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A violência e a agressividade do homem e do Estado

Diferente do homem comum, o Estado tem tratamento legal diferenciado, mesmo que a ação do Estado seja desencadeada por um homem, que está empoderado pelo poder estatal no qual está investido, de modo que sua conduta deve ser apreciada com mais cuidado, nos exatos termos da lei que o diferencia.

23/5/2019

Muitas vezes as expressões violência e agressividade são empregadas equivocadamente como sinônimas, quando na verdade são expressões distintas e traduzem conceitos absolutamente diferentes. Violência é fruto da racionalidade e a agressividade é fruto do instinto.

Socorro-me do pensamento de Freud, para, sem a pretensão de esgotar o tema, trazer algumas provocações intelectuais.

Para Freud a violência tem causa na satisfação dos impulsos e desejos destrutivos do homem e, seus motivos, que podem ser nobres ou vis, são sempre racionalizados para justificar, à consciência, a existência dessa destrutividade.  

Nessa linha, Freud traz num contexto secundário, a justificativa de que a violência seria a consequência de um conflito de interesses entre os homens, que a utilizam como instrumento para solucionar esses conflitos.

O pai da psicanálise esclarece que as guerras, no seu pensar, seriam evitadas se os homens unidos, estabelecessem uma autoridade central (mundial), a quem seria conferido o poder/direito de arbitrar, solucionando todos os conflitos de interesses da humanidade e para tanto, essa autoridade central, dotada de poder, também seria a instância máxima.

Guardadas as devidas proporções Freud pondera sobre o Direito e as leis, sustentando que esta é a força de uma comunidade, pronta a se voltar contra qualquer indivíduo dessa comunidade que se oponha à lei, inclusive utilizando-se da violência. Aqui a diferença reside no fato de que esta violência é da comunidade contra o indivíduo, portanto, plenamente justificada. 

A justificativa para o emprego desta violência repousa na própria preservação da comunidade, visando a paz, instaurando-se o Direito.

A violência, todavia, baseada ou não no Direito, justificada ou não, será sempre fruto da racionalidade, não importando a sua dimensão.

Muito diferente da agressividade, que a priori não é fruto da racionalidade, mas revelação do instinto. Para se compreender isto, basta observar que os animais irracionais não são violentos, mas detém eles a instintiva agressividade.

Quando estamos diante do homem, animal racional, pode-se observar o binômio violência e agressividade usados de modo racional, pois para alguns pensadores, a violência é o emprego desejado da agressividade, objetivando, em tese, fins destrutivos, todavia, a agressividade (não a instintiva) pode ser utilizada e empregada gradualmente, para materializar a violência até justificável pelo Direito.

Aqui reside o ponto sutil, no qual o homem deve controlar seus instintos agressivos, utilizando-se da agressividade de modo a dar efetividade ao Direito.

Este desafio é permanente, pois o homem quando legitimado a usar da violência, por vezes, se descontrola e emprega agressividade desmedida, desproporcional, ultrapassando os limites do Direito e da justificação.

A lei, para exemplificar, utiliza-se da punição àquele que ultrapassa estes limites. Um exemplo é a punição pelo excesso de legítima defesa, quando o homem, legitimado a utilizar-se de violência, e até de agressividade controlada, ultrapassa os limites de sua defesa, a qual visa afastar o mal injusto que sofre. Essa defesa violenta, que é legítima, dá vazão a uma descontrolada agressividade, que sendo desmedida, ingressa no campo da conduta ilegítima, vale dizer, não autorizada pelo Direito.

O tema ganha mais complexidade quando trata-se do Estado, o qual é legitimado por lei para se utilizar de força (violência) com limites bem definidos de atuação, sem o emprego da agressividade, pois o Estado não pode ter instinto, sendo fruto da racionalidade pura.

É por causa disto que se diz que o Estado não vinga, mas concretiza o Direito, legitimado que está, até para fazer uso da violência, na busca de justiça.

Por fim, diferente do homem comum, o Estado tem tratamento legal diferenciado, mesmo que a ação do Estado seja desencadeada por um homem, que está empoderado pelo poder estatal no qual está investido, de modo que sua conduta deve ser apreciada com mais cuidado, nos exatos termos da lei que o diferencia.

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*Luiz Flávio Borges D’Urso é advogado criminalista do escritório D'Urso e Borges Advogados Associados, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, presidente da OAB/SP por três gestões, conselheiro Federal da OAB, presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM).

 

 

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