administração direta, autarquias, fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
5 LC/MT 88/2001.
6 LC/RJ 178/17.
7 Art. 167. São vedados: IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;
________________
*Igor Bastos de Almeida Dias é pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBET (2018) e advogado tributarista da MoselloLima Advocacia.