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O decreto 9.830/19 e a ratificação de relevantes entendimentos

O novel ato normativo é digno de aplausos, por regulamentar questões que em muito contribuem para a contínua melhoria do Estado Democrático de Direito.

18/6/2019

No dia 11 de junho foi publicado o decreto 9.830/19, ato normativo que regulamenta o disposto no art. 20 ao art. 30 do decreto-lei 4.657/42 (lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), disposições inseridas pela lei 13.655/18

Do conteúdo do novel decreto extrai-se a regulamentação de entendimentos que já vinham se consolidando na Administração Pública e no Poder Judiciário, no sentido de se valorizar a motivação das decisões e suas consequências práticas, a segurança jurídica do administrado e do agente público, a consensualidade, a transparência, o princípio democrático, a razoabilidade e a proporcionalidade, dentre outros. Não se pretende esgotar o tema – sobretudo tendo em vista a sua extensão –, mas alguns pontos merecem ser sublinhados, em virtude tanto de sua importância quanto do progresso que representam.

Quanto à motivação, a LINDB já sugeria, em seu art. 20, parágrafo único, a necessidade de as decisões serem motivadas, o que é natural no paradigma do Estado Democrático de Direito. O decreto 9.830/19, por sua vez, em seu art. 2º, indo além e regulamentando aquele dispositivo, estabelece que a decisão será motivada com a contextualização dos fatos em controvérsia, bem como com a indicação das normas jurídicas, da jurisprudência e da doutrina aplicáveis à espécie, de modo a amoldar e a correlacionar a subsunção dos fatos à hipótese legal abstrata. 

Trata-se de valorização de uma fundamentação substancial das decisões, que afasta as denominadas decisões-padrão ou decisões-modelo e potencializa o dever de motivação insculpido no art. 93, IX, da Constituição da República. No mesmo sentido, para além do art. 2º da lei 9.784/99 que impõe a obediência ao princípio da motivação no âmbito administrativo federal, também o Código de Processo Civil em seu art. 11 c/c art. 489, §1º prevê uma motivação verdadeira, que leve em consideração a realidade fática em exame, em detrimento de uma motivação meramente formal que não condiz com o intuito do constituinte de 1988. 

Ademais, a LINDB já previa, em seu art. 20 e em seu art. 21, a obrigação do julgador de considerar as consequências práticas da decisão e a realidade do gestor público, imposição criada pela lei 13.655/18. Vincula-se, assim, a construção das decisões aos efetivos efeitos concretos no mundo fenomênico, aproximando a aplicação do ordenamento jurídico à realidade e afastando a utilização da ordem jurídica dissociada da ordem social, algo que já vinha sendo destacado pela doutrina e jurisprudência à luz da proporcionalidade e da razoabilidade, princípios salientados pelo novel decreto, em seus art. 3º, §3º, art. 4º, §2º e art. 14. 

Regulamentando e complementando o entendimento já exposto pela LINDB, o decreto 9.830/19, a título exemplificativo, prevê que a decisão de responsabilização levará em consideração a complexidade da matéria e das atribuições do agente público (art. 12, §4º), previsão que robustece e corrobora a necessidade de se levar em conta as consequências práticas e a realidade do gestor, de forma casuística, caso a caso.

Outrossim, no que se refere ao princípio da segurança jurídica, pilar fundante do Estado Democrático de Direito, a LINDB já trazia em seu art. 23 interessante determinação que valoriza a previsibilidade e a estabilização das relações jurídicas, a saber, a previsão de um regime de transição quando cabível. O decreto 9.830/19, por sua vez, regulamentando a matéria e salientando o princípio da segurança jurídica, permite a restrição dos efeitos da declaração de invalidade de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativas (art. 4º, §4º), bem como a sua modulação, visando à mitigação dos prejuízos dos administrados (art. 4º, §5º).

Mecanismo semelhante é estipulado, por exemplo, pelo art. 27 da lei 9.868/99, quanto à modulação dos efeitos das decisões no escopo da ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) e da ação declaratória de constitucionalidade (ADC) perante o Supremo Tribunal Federal. Justamente com o fito de valorizar a segurança jurídica e de levar em consideração as consequências práticas da decisão, previu o legislador ordinário que, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, poderá a Corte Suprema, pela maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Trata-se de previsão que, à semelhança do decreto 9.830/19, almeja valorizar a segurança jurídica dos administrados. 

Ainda na seara do princípio estruturante em comento – desta vez sob a ótica do agente público – prevê a LINDB que a responsabilização será subjetiva, em sintonia com a Constituição da República de 1988, conforme a inteligência do art. 37, §6º, do texto constitucional. Nesse sentido, determina o decreto-lei 4.657/42 em seu art. 28 que a responsabilização do agente público somente é legítima em caso de dolo ou de erro grosseiro.

No entanto, o decreto 9.830/19 vai além e, reforçando o entendimento acima sedimentado, prevê que o mero nexo de causalidade entre a conduta e o dano (art. 12, §3º), por si só, é incapaz de ensejar a responsabilidade, ainda que de grande monta seja o prejuízo para o erário (art. 12, §5º). Trata-se de previsão digna de aplausos, ao conferir maior segurança ao agente público em sua atuação – tão cara para a busca do interesse público –, incidindo a responsabilização tão somente nos casos em que o agir é eivado de dolo ou culpa grave – independentemente da monta discutida – e afastando a responsabilização generalizada que com lamento se observa na realidade atual. 

No que tange à consensualidade, ao revés da penalização vulgarizada dissociada de objetivos benéficos práticos, a LINDB já adotava postura educativa e pedagógica ao prever, em seu art. 26, que a autoridade poderá celebrar compromisso com os interessados, visando à uma solução equânime compatível com os interesses gerais. Na esteira da consensualidade já sugerida pelo decreto-lei 4.657/42, o decreto 9.830/19, ao regulamentá-lo, dispõe que poderá ser celebrado termo de ajustamento de gestão entre os agentes públicos e os órgãos de controle interno, com o fito de corrigir falhas, aprimorar procedimentos e garantir o interesse geral (art. 11, caput) e, por fim, impende salientar que o ato normativo é extremamente feliz ao dispor que a atuação dos órgãos de controle privilegiará ações de prevenção antes de processos sancionadores (art. 13, §1º), o que representa a valorização da atuação preventiva em detrimento da repressiva.

Por derradeiro, quanto ao princípio democrático, prevê a LINDB em seu art. 29 que a edição de atos normativos por autoridade administrativa poderá ser precedida de consulta pública para manifestação dos interessados, o que valoriza a participação na toada das tomadas de decisões do Poder Público, vetor principiológico da democracia. O decreto 9.830/19, reforçando o princípio democrático e a transparência, prevê em seu art. 24 que compete aos órgãos e às entidades da Administração manter atualizados, em seus sítios eletrônicos, as normas complementares, súmulas, orientações e enunciados, o que permite o controle popular e, logo, fortalece o âmago da democracia.

Percebe-se, ante o exposto, que o decreto 9.830/19 possui louváveis disposições, que corroboram alguns dos importantes fundamentos da República Federativa do Brasil. Sob nossa ótica, portanto, à guisa de conclusão, o novel ato normativo é digno de aplausos, por regulamentar questões que em muito contribuem para a contínua melhoria do Estado Democrático de Direito.

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*Caio Cavalcanti é advogado do Carvalho Pereira, Rossi Escritórios Associados.

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