1 O STJ no contexto da melhoria da atuação do Estado brasileiro
O Brasil vive um momento de expectativa por mudanças nos rumos da atuação estatal, especialmente após o transcurso das eleições de outubro de 2018. Nos noticiários, ecoa a ideia de que é preciso enfrentar os desafios atuais a partir de diversas diretrizes: aumento de eficiência do Estado; desburocratização e flexibilização de procedimentos em geral; redução de custos públicos e da máquina estatal; maior qualidade e celeridade de processos decisórios e de gestão.
Sem dúvida, são diretrizes que respondem a anseios legítimos da sociedade e devem ser constantemente relembrados e colocados em prática. Embora a ênfase atual esteja muito focada na atuação do Poder Executivo, isso não prejudica pensar o tema em face da atuação dos demais poderes da República.
Quanto ao Poder Judiciário, essas premissas assumem grande importância. É interessante lembrar, por exemplo, que há 30 anos a Constituição Federal de 1988 criava o Superior Tribunal de Justiça, extinguindo o Tribunal Federal de Recursos e buscando estabelecer a descentralização da Justiça Federal, com a criação de tribunais regionais federais. Tratava-se da concretização de uma espécie de “reforma do Judiciário”, que já era objeto de reflexão desde meados da década de 1960 (ANDRIGHI, 2018, p. 1.549).
Ao STJ se atribuía competência originária, ordinária e recursal, a partir da soma de atribuições do antigo TFR e do próprio Supremo Tribunal Federal, bem como a partir do realce da nova função de uniformizar a interpretação da legislação federal em todo o país. Sua instituição também serviria como válvula de escape a um modelo de jurisdição que assoberbava drasticamente o funcionamento do STF (especialmente com questões de direito infraconstitucional) (ANDRIGHI, op. cit., p. 1.549). Junto ao STJ funcionaria, ainda, o Conselho da Justiça Federal, para auxiliá-lo na função de coordenação e estruturação da Justiça Federal.
O novo desenho institucional de 1988, também formulado em momento de enorme expectativa por mudanças nos rumos do país e no modo de funcionamento do Estado, buscava igualmente responder aos desafios de modernização, eficiência e melhor organização da estrutura jurisdicional brasileira.
Ao STJ caberia importante papel para dar vida a esse novo modelo, na qualidade de órgão de cúpula da Justiça Comum e de Corte da Federação. Mas parece ter ido além, na medida em que foi sendo reconhecido, pouco a pouco, como Tribunal da Cidadania, dada a relevância que suas decisões passaram a ter na vida do cidadão.
O STJ também contribuiu significativamente para a concretização de balizas fundamentais trazidas pela CF de 1988, tais como a garantia do devido processo legal e a garantia de nenhuma lei excluir da apreciação judicial qualquer lesão ou ameaça ao direito.
Em 1988, o foco parecia se voltar à garantia de amplo acesso ao sistema judicial. Em boa medida, esse objetivo (quantitativo) foi sendo alcançado (inclusive pela atuação do STJ), com maior legitimação do Poder Judiciário.
Entretanto, passados alguns anos, muitos diagnósticos também apontaram a necessidade de mudanças e aperfeiçoamentos, em razão de problemas de gestão, de excesso de processos, de lentidão da marcha processual e de descrença na eficiência do aparato judicial. Esses problemas atingiam os órgãos judiciais como um todo, sendo destaque o acúmulo de processos nos tribunais de segundo grau, nos tribunais superiores e no próprio STF.
Se a emenda constitucional (EC) 19/98 foi uma fundamental referência para o Poder Executivo nesse contexto, a EC 45/04 foi uma importante resposta institucional para se combater esses problemas junto ao Poder Judiciário. De um lado, ela buscou redimensionar o aspecto da gestão da administração judiciária (art. 103-B e art. 105, parágrafo único, inciso II, CF/88), com destaque à criação do Conselho Nacional de Justiça. De outro lado, ela introduziu no sistema jurídico novas ferramentas jurídico-processuais, com o intuito de promover maior eficiência, racionalidade e aperfeiçoamento da tramitação de processos judiciais (e.g. sistema de repercussão geral dos recursos extraordinários, instituição de súmulas vinculantes, aperfeiçoamento do sistema de controle concentrado de constitucionalidade). Ela também impulsionou diversas mudanças posteriores no plano processual infraconstitucional (e.g. lei 11.418/06; lei 11.419/06; lei 11.672/08).
2 A razoável duração do processo
Um ponto, em especial, ganhou relevo com a EC 45/04. Ela foi a primeira emenda a modificar, desde 1988, o art. 5º da CF, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, introduzindo, além dos §§ 3º e 4º, o inciso LXXVIII, que estabeleceu, no nível constitucional, a garantia da razoável duração do processo, nos seguintes termos:
“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
A relevância topográfica dessa nova garantia na Constituição (fincada no art. 5º, CF/88), a abrangência de sua aplicação (qualquer processo no âmbito administrativo e judicial), a titularidade englobante de sua invocação (a todos) e a sua destinação ao Estado são características normativas marcantes que excluem a compreensão de um dispositivo meramente programático. Tanto que se tem compreendido existir aí verdadeiro direito fundamental procedimental (NERY JÚNIOR, 2016, p. 365-367; ARRUDA, 2018, p. 542-543).
Segundo a doutrina, a gênese da cláusula da razoável duração do processo teria influência do debate processual penal, no sentido de se evitar a perpetuação de medidas restritivas da liberdade tão somente em razão da morosidade da marcha processual, a exemplo da referência à 6ª Emenda à Constituição norte-americana, que trataria do denominado right to a speedy and public trial (direito a um julgamento público e célere) (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1995, p. 19).
Também haveria influência da jurisprudência de Cortes regionais de Direitos Humanos em relação à interpretação das normas contidas nas respectivas Convenções de Direitos Humanos (ARRUDA, op. cit., p. 542-545; SOUZA, 2018, p. 100-101). Nesse sentido, é comum a referência ao art. 7º, itens 5 e 6 (direito à liberdade individual), e ao art. 8º, item 1 (garantias judiciais), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como ao art. 6º, item 1 (direito a um processo equitativo), da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
No Direito estrangeiro, alguns países também teriam normas relacionadas com a razoável duração do processo, a exemplo das Constituições da Itália (art. 111), de Portugal (art. 20, itens 4 e 5) e da Espanha (art. 24, item 2) (NERY JÚNIOR, op. cit., p. 358-360).
Além disso, a doutrina e a jurisprudência relativas a direitos humanos têm indicado alguns critérios objetivos para a análise da razoável duração do processo: (i) a complexidade do caso, (ii) a conduta dos litigantes e (iii) a conduta das autoridades envolvidas.1
De todo modo, tal como definida em nossa Constituição, não há dúvida de que essa garantia é ampla, não se limita a processos judiciais penais, reforça o devido processo legal material e ampara a todos aqueles que têm que se socorrer ao Judiciário para a defesa de direitos e o cumprimento de deveres.
No Direito estrangeiro, alguns países também teriam normas relacionadas com a razoável duração do processo.
O Código de Processo Civil de 2015 veio reforçar essa compreensão. No capítulo referente às normas fundamentais do processo civil, por exemplo, indica-se a busca de solução consensual dos conflitos (art. 3º), estimulada por medidas institucionais e processuais que fomentem essa forma de encerramento antecipado das ações judiciais (arts. 165 a 175, CPC). Há, ainda, a nova e explícita exigência de observância da razoável duração do processo civil no art. 4º (“As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”) e no art. 6º (“Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”) do novo CPC.2
O STF vem gradativamente firmando balizas para a compreensão do sentido e do grau de vinculação dessa importante norma constitucional. Isso tem sido mais explícito em processos penais (habeas corpus, ações penais, inquéritos) que discutem a exigência de retomada de andamento de processos pendentes, o excesso de prazo para julgamento de réus presos em outras instâncias judiciais e (até mesmo) situações ligadas ao momento de investigação no processo penal que podem conduzir ao arquivamento antecipado de inquérito por manifesto constrangimento ilegal.3 No contexto do processo penal, o tema exige apreciação prudente pelo STF, pois envolve uma realidade concreta de excesso de trabalho, de ações e de recursos em outros órgãos judiciais colegiados e singulares. Por isso, recomenda-se cuidadosa análise, que considere a situação específica e a complexidade de cada caso.
Há também precedentes no STF que discutem a razoável duração do processo em ações e recursos não penais, nos quais a análise do tema é mais facilitada e passível de maior generalização (e.g. protelação do processo por recursos infundados, demora excessiva em procedimentos instrutórios).4
3 A contribuição da jurisprudência do STJ para concretizar a razoável duração do processo
A despeito da atuação do STF e do fato de se tratar de uma exigência estabelecida em nível constitucional, é preciso destacar que cabe ao STJ um papel fundamental para a concretização da cláusula da razoável duração do processo. É que a abertura normativa e semântica da disposição constitucional exige, necessariamente, sua consideração à luz da legislação infraconstitucional nos mais variados contextos.
Nesse sentido, o STJ tem se destacado como palco de discussões concretas de aplicação da cláusula da razoável duração do processo. É que sua atividade judicante exige, por vezes, um juízo hermenêutico ampliado, sem que isso signifique usurpação da competência do STF, pois caberá ao STJ a solução do caso concreto a partir da aplicação da legislação infraconstitucional – interpretada em harmonia com a referida cláusula constitucional.
Além disso, o STJ tende a captar, com maior velocidade e sensibilidade, as alterações legislativas que buscam imprimir celeridade no trâmite e julgamento de processos cíveis (e.g. lei 11.232/05, lei 11.672/08 e lei 13.105/15) e criminais (e.g. lei 11.689/08 e lei 11.719/08) e que, por vezes, afetam a dinâmica compreensão da razoável duração do processo.
Um breve olhar sobre a jurisprudência do STJ corrobora essa perspectiva, visto que há enorme recorrência à exigência da garantia da razoável duração do processo nos mais diversos casos julgados pela Corte.
O primeiro e maior grupo de precedentes está ligado ao âmbito do processo penal. Nesse campo, as decisões do STJ verticalizam a discussão e expõem grande riqueza de detalhes, ainda que o debate, grosso modo, gire em torno da ideia de se combater o excesso de prazo para conclusão e julgamento de processos que envolvam réus presos.5
Há discussão vinculada à observância da razoável duração do processo em diversos contextos: (i) duração do prazo da instrução criminal; (ii) demora no julgamento definitivo de réu preso, ainda que encerrada a instrução, mas estando o processo parado por longo tempo; (iii) caráter contraproducente de análise de dezenas ou centenas de produtos praticamente idênticos para fins específicos de comprovação de materialidade do delito de violação de direito autoral (art. 184, § 2º, do Código Penal c.c. art. 530-D do Código de Processo Penal); (iv) indeferimento de produção de provas e diligências protelatórias, irrelevantes ou impertinentes; (v) possibilidade de desmembramento de ação penal, em face de alguns réus possuírem prerrogativa de foro e outros não a possuírem.6
Também há interessantes precedentes que aplicam a garantia da razoável duração do processo penal em conexão com as normas da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),7 a fim de se exigir um julgamento justo, imparcial e em prazo razoável.
Nesse sentido, alguns casos invocam a garantia constitucional em conjunto com o art. 7º, itens 5 e 6, da referida convenção. Em outros casos, a razoável duração do processo integra a fundamentação jurídica que autoriza o deslocamento de competência originária (da justiça estadual para a justiça federal) de investigação, processamento e julgamento de crimes praticados no Brasil com suspeita de grave violação aos direitos humanos, com o fim de garantir a razoável duração do processo em favor dos acusados, das vítimas e da sociedade em geral.8
No campo do Direito Processual Civil, Tributário, Administrativo, Ambiental e Previdenciário, o STJ também tem desenvolvido importantes diretrizes referentes à observância da razoável duração do processo, a qual costuma ser qualificada nas decisões como garantia, princípio e/ou direito fundamental.
Há discussão vinculada à observância da razoável duração do processo em diversos contextos.
Nesse sentido, a razoável duração do processo tem sido invocada em diversos contextos como fundamento: (i) da norma processual civil (art. 557, CPC/73; art. 932, CPC/15) que autoriza o julgamento monocrático pelo relator em casos em que já houver jurisprudência dominante da Corte;9 (ii) da delegação de competência monocrática ao presidente do STJ para triagem e julgamento de processos manifestamente improcedentes;10 (iii) para justificar determinação judicial de fixação de prazo para o Poder Executivo finalizar procedimentos administrativos de demarcação de terra indígena, de licenciamento ambiental e de cobrança de tributos, quando constatada excessiva demora e ausência de perspectiva de finalização;11 (iv) para exigir que a Administração aprecie e finalize requerimentos administrativos de concessão de anistia;12 (v) para se ingressar com ação judicial buscando a concessão de benefício previdenciário, sem prévio requerimento administrativo, quando houver extrapolação da razoável duração do processo administrativo;13 (vi) para superar algumas deficiências processuais que não causem prejuízo efetivo à solução da causa;14 (vii) para a desnecessidade de prévio exaurimento das vias administrativas tendentes à localização de bens do devedor para fins de utilização do sistema nacional Renajud (penhora de veículos);15 (viii) para limitar a exposição do devedor aos efeitos da litispendência;16 (ix) para reconhecer a figura do cumprimento da sentença como reflexo do sincretismo processual promovido pelo legislador (lei 11.232/05);17 (x) para o uso da internet para pagamento de custas e de porte de remessa e de retorno de processos de competência do STJ;18 (xi) para combater o uso de medidas e recursos infundados ou meramente protelatórios, a exemplo do pedido de produção de provas inúteis e do ajuizamento de medidas judiciais que tentam burlar decisões tomadas no âmbito do sistema de recursos repetitivos ou do sistema de repercussão geral, bem como para determinar a certificação imediata do trânsito em julgado do processo em face da última decisão proferida, quando houver reiteração de recursos infundados;19 (xii) para dar reforço argumentativo a previsões legais e regimentais de prioridade de tramitação do feito (e.g. Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e do Adolescente).20
Vale destacar, ainda, um caso emblemático julgado pelo STJ no âmbito do sistema de recursos repetitivos, referente aos Temas 269 e 270, em que se discutiu a possibilidade de fixação judicial de prazo razoável para a conclusão de procedimento administrativo fiscal federal, em face de alegada inexistência de norma impositiva de prazo para a Administração Pública analisar pedido de restituição tributária. O STJ, ao se fundamentar na razoável duração do processo, como verdadeiro direito fundamental, buscou interpretar o art. 24 da lei 11.457/07 como norma de natureza processual (que detém aplicabilidade imediata), a fim de solucionar o caso no sentido da fixação de prazo máximo de 360 dias para decisão sobre qualquer manifestação administrativa do contribuinte – protocolada antes ou após a referida lei.21
De fato, o sistema de recursos repetitivos aplicado pelo STJ também evidencia a importância da atuação da Corte para a concretização da razoável duração do processo.
Por um lado, ao tratar a razoável duração do processo como fundamento determinante de temas julgados definitivamente em recursos especiais repetitivos, o STJ fomenta uma compreensão uniforme desse fundamento, que deverá ser seguida por todas as instâncias ordinárias.
Por outro lado, a decisão de afetação de um recurso especial ao sistema de recursos repetitivos (e a decisão de afetação para revisão de teses repetitivas já fixadas) acarreta, regra geral, a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais e coletivos, que versem sobre a questão e que tramitem no território nacional (art. 1.037, inciso III, CPC/15). Desse modo, a demora no julgamento dos recursos qualificados como repetitivos pode influenciar (negativamente) a concretização da garantia da razoável duração do processo – o que o legislador buscou contrapor com a fixação de regra contida no art. 1.037, § 4º, CPC/15, a qual estabelece que esses casos tenham preferência e sejam julgados pela Corte no prazo de um ano.22
Um caso pendente de julgamento no STJ ilustra bem a preocupação acima referida, tendo em vista a relevância do tema nele discutido e o seu potencial impacto para milhões de outros processos que estão provisoriamente suspensos.
Trata-se do processo de revisão de teses repetitivas ligadas ao tema da taxa de juros compensatórios em ações de desapropriação.23 Em 2001, o STF havia concedido uma medida liminar na ADIn 2.332 fixando um certo posicionamento. Para se alinhar ao STF, o STJ decidiu fixar, no regime de recursos repetitivos, diversas teses repetitivas (126, 184, 280, 282, 283) e a súmula 408 do STJ. Passados quase 17 anos desde 2001, o STF modificou seu posicionamento anterior, em maio de 2018, ao julgar o mérito da ADIn 2.332. Isso provocou a necessidade de se afetar um novo caso (QO no REsp 1.328.993) no âmbito do STJ, o que ocorreu em agosto de 2018, para viabilizar a revisão das teses repetitivas e da súmula acima referidas, tendo havido a determinação de suspensão de todos os processos que tratem do tema em todo o território nacional. Assim, a demora no julgamento definitivo, pelo STJ, do processo afetado para revisão das teses repetitivas acima referidas pode trazer repercussão negativa ao cumprimento da garantia da razoável duração do processo.24
O panorama jurisprudencial do STJ e suas diversas nuances demonstram a riqueza do debate da Corte sobre o tema da duração razoável do processo. Além disso, da análise do conjunto de precedentes aqui destacados, é possível observar que o STJ parece captar, em alguma medida, importantes distinções conceituais apontadas pela doutrina nessa temática, para que não se confunda a razoável duração do processo com duração mínima ou com mera aceleração processual, bem como se compreenda a importante distinção entre tempo processual e duração do processo. Dito de outro modo: evitar-se um enfoque processual puramente cronológico e quantitativo, que ofusca o sentido do devido processo legal e o aspecto qualitativo e global de um processo capaz de cumprir suas finalidades constitucionais (MARDEN, 2015, p. 199-204).
4 Considerações finais
Blaise Pascal nos relembra que “não há homem que seja mais diferente de outro que de si próprio nos mais variados tempos” (PASCAL, 2005, p. 16). Ainda que as mudanças sejam inevitáveis e cobradas a todo tempo, a constante parece residir na figura do homem e na sua capacidade de aperfeiçoar, de renovar esperanças e de redirecionar os rumos do seu destino.
Pensar a atuação do STJ (tal qual o homem de Pascal) nos mais variados tempos, em um contexto de aperfeiçoamento contínuo do Poder Judiciário e em conexão com a observância da razoável duração do processo, pode contribuir para uma melhor compreensão jurídica sobre a relação entre tempo e processo e sobre a capacidade de o processo, em tempo razoável, cumprir as suas finalidades no âmbito do Estado constitucional de Direito.
O impulso legislativo e institucional dado pela CF de 1988 e, posteriormente, pela EC 45/04 e diversas leis federais subsequentes (em sintonia com mudanças percebidas e exigidas nos mais variados tempos) remeteram ao Poder Judiciário o desafio de concretizar a garantia da razoável duração do processo na vida do cidadão. Esse desafio tem se revelado presente nos julgamentos e discussões colhidos dos precedentes do STJ, que evidenciam a importância da atividade judicante da Corte nesse mister.
A jurisprudência do STJ vem reconhecendo, caso a caso, o caráter dinâmico da razoável duração do processo, sem perder de vista a existência de critérios objetivos para sua aferição – em sintonia com a doutrina e com o controle de convencionalidade exercido pelas Cortes de Direitos Humanos (especialmente a Corte Interamericana de Direitos Humanos).
Nesse sentido, o habeas corpus, pela sua própria vocação constitucional, tem corporificado a ideia de uma garantia judicial efetiva e tem sido o maior protagonista de veiculação e discussão da exigência da garantia da razoável duração do processo no STJ (especialmente quando houver réu preso) e no âmbito do processo penal. Contudo, isso não tem impedido um frutífero e diversificado debate dessa garantia constitucional no âmbito do processo civil, tributário, administrativo, ambiental e previdenciário.
Ademais, a experiência decisória do STJ a partir do sistema de recursos repetitivos também tem revelado um papel relevante da Corte, capaz de potencializar (positiva ou negativamente) a concretização da garantia da razoável duração do processo.
Em síntese, a atuação do STJ tem contribuído para um maior debate sobre a razoabilidade temporal dos processos decisórios no âmbito judicial, além de estar contribuindo, pouco a pouco, para uma discussão mais qualificada – e para uma concretização mais efetiva – do direito à razoável duração do processo.
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1 ARRUDA, op. cit., p. 544-545; NERY JÚNIOR, op. cit., p. 361362 (o autor aponta um quarto critério: a fixação legal de prazos para a prática de atos processuais que assegure efetivamente o direito ao contraditório e à ampla defesa); SOUZA, op. cit., p. 100. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) se vale de tais critérios, ressaltando que teriam sido originariamente desenvolvidos pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Isso se verifica na CIDH, por exemplo, no julgamento do Caso López Álvarez vs. Honduras, Sentença de 1º de fevereiro de 2006 (Mérito, Reparações e Custas), Série C 141, par. 126-132. Ver, ainda, o contido no voto separado do juiz Sérgio García Ramíres (par. 27-44), o qual vislumbraria até mesmo um possível quarto critério, consistente na avaliação do atual grau de impacto negativo (violação) que o processo causaria para a situação jurídica do indivíduo (“a partir de la afectación actual que el procedimiento implica para los derechos y deberes – es decir, la situación jurídica – del individuo”), quer dizer, a violação teria de ser atual e não bastaria ser meramente possível ou provável, eventual ou remota.
2 Vide: MEDINA, 2016, p. 47-48 e 53-56.
3 HC 91.041, Rel. Cármen Lúcia, 1ª T., DJ de 17/8/2007; HC 106.518, Rel. Ayres Britto, 2ª T., DJe de 13/10/2011; AP 470 QO-quarta, Rel. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe de 2/10/2009; Inq 4.458, Rel. Gilmar Mendes, 2ª T., DJe de 1º/10/2018.
4 RE 569.476 AgR, Rel. Ellen Gracie, Pleno, DJe de 25/4/2008; AI 554.858 AgR-AgR-ED-ED, Rel. Ayres Britto, 1ª T., DJe de 11/12/2009; AR 1.244 EI, Rel. Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 30/3/2017.
5 Interessante notar que a interpretação da cláusula da razoável duração do processo, em alguns precedentes do STJ, tem o condão de flexibilizar as orientações contidas na Súmula 21 (que afasta a constatação de excesso de prazo quando pronunciado o réu) e na Súmula 52 do STJ (que afasta a constatação de excesso de prazo quando encerrada a instrução), em atenção às peculiaridades do caso concreto. Vide: HC 198.124, Rel. Laurita Vaz, 5ª T., DJe de 1º/7/2013; HC 123.305, Rel. Og Fernandes, 5ª T., DJe de 7/6/2010; HC 179.955, Rel. p/ o acórdão Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe de 17/12/2010; HC 201.831, Rel. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., DJe de 20/6/2012.
6 Vide: HC 182.638, Rel. Assusete Magalhães, 6ª T., DJe de 1º/10/2013; HC 271.652, Rel. Reynaldo Fonseca, 5ª T., DJe de 3/8/2015; RHC 61.451, Rel. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe de 15/3/2017; HC 56.972, Rel. Felix Fischer, 5ª T., DJe de 26/2/2007; RHC 20.566, Rel. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe de 25/6/2007; HC 194.288, Rel. Og Fernandes, 6ª T., DJe de 4/4/2011; REsp 1.456.239 e REsp 1.485.832 (Repetitivos/ Tema 926), Rel. Rogerio Schietti Cruz, 3ª Seção, DJe de 21/8/2015; AgRg na APn 702, Rel. Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de 10/4/2018; HC 142.836, Rel. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., DJe de 21/6/2016.
7 Vide: decreto Legislativo 27/1992 e decreto 678/92.
8 Vide: HC 39.427, Rel. Paulo Medina, 6ª T., DJe de 1º/8/2005; HC 398.645, Rel. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., DJe de 15/12/2017; IDC 5, Rel. Rogerio Schietti Cruz, 3ª Seção, DJe de 1º/9/2014.
9 AgRg no REsp 1.423.160, Rel. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 15/4/2014. Ver também a Súmula 568 do STJ.
10 AgRg no Ag 1.356.517, Rel. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe de 14/2/2011.
11 REsp 1.114.012, Rel. Denise Arruda, 1ª T., DJe de 1º/12/2009; AgInt no AgRg no REsp 1.392.873, Rel. Assusete Magalhães, 2ª T., DJe de 1º/2/2017; REsp 1.145.692, Rel. Eliana Calmon, 2ª T., DJe de 16/3/2010.
12 MS 10.792, Rel. Hamilton Carvalhido, 3ª Seção, DJ de 21/8/2006.
13 AgRg no AREsp 152.247, Rel. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 8/2/2013; REsp 1.488.940, Rel. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 26/11/2014.
14 AgRg no REsp 1.062.962, Rel. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 12/12/2008; REsp 1.037.563, Rel. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T., DJe de 3/2/2015; AgRg nos EDcl no Ag 1.108.525, Rel. Aldir Passarinho Junior, 4ª T., DJe de 25/4/2011; EDcl nos EDcl no RMS 31.208, Rel. Castro Meira, 2ª T., DJe de 28/10/2010.
15 REsp 1.347.222, Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., DJe de 2/9/2015.
16 REsp 1.589.753, Rel. Marco Aurelio Bellizze, 3ª T., DJe de 31/5/2016.
17 REsp 1.084.866, Rel. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe de 16/9/2009.
18 AgRg no REsp 1.232.385, Rel. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., DJe de 6/6/2013.
19 AgRg no AgRg no MS 16.034, Rel. Massami Uyeda, Corte Especial, DJe de 28/11/2012; EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no AgRg no AREsp 231.704, Rel. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe de 28/8/2015; EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 80.546, Rel. Marco Buzzi, 4ª T., DJe de 6/11/2015.
20 REsp 1.052.244, Rel. Nancy Andrighi, 3ª T., DJe de 5/9/2008; HC 366.050, Rel. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe de 8/11/2016; HC 94.618, Rel. Laurita Vaz, 5ª T., DJe de 17/3/2008.
21 REsp 1.138.206, Rel. Luiz Fux, 1ª Seção, DJe de 1º/9/2010.
22 Importante destacar a revogação do § 5º do art. 1.037, CPC/2015, pela lei 13.256/2016.
23 Questão de Ordem no Recurso Especial 1.328.993, Rel. Og Fernandes, 1ª Seção, DJe de 4/9/2018.
24 E no caso em questão, há um fator agravante: a decisão de mérito do STF na ADI 2.332 ainda pode vir a sofrer alterações, especialmente para fins de modulação de seus efeitos decisórios no tempo.
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O artigo foi publicado na Revista do Advogado, da AASP, ano XXXIX, nº 141, de abril de 2019.
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*Marco Túlio Reis Magalhães é doutor e mestre em Direito e procurador federal.