Migalhas de Peso

A proteção das relações de consumo na era digital

Os atores envolvidos no sistema precisam adaptar a legislação e a sua aplicação para garantir meios de proteção dos direitos dos consumidores, sem, contudo, impedir o avanço tecnológico das relações de consumo.

29/5/2019

As relações de consumo enfrentam constantemente novos desafios, principalmente em um momento em que a tecnologia possibilita facilidades e ao mesmo tempo inovações na forma de realizar negócios.

Dentre as formas de contratação, está o contrato à distância no comércio eletrônico, que vem crescendo substancialmente e com ele a necessidade de criar leis que amparem o consumidor neste complexo e rico fenômeno.

O comércio eletrônico é realizado através das contratações efetivadas por e-mail, on-line, telemarkenting, TV, etc, ou seja, tudo à distância, sem intervenção da figura humana, o que pode trazer desequilíbrio, já que o consumidor está em uma posição mais vulnerável e mais exposto ao ambiente virtual, que extrapola os limites territoriais.

Daí surge a necessidade de normatizar esta complexidade de fatores, sem prejudicar a livre iniciativa e sem que ocorra a intervenção desmedida do Estado nas relações privadas.

De acordo com Franco (2014, p. 440), “[...] a modalidade constitui um tipo complexo, posto que não se exaure no negócio jurídico realizado entre fornecedor e adquirente, mas envolve outras relações [...]”, o que exige o amadurecimento do mercado e do judiciário.

Miragem (2013, p. 481), expõe que “[...] o exame do fenômeno da Internet concentra-se, sobretudo, pela preocupação com a efetividade das normas jurídicas de direito positivo às relações da vida estabelecidas por intermédio da Internet”.

Atualmente, verifica-se que os sistemas normativos vigentes foram elaborados de forma genérica e com base no modelo tradicional do direito privado, porém, com a revolução digital esse modelo não se mostra capaz, de sozinho, garantir a proteção dos consumidores, principalmente porque o Estado não consegue controlar o comércio efetuado pela internet.

Portanto, as normas devem ser adequadas à realidade, a fim de garantir a defesa do consumidor e a segurança jurídica das negociações virtuais.

Discorrendo sobre a regulação jurídica do comércio eletrônico e a necessidade de maior proteção dos vulneráveis nos sistemas de troca por intermédio da Internet, ensina Cláudia Lima Marques que o mesmo possui uma unilateralidade visível e uma bilateralidade escondida, querendo indicar o desafio à correta compreensão do exercício da liberdade contratual nas transações estabelecidas pela Internet e o surgimento de uma nova vulnerabilidade eletrônica. (MIRAGEM, 2013, p. 483).

 

Segundo Marques (2011, p.21), “[...] transparência, informação e segurança são as palavras-chaves da relação de consumo do século XXI”, ainda de acordo com a referida autora “[...] o desafio atual é moldar o regime do contrato do Código de Defesa do Consumidor – CDC de forma que possa assegurar esses valores, apesar da hipercomplexidade e do pluralismo dos tempos pós-modernos [...]”.

Hoffman-Riem (2015, p. 29) diz que “[...] a facilitação da aprendizagem, bem como a facilitação da inovação, exige que as normas jurídicas deixem um espaço adequado para a solução inovadora dos problemas”.

Observa-se que o CDC e o decreto lei 7.962/13, principais normas que regem o tema, já não estão acompanhando as transformações que vem ocorrendo em razão deste fenômeno, ainda que o referido decreto tenha sido elaborado visando proteger as compras realizadas pela internet.

Dessa forma é, portanto, necessário que o Poder Legislativo crie normas capazes de lidar com estes problemas, que não comportam mais soluções antigas. E, da mesma forma, o Poder Judiciário passa ter que decidir sobre questões atuais, com base em legislação que não acompanha a realidade mercadológica, resultando em decisões fora de contexto socioeconômico. Nesse sentido, Abboud e Campos (2018):

No contexto de transformação da esfera pública pela Internet e redes sociais, o problema central dos primeiros contatos do Judiciário e do sistema político com a questão resulta, por um lado, da falta de diagnóstico mais complexo do tipo de transformação que o direito tem passado na era da Internet e, por outro, da falta de experiência internacional em lidar com essa transformação na esfera pública. (p. 24)

Tais providências se tornam imprescindíveis para que o consumidor no comércio eletrônico receba tratamento protetivo capaz de lhe trazer a imperiosa segurança jurídica nesta nova realidade das relações em âmbito privado, que estão cada vez mais complexas.

Sendo assim, se faz necessário uma efetiva tutela e uma intervenção direta das organizações nacionais e internacionais legitimadas para tal, já que o Estado Democrático de Direito brasileiro deve garantir a solução pacífica dos conflitos e o desenvolvimento nacional.

Diante disso, verifica-se que os atores envolvidos no sistema precisam adaptar a legislação e a sua aplicação para garantir meios de proteção dos direitos dos consumidores, sem, contudo, impedir o avanço tecnológico das relações de consumo.

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ABBOUD, Georges; CAMPOS, Ricardo. A autorregulação regulada como modelo do Direito proceduraalizado.In: ABBOUD, Georges;NERY JR., Nelson CAMPOS, Ricardo.Fake News e regulação.São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.p. 19-39.

FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. 5ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

HOFFMAN-RIEM, Wolfgang. Direito, tecnologia e inovação. In: MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; COELHO, Alexandre Zavaglia P.Direito, invocação e tecnologia. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 11-31.(Série Direito, inovação e tecnologia; v. 1)

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 4ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

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*Ludmilla Coelho é sócia da Jacó Coelho Advogados.

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