Como cediço, o instituto em tela não mereceu, no direito pátrio, contemplação legislativa. Sua gênese adveio de laboriosa construção doutrinária e jurisprudencial, principiando com o parecer da lavra do eminente e saudoso Pontes de Miranda, em julho de 1996, por solicitação da Companhia Siderúrgica Mannesmann.
De lá para cá, em meio às normais vicissitudes que os temas jurídicos controversos ao mais das vezes geram, perfilaram-se, basicamente, três correntes de pensamento derredor do tema em apreço: uma inadmitindo o manejo deste instituto, capitaneada pelo insigne Alcides de Mendonça Lima (Processo de Conhecimento e Processo de Execução, pág 109) e Liebman, para os quais a única sede de defesa do executado seria nos embargos do devedor; outra admitindo, amplamente, a invocação, na exceção, de toda matéria útil à defesa, independente da garantia do Juízo; a última, prevalecente em nosso Direito, em doutrina e jurisprudência, propugna pela adoção do instituto para discussão, independente da penhora, de matérias de ordem pública, tais como pressupostos processuais e condições da ação , prescrição, decadência e outras conhecíveis de ofício, desde que existente prova pré – constituída, vale dizer, que o deslinde da questão suscitada prescinda de dilação probatória. Essa posição principiou sendo sufragada pelo Pretório Excelso na decisão publicada na JSTF, Lex, 90.69.96. Não discrepa dessa orientação o STJ, no RESp 160107, rel min, Carlos Alberto Madeira Direito, Terceira Turma, 16.3.99, DJU, 3 de maio de 1999, dentre outro julgados.
Em tema de execução fiscal, a matéria comporta alguns ajustes, achegas e contemperamentos, ante os privilégios, preferências e garantias de que desfruta o crédito fiscal, dentre eles a presunção de certeza e liquidez da dívida regularmente inscrita, a teor do art 204 do CTN, como assim os arts 183 e seguintes do mesmo Diploma Legal, sem olvidar os similares e correlatos dispositivos insertos na lei 6830/80, Lei de Execução Fiscal. Acresce a isso a importância dos tributos para custear os serviços públicos essenciais à sociedade.
De efeito, essas garantias e privilégios do crédito tributário, aliados à sua importância social, reclamam dos operadores do Direito acurada prudência na utilização do instituto processual sob comento, notadamente no que toca ao seu elastério, sob pena de maltrato a interesses públicos sobranceiros. É que --- sem embargo da gama variada de direitos e garantias individuais erigidas na Carta Magna em favor do contribuinte/cidadão, nos aspectos formal e material, exempli gratia, devido processo legal, princípios da igualdade, legalidade, anterioridade , irretroatividade, capacidade contributiva, caráter não confiscatório dos tributos etc, que têm , e devem ter, sem rebuço de dúvidas, cabida e pertinência num Estado que se intitula Democrático de Direito ---- o dever – poder irrogado ao Estado de cobrar tributos, constitui função pública essencial, imprescindível, proeminente e indelegável deste, sob pena de malogro das prestações e serviços públicos vitais para a coletividade, levadas a cabo, inclusive e principalmente, com as receitas tributárias derivadas, arrecadadas dos contribuintes.
Não é por outro motivo que corrente extremada na jurisprudência, como já mencionado, chega até mesmo a vedar, o que para nós não é razoável, o manejo da exceção de pré – executividade em execução fiscal, a exemplo do Resp 143571RS, rel min Humberto Gomes de Barros, j, 22.1098, DJU, 1 março 199,p 227, verbis:
“ I. O sistema consagrado no art 16 da lei 6830/80 não admite as denominadas exceções de pré – executividade. 2 . O processo executivo fiscal foi concebido como instrumento compacto, rápido, seguro e eficaz, para realização da dívida ativa pública. Admitir que o executado, sem a garantia da penhora, ataque a certidão que o instrumenta é tornar insegura a execução. Por outro lado, criar instrumentos paralelos de defesa é complicar o procedimento, comprometendo-lhe a rapidez.3. Nada impede que o executado – antes da penhora – advirta o juiz, para circunstâncias prejudiciais, (pressupostos processuais ou condições da ação suscetíveis de conhecimento ex officio. Transformar, contudo, esta possibilidade em defesa plena, com produção de provas, seria fazer tabula rasa do preceito contido no art 16 da LEF. Seria admitir um convite à chicana, transformando a execução fiscal em ronceiro procedimento ordinário”
O professor Alberto Caminã Moreira, divisando certa contradição no acórdão retro – transcrito, acaba por concluir que:
“Tem razão o acórdão quando repele a produção de provas; nesse diapasão, a doutrina não a tem admitido por meio de exceção de pré – executividade, sem que isso, contudo, possa representar a eliminação desse meio defensivo” (Defesa Sem Embargos do Executado – Exceção de Pré – executividade, pag 33)
Na esteira desse hermético e rigoroso entendimento perfilhado pelo STJ, também já se posicionou o TRF da Quarta Região, na AP 97041961RS, rel Juiz Gilson DIpp, j, 19.1297, DJU, 19 nov 1997.
Nem tanto ao sol nem tanto à lua. A parcimônia é medida de rigor que se impõe em tema de execução fiscal, sendo possível o seu manuseio nas hipóteses em que se discute matérias de ordem pública, pressupostos processuais , prescrição, decadência e outras conhecíveis de ofício, para cujo desate não haja necessidade de dilação probatória. É corrente no foro constatarmos a utilização do instituto em apreço irrestritamente, sem peias ou limites, o que retarda, protela e subverte o fim último do executivo fiscal, que é a satisfação do interesse público, preservando os direitos fundamentais do contribuinte.
Vale trazer a lume, no particular, as percucientes lições do Professor Danilo KnijniK, em A Exceção de Pré Executividade, primeira edição, em que traz à colação ensinamento de Araken de Assis, verbis:
“Para o douto processualista riograndense, as matérias argüíveis são, basicamente, os pressupostos processuais, desde que, também afirma, exista quanto a esses, prova pré – constituída. “O fato constitutivo reclama prova pré – ordenada, “a admissão desse meio de oposição não quebra ou fere a ideologia expressa na lei. Tem na verdade, aplicação muito restrita e ligada a casos teratológicos”
Desse modo, é imperioso notar que devem, por imperativo ético e jurídico, ser repelidas e não conhecidas, de plano, por exemplo, exceções em que se pretenda discutir imunidades tributárias e isenções, sujeitas à demonstração do atendimento de requisitos e condições legais (art 14 do CTN); não ocorrência do fato gerador do tributo ; ilegitimidade passiva do executado, que não seja provada insofismavelmente e de pronto mediante documentos irretorquíveis; benefício da tributação das sociedades uniprofissionais, mediante a incidência de alíquotas fixas e anuais, para o que se reclama o atendimento, com esteio na lei nacional e na local, de uma série de pressupostos e requisitos, (uniprofissionalismo, responsabilidade pessoal e ilimitada dos sócios, responsabilidade na execução direta dos serviços, ausência de caráter empresarial etc, só aferíveis mediante prova documental de difícil exame e até mesmo perícia contábil; prescrição e decadência, que muita vezes demandam o esquadrinhamento de documentos colhidos no processo administrativo fiscal, inclusive para aferir a efetiva constituição do crédito tributário, mediante o lançamento, para efeito de contagem do prazo prescricional (é sabido que tais atestações constam do processo administrativo fiscal, que, sempre, ex vi legis, não instruem a inicial da execução fiscal, pois, frise-se , a Fazenda está dispensada de faze-lo, etc.
Nesse diapasão, constata-se facilmente que as exceções de pré – executividade muitas vezes são usadas para discutir matérias de mérito, que, a toda evidência, normalmente não são conhecíveis de ofício, o que constitui uma rematada violência à natureza jurídica do instituto processual em pauta.
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*Gustavo Adolfo Hasselmann é procurador do município do Salvador e advogado militante.