Aconteceu em abril deste ano, na Harvard Law School, o evento Brazil Legal Symposium. Os temas de discussão foram bem variados. Dentre eles, estavam os métodos alternativos de solução de controvérsias (em inglês, ADR - Alternative Dispute Resolution). Renomados professores americanos compartilharam a experiência dos Estados Unidos com as ADR. Nós, brasileiros, também pudemos expor o que tem acontecido por aqui, especialmente com relação à mediação.
A atual diretora do Centro de Negociação e Mediação de Harvard, Rachel Viscomi, e o professor David Hoffman falaram sobre o trabalho primoroso que vem sendo realizado pela Faculdade de Direito de Harvard. O professor Hoffman apresentou o Projeto Implicit, cujo objetivo é conscientizar os operadores do Direito de que a parcialidade e o preconceito estão tão enraizados em diversas culturas, que o prejulgamento se manifesta sem que o ofensor note. Apenas após a conscientização da existência do preconceito é que um indivíduo conseguirá abstrair a sua parcialidade e tornar-se um mediador neutro, figura essencial ao fortalecimento da mediação.
O professor Thomas Stipanowich, da Faculdade de Direito de Pepperdine, lembrou que foi apenas no final da década de 70 que surgiu nos Estados Unidos o movimento quiet revolution in dispute resolution, reflexo das discussões e disputas decorrentes da globalização. Com o aumento da relação negocial de pessoas de culturas e países distintos, novos problemas interdisciplinares e multiculturais surgiram, tornando obsoleto e ineficiente o sistema de one size fits all justice. Diante da necessidade de se criar um novo método de resolução de disputas, foi desenvolvido um sistema mais flexível, informal e, principalmente, que estimulasse uma resolução colaborativa entre as partes. Foi nesse cenário que surgiu a mediação no Poder Judiciário norte americano.
Ele destacou que um dos principais motivos para a consolidação desse sistema foi a postura das Cortes Estaduais e Federais que incentivaram os métodos alternativos, oferecendo mutirões de mediação e treinamento para que os advogados enxergassem que as ações judiciais não eram o único nem o melhor meio de resolução de conflitos. Com isso, as ADRs se popularizaram e, aos poucos, mostraram-se ferramentas indispensáveis e eficientes para desafogar o Poder Judiciário.
Na mesma linha, o mediador Victor Schachter, fundador da Foundation for Sustainable Rule of Law Iniciatives, foi
Sobre o necessário apoio do Poder Judiciário - destaque nas falas dos americanos - não há como se duvidar de que ele existe no Brasil. Já na abertura do evento, o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, foi veemente em sua mensagem de irrestrito apoio aos métodos alternativos, especialmente à conciliação e à mediação. Para o ministro, as ADRs são fundamentais para reduzir a cultura brasileira da litigiosidade, lembrando que há mais de 80 milhões de processos aguardando julgamento definitivo.
Henrique Ávila, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, também destacou a relevância da conciliação e da mediação no cenário atual, destacando que 13% das sentenças proferidas hoje pelos magistrados brasileiros são sentenças homologatórias de acordos e que esse número só tende a crescer. Henrique falou das iniciativas do CNJ desde a edição da resolução 125 em 2010.
Samantha Longo, coautora deste artigo, palestrou sobre ODR (Online Dispute Resolution), relatando o que vem sendo feito no Brasil no que tange aos métodos online de solução de controvérsias e quais são as perspectivas para os próximos anos. Desde a entrada em vigor em 2015 da Lei de Mediação (lei 13.140) e do atual CPC (lei 13.105), a mediação ganhou força no Brasil. Várias iniciativas do Poder Judiciário foram objeto de destaque. Dentre elas: (i) a recente plataforma digital criada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para resolver problemas relacionados a planos de saúde privada; (ii) as mediações online ocorridas no curso da maior recuperação judicial da América Latina (do Grupo de telefonia Oi) cujos números impressionam, pois já são mais de 40 mil acordos celebrados de forma totalmente digital entre o grupo em recuperação e seus credores; e (iii) a plataforma criada em decorrência da mediação entre os poupadores e as instituições financeiras que pôs fim a milhares de ações que cuidavam dos expurgos inflacionários dos planos econômicos.
A plataforma desenvolvida pelo Governo Federal (www.consumidor.gov.br), que conta com o apoio dos Tribunais de Justiça, assim como os números de acordos e empresas nela cadastradas, foram mencionados. Com índice de satisfação dos usuários de 80%, 400 mil ações deixaram de ser ajuizadas perante o Poder Judiciário, somente em 2018. A iniciativa privada também tem contribuído para o fortalecimento do instituto, como se vê das várias plataformas que atraem cada vez mais consumidores insatisfeitos e empresas interessadas em resolver os conflitos fora do Poder Judiciário.
Enfim, o crescimento e a consolidação da mediação, presencial ou online, no Brasil, são felizmente um caminho sem volta e, nas palavras do professor Thomas Stipanowich, esperamos que as chamadas alternative dispute resolution em breve sejam conhecidas como appropriate dispute resolution.
Momentos acadêmicos como esse, ocorrido em uma das mais prestigiadas faculdades de Direito do mundo, são fundamentais para a troca de experiências e para o amadurecimento e construção de novas ideias. Que o Brasil possa estar sempre representado em universidades americanas e europeias e que o diálogo, a negociação, a conciliação e a mediação estejam cada vez mais enfronhados na nossa cultura.
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*Samantha Mendes Longo é sócia de Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. Membro do grupo de recuperação judicial criado pelo CNJ e das Comissões de Recuperação Judicial e de Mediação da OAB; conselheira e presidente da Comissão de Relação com o Poder Judiciário da OAB/RJ. Professora da EMERJ e ESAJ.
*Arnoldo de Paula Wald é sócio de Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados.