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Arbitragem em acordos de acionistas

A arbitragem consiste no método mais eficiente para solucionar conflitos societários complexos. Dentre as vantagens do instituto, destaca-se a possibilidade de resolução rápida da pendência por especialistas na matéria, além da condução do processo como regra geral em sigilo, o que evita potenciais danos à imagem das partes. A arbitragem, contudo, ainda encontra resistências culturais, muitas vezes travestidas de tecnicismo jurídico. Um ponto que tem sido muito questionado refere-se à validade e eficácia de cláusulas arbitrais em acordos de acionistas, uma vez que, nos últimos anos, esses acordos têm sido pivôs de vários litígios societários. Cabe, contudo, esclarecer alguns equívocos a esse respeito.

14/9/2006


Arbitragem em acordos de acionistas

 

Joaquim de Paiva Muniz*

 

A arbitragem consiste no método mais eficiente para solucionar conflitos societários complexos. Dentre as vantagens do instituto, destaca-se a possibilidade de resolução rápida da pendência por especialistas na matéria, além da condução do processo como regra geral em sigilo, o que evita potenciais danos à imagem das partes.

 

A arbitragem, contudo, ainda encontra resistências culturais, muitas vezes travestidas de tecnicismo jurídico. Um ponto que tem sido muito questionado refere-se à validade e eficácia de cláusulas arbitrais em acordos de acionistas, uma vez que, nos últimos anos, esses acordos têm sido pivôs de vários litígios societários. Cabe, contudo, esclarecer alguns equívocos a esse respeito.

 

Uma falácia comum é a de que só pode haver arbitragem sobre litígios societários, inclusive aqueles relativos a acordo de acionistas, em companhias cujo estatuto social contenha cláusula arbitral. Trata-se de interpretação errônea do art. 109, § 3º, da Lei da S.A., introduzido pela reforma societária de 2002, o qual determina que o estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências envolvendo acionistas e a companhia ou entre grupos de acionistas sejam dirimidas por processo arbitral. Perdoe-se a expressão popular, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A referida norma legal refere-se a arbitragens sobre termos e condições de estatuto social, e não diz respeito a acordo de acionistas, instrumento de natureza e características distintas. Deve-se aplicar, na verdade, a Lei de Arbitragem, que autoriza, de forma ampla, a utilização da via arbitral, salvo se o objeto de litígio for direito não patrimonial e/ou direto indisponível.

Esclareça-se, entretanto, que há a necessidade de manifestação de vontade das partes para submeter à arbitragem eventual litígio relacionado ao acordo de acionistas, seja através de cláusula arbitral inserida no acordo, seja por celebração de compromisso arbitral quando a disputa surgir.

 

Outro equívoco freqüente é que não se pode arbitrar controvérsias relativas a acordo de acionistas que possam ter efeitos em partes não signatárias do acordo. Segundo essa concepção errônea, não poderia se pleitear em arbitragem, por exemplo, a declaração de invalidade de um voto proferido em ato societário que supostamente violou acordo de acionistas, porque a decisão arbitral afetaria todos os acionistas, inclusive os desvinculados ao acordo e à sua cláusula arbitral.

 

Essa linha de raciocínio, contudo, olvida-se de que a Lei das S.A. determina, expressamente, que o acordo de acionistas é oponível e deve produzir efeitos perante terceiros (art. 118, §1º). Em outras palavras, a infração ao acordo de acionistas pode sim gerar, como resultado final, a invalidade de votos ou de atos societários, com efeitos para todos os acionistas, inclusive aqueles estranhos à avença. Trata-se de conseqüência da eficácia especial conferida ao acordo de acionistas pela Lei das S.A. E o fato de esse tipo de discussão realizar-se por meio de arbitragem não altera nada, já que, por lei, as decisões do juízo arbitral são equiparadas às sentenças do Poder Judiciário. Tampouco é relevante o fato de haver eventuais restrições para que os acionistas não signatários do acordo participem de arbitragem, já que eles não são, a princípio, partes obrigatórias (isto é, litisconsortes necessários) desse processo.

 

Por fim, mas não menos importante, há quem diga que a companhia não pode ser parte de arbitragem relativa ao acordo de acionistas, mesmo que o tenha firmado na qualidade de “interveniente-anuente”, como de praxe nesse tipo de avença. Isso se baseia no sofisma de que o termo “interveniente-anuente” significa que a companhia não tem qualquer obrigação no acordo e está apenas dando ciência de que ele existe.

 

É verdade que, do ponto de vista técnico, a companhia não é “parte” do acordo de acionistas, já que as principais obrigações (e.g., direito de preferência na compra de ações, exercício de voto, poder de controle) a ela não se aplicam. Mas, quando a companhia firma o acordo de acionistas como “interveniente-anuente”, está sim assumindo obrigações, a principal delas a de contribuir com o cumprimento dos termos e condições avençados pelas partes. Esse dever encontra guarida no art. 118, caput, da Lei das S.A., que obriga a companhia a observar o acordo arquivado em sua sede, o que, por óbvio, inclui a cláusula arbitral. Assim, se surgir uma disputa em âmbito de arbitragem e a participação da companhia no procedimento arbitral for necessária ou benéfica para a validade ou eficácia da decisão, a companhia não poderá escusar-se a integrar o processo.

 

Espera-se que o amadurecimento do instituto da arbitragem em nosso ordenamento jurídico leve à ampla adoção desse meio de resolução de conflitos em acordos de acionistas e enterrem essas interpretações equivocadas que podem atrapalhar o seu desenvolvimento.

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*Advogado do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados



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