Todo mundo já ouviu falar que após a reforma trabalhista o “negociado vale mais do que o legislado”. A negociação de uma empresa com um determinado sindicato é conhecida como “negociação coletiva” e dela pode resultar um Acordo Coletivo(quando celebrado entre empresa(s) e sindicato) ou uma Convenção Coletiva (quando celebrado entre Sindicato dos empregados (categoria profissional) e sindicato das empresas (categoria econômica1). Muitos acabam chamando esses acordos coletivos de “dissídio”, o que tecnicamente não é o mais correto.
Mesmo após a reforma trabalhista – que sem dúvida diminuiu sobremaneira a arrecadação sindical por conta da facultatividade do recolhimento da contribuição sindical – a negociação coletiva continua sendo um dos mais importantes métodos de solução e prevenção de conflitos entre patrão e empregado.
Por meio da negociação coletiva a empresa e os empregados conseguem definir regras mais modernas e otimizar a realidade e característica de cada atividade. A própria CLT reformada (art. 611 – A) definiu e deu mais poder àquilo que pode ser negociado e o que não pode ser negociado por ter que respeitar a hierarquia da Constituição Federal.
O modelo sindical brasileiro é semi-corporativista, já que a nossa Constituição Federal determina que em um determinado território só pode haver um único sindicato, que o Estado não pode intervir na criação e gestão (liberdade) dos sindicatos e apenas um sindicato pode representar os interesses de determinada categoria. Isso quer dizer que não cabe à empresa a escolha de qual o sindicato que os seus empregados estarão enquadrados. O enquadramento sindical tem regras próprias, não muito claras, que devem ser observadas por todas as empresas que estão nascendo.
O enquadramento sindical definirá qual será o sindicato representativo dos empregados e a correta definição dará segurança jurídica, não só para que os empregados recolham a contribuição sindical para a entidade correta, mas principalmente de que a empresa está negociando com a pessoa certa. Negociar direitos com o sindicato errado, seria o mesmo que eu negociar a compra de um carro com alguém que não seja o proprietário e que não tenha poderes para representa-lo na venda. Ou seja, posso estar de boa-fé, gastar dinheiro e amanhã ter prejuízos, caso eu descubra que o acordo foi fechado com quem não tinha poderes para tal. Pior, se uma empresa segue a Convenção Coletiva de uma categoria equivocada, pode estar acumulando um passivo gigantesco caso não esteja concedendo algum benefício específico da norma coletiva correta, como por exemplo: piso da categoria, jornadas especiais de trabalho, plano de saúde, estabilidade pré-aposentadoria, assistência odontológica, vale alimentação, vale refeição.
As notícias no Brasil dão conta de que todos os dias surge uma nova startup2. Dentre as Startups recentemente nascidas ou chegadas ao país, o mercado das fintechs3 vem se destacando. O Banco Central já deu sinais claros de que pretende atrair pessoas para o segmento e torná-lo mais competitivo, num processo de democratização de acesso ao capital, o que poderá ocorrer por meio das Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento (SCFI), Sociedade de Crédito (SCD) ou Sociedade de Empréstimo entre pessoas (SEP), também conhecidas como fintechs de crédito.
Sem dúvida, os três modelos acima mencionados têm em comum o fato de serem instituições financeiras, reguladas pelo Banco Central, mas o trabalho desenvolvido por essas fintechs de crédito e por consequência por seus empregados é bastante diferente do antigo financiário, que saía às ruas prospectando clientes.
O antigo financiário é aquele que trabalha em Instituições financeiras, que se destinam à concessão de empréstimos a médio e longo prazo, dedicando-se a administração de fundos de investimento. Eram, portanto, pessoas que comerciavam com dinheiro, que por sua vez são equiparadas aos bancos apenas no que diz respeito à jornada de trabalho de seis horas dos bancários (artigo 224 da CLT, combinada com a súmula 55 do TST).
A pergunta que a maioria das fintechs de crédito faz é: Com quem eu negocio?
Com efeito, as referidas fintechs são empresas altamente tecnológicas e seus empregados estão muito mais ligados a desenvolver software, criar políticas antifraude, processar dados, prestar serviços e consultorias aos clientes e gerenciar plataformas. Ainda assim eu preciso enquadrá-los como financiários que geralmente estão ligados aos sindicatos dos bancários? Eu não poderia enquadrá-los como “processadores de dados” ou “consultores”?
A regra de enquadramento sindical brasileira determina que o enquadramento é responsabilidade da empresa, devendo levar em conta a localidade dos seus respectivos estabelecimentos e a “atividade econômica preponderante” da empresa, salvo em casos de categorias diferenciadas (que possuem legislação própria).
Mas o que é “atividade econômica preponderante” de uma empresa? Para responder essa pergunta, devemos levar em consideração 3 características empresariais:
a) O número do CNAE4 primário e/ou secundário;
b) A principal fonte de receitas e faturamento;
c) O número de empregados envolvidos em cada área ou atividade.
Nem sempre é simples de se analisar o enquadramento sindical de uma determinada empresa. É aconselhável a ajuda de um profissional.
Portanto, é possível que os empregados de uma determinada fintech de crédito não estejam enquadrados como financiários. Antes de criar uma fintech de crédito e começar a operar é essencial analisar o correto enquadramento sindical, direitos e benefícios específicos da categoria para que esteja em harmonia com os custos que viabilizarão o projeto, evitando potenciais passivos trabalhistas.
Em São Paulo, por exemplo, o estatuto do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e região é bem amplo ao definir sua representação, dispondo expressamente que a representação da categoria profissional abrange não só os empregados em Bancos Comerciais, Bancos de Investimentos, financeiras, cadernetas de poupança, etc., como também os empregados em empresas coligadas pertencentes ou contratadas por grupo econômico bancário ou financeiro, cujo desempenho profissional contribuía de formadireta ou indireta para consecução e desenvolvimento da atividade preponderante da empresa principal.
Mas qual o problema em se enquadrar os empregados de uma fintech de crédito à categoria dos financiários? O principal problema diz respeito à jornada de trabalho de 6 horas. A jornada reduzida dos bancários (que depois foi estendida aos financiários) foi idealizada pelo legislador por conta da atenção constante e o grau de responsabilidade que submetiam os empregados ao risco de fadiga. Os artigos da CLT são da década de 60, 70 e 80. Não faz o menor sentido em se equiparar a jornada dos bancários e dos antigos financiários aos empregados das modernas empresas ligadas à fintechs de crédito. Pagar 2 horas extras ao empregado que trabalha 8 horas diárias só porque a antiga lei e a Convenção Coletiva da categoria dos financiários assim determinou é algo que destoa da realidade mundial.
Quais as saídas possíveis para as fintechs de crédito?
O jurista francês George Ripert já advertia que “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o direito”. A primeira saída é justamente procurar o Sindicato dos financiários, caso o seu enquadramento seja mesmo com os financiários e expor todos os argumentos pelos quais a empresa precisa negociar regras especiais que atendam à realidade moderna das empresas e as necessidades dessa nova categoria profissional. Respeitada a regra do Art. 611-A da CLT, é possível negociar PLRs, jornadas, cartões de ponto por exceção que recentemente foi autorizada pelo TST, onde o empregado só registra as jornadas extras, pagamentos de prêmios por produção acima do ordinariamente esperado, dentre outros benefícios comuns desse novo mercado.
Nessa hipótese, os sindicatos poderiam celebrar um termo aditivo à Convenção Coletiva da categoria (CCT), com regras específicas, ou um Acordo Coletivo (ACT) com determinada empresa, prestigiando assim a negociação coletiva e o bom relacionamento que deve pautar a relação entre empresa e sindicato como sujeitos da relação coletiva de trabalho.
Caso os Sindicatos se mostrem indiferentes com as necessidades dessa nova realidade vivida pelos empregados das fintechs de crédito, há também o caminho de iniciarem um processo de “dissociação”, uma vez que a lei brasileira prevê que ao surgir uma categoria mais específica, poderá esta se dissociar da entidade sindical mais abrangente e criar um novo sindicato especializado.
Requisitos para a dissociação:
• Deliberação e aprovação em Assembleia Geral;
• Possibilidade de vida associativa regular;
• Representatividade suficiente para garantir ação sindical eficiente.
Sem dúvida, esse é um caminho mais longo e sujeito a diversas fases burocráticas5 na medida em que os sindicatos poderão impugnar a tentativa de criação do sindicato especializado.
Outra alternativa a ser analisada poderia ser a terceirização de algumas atividades dentro das empresas de fintechs de crédito, diminuindo o número de representados por essa categoria. A lei de terceirização e o próprio STF já reconheceram que é plenamente possível se terceirizar todas as atividades dentro de uma empresa. Até mesmo as atividades que se confundam com o objeto social da empresa. Nesse sentido, se uma fintech de créditos resolver contratar uma empresa especializada em processamento de dados, terceirizando toda essa área específica, desde que contrate empresa idônea, fiel cumpridora das obrigações trabalhistas, certamente terá menos empregados em seu CAGED e por consequência, menos financiários a serem enquadrados como tal.
Somos da opinião de que as empresas devam sempre manter o melhor relacionamento com os sindicatos e tenho fé que os sindicatos – mesmo aqueles mais antigos – já perceberam que estamos em meio a uma mudança cultural que precede a reforma sindical. Costumo dizer que os sindicatos terão que se reinventar e nada melhor do que contar com empresas modernas como as fintechs de crédito para se adequarem à nova realidade. Mais do que ajudar as empresas e os seus representados a prevenir os problemas, os sindicatos devem estar atentos a essa nova e importante categoria profissional que tanto cresceu no país nos últimos anos.
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1 A categoria econômica é o vínculo social que une empregadores que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas (art. 511, §1º, CLT);
2 Chamamos de Startup as companhias e empresas que estão no início de suas atividades e que buscam explorar atividades inovadoras, tecnológicas em qualquer mercado, mas que procuram desenvolver um modelo de negócio escalável e que seja repetível, gerando valor aos clientes.
3 Chamamos de Fintech a empresa que oferta serviços ligados ao seu dinheiro, com custos mais baixos que os dos bancos, usufruindo o grande alcance da internet. Via de regra, usam tecnologia de ponta sendo capaz de entregar grandes resultados.
4 Cadastro Nacional de Atividade Econômica, que consta no cartão CNPJ da empresa.
5 Definição da categoria a ser representada;
- Convocação dos integrantes da categoria através de edital de Assembleia Geral;
- Realização de Assembleia Geral no dia, hora e local designados no edital para:
• Votação e aprovação da fundação do sindicato;
- Ata de Eleição e Apuração de Votos da Diretoria, acompanhada da lista de presença dos votantes;
- Ata de Posse da Diretoria.
- Finalizada a Assembleia, deverão ser registrados os atos constitutivos no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas da comarca da sede do sindicato:
- Ata da Assembleia Geral e Lista de Presença;
- Após regularmente inscrito no CNPJ, deverá solicitar o registro no sistema eletrônico do Cadastro Nacional de Entidades Sindicais – CNES;
- Realizar a transmissão eletrônica dos dados e emitir o requerimento de registro do novo sindicato perante o órgão competente (atualmente, Ministério da Justiça e Segurança Pública);
- Protocolar perante o órgão competente da localidade da sede do sindicato, dentro do prazo de 30 dias após a emissão do requerimento, os documentos constitutivos, como: edital, ata da assembleia, ata eleição e posse da diretoria, estatuto social, cartão CNPJ, etc.
- No caso de deferimento do registro, ocorrerá:
- Publicação do registro de criação sindical;
- Inclusão dos dados cadastrais da entidade no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais – CNES;
- Expedição de certidão para atuação regular como sindicato e adoção de prerrogativas sindicais (art. 513 da CLT).
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