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Prazo de vigência do seguro garantia judicial em substituição ao depósito recursal no processo do trabalho?

A consideração do prazo de validade do seguro como argumento para não se aceitar essa modalidade de garantia em recursos perante a Justiça do Trabalho não se sustenta.

5/4/2019

A lei 11.467/17 (reforma trabalhista) em analogia parcial ao artigo 835, § 2º do CPC/15, introduziu, entre outros, o parágrafo 11 ao artigo 899 da CLT, que assim prescreve:

§ 11.  O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial. 

Na prática, esse procedimento tornou possível o exercício do direito de recorrer na Justiça do Trabalho, especialmente para as micro e pequenas empresas, efetivando, desta forma, o contraditório pleno. Pois, antes de tal alteração legal era impossível para boa parte dos reclamados apresentarem recurso, haja vista o alto valor do depósito recursal, que é regulamentado pelo TST1, e hoje, no caso do recurso ordinário, está no importe de R$ 9.513,16.

Nada obstante essa boa novidade da reforma, os nossos Tribunais por via reflexa vêm mostrando resistência à novidade.

Com efeito! A teoria que se expressa, e está presente em boa parte de  despachos de admissibilidade, ou em decisões de declaração de deserção, é no sentido de considerar que o seguro garantia “não tenha prazo de validade”.

Elas  têm mais ou menos o seguinte teor (processo n.º 1001700-04.2017.5.02.0006, TRT/SP):

“Entendemos que, para ser atendido o consignado no artigo 899, § 11 da CLT a apólice de Seguro Garantia deve ser expedida com prazo de validade indeterminado, já que não é possível prever a duração do processo.

Nesse sentido, citamos a seguinte decisão do C. STJ:

"STJ- Agravo Interno no Recurso Especial AgInt no Resp 1652635 RS 2016/0310571-9 (STJ). Data de publicação 03/08/2017. Ementa: Processual Civil. Administrativo. Agravo Interno no Recurso Especial. Código de Processo Civil de 2015. Aplicabilidade. Ausência de Prequestioamento dos art. 8º do Código de Processo Civil. Incidência da Súmula n. 211/STJ. Substituição da Carta-Fiança por Seguro-Garantia com Prazo de Validade Determinado. Impossibilidade. Argumentos Insuficientes para Desconstituir a Decisão Atacada. I-Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data de publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II-A ausência de enfrentamento da questão objeto da controvérsia pelo Tribunal a quo, não obstante oposição de Embargos de Declaração, impede o acesso à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constituciional do prequestionamento, nos termos da Súmula n. 211/STJ. III-O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado, segundo o qual é impossível a substituição de carta-fiança por seguro-garantia com prazo de validade determinado. IV-O Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. V-Agravo interno improvido." (grifo nosso)

Assim, procedam as reclamadas, ora recorrentes, a regularização do preparo, em 05 dias, nos termos do art. 1.007, §2º do CPC de 2015 e OJ-SDI-I-140 do C. TST, apresentando comprovante de depósito recursal ou contratação de Seguro Garantia sem prazo de validade.

E no mesmo sentido, do TRT/3ª Região:

EMENTA: DEPÓSITO RECURSAL - SUBSTITUIÇÃO POR SEGURO GARANTIA JUDICIAL - PRAZO DE VALIDADE LIMITADO - DESERÇÃO. Embora a substituição do depósito recursal por seguro garantia judicial tenha sido recepcionada pela alteração legislativa promovida pela Lei n. 13.467/17, a sua utilização deve ser feita segundo os preceitos que norteiam a existência do depósito recursal, como garantia do juízo, não se podendo admitir qualquer tipo de restrição que venha a dificultar o implemento de tal garantia. E, no caso dos autos, o seguro garantia tem validade de apenas três anos, o que se mostra incompatível com a natureza da garantia ofertada, que não pode ser precária, com risco acentuado de perda da garantia no decorrer da execução que eventualmente venha a ser instaurada. Recurso da reclamada não conhecido, por deserto. (TRT 3ª Região – Processo: 0011005-47.2016.5.03.0067 – 1ª Turma – Relator Desembargador José Eduardo Resende Chaves Jr. – Publicado no DEJT em 13/07/2018).

A primeira questão a ser rebatida é que, considerando a natureza jurídica do contrato de seguro, não existe cobertura por prazo indeterminado.

O conceito de contrato de seguro, e seus elementos objetivos constitutivos, conforme o Código Civil são:

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

 (...)

Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.

(Grifei)

Logo, o argumento de que deve ser apresentada uma apólice de seguro garantia “sem prazo de validade” é manifestamente ilegal por afrontar expressamente o que dispõe o artigo 760 do CCB, que prevê, dentre os requisitos objetivos do seguro, a estipulação de início e fim de sua validade.

Quanto à regulamentação do seguro garantia judicial, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, Autarquia vinculada ao Ministério da Economia, regulamentou essa modalidade de seguro por meio da Circular SUSEP 477, de 30 de setembro de 2013, que no seu artigo 8º prevê o seguinte:

Art. 8º O prazo de vigência da apólice será: I – igual ao prazo estabelecido no contrato principal, para as modalidades nas quais haja vinculação da apólice a um contrato principal;

II – igual ao prazo informado na apólice em consonância com o estabelecido nas Condições Contratuais do seguro considerando a particularidade de cada modalidade, para os demais casos.

Para o caso de processo judicial, especificamente em relação ao depósito recursal no processo do trabalho, obviamente não temos um contrato vinculado à garantia securitária. Deste modo, a hipótese seria de considerar a “particularidade de cada modalidade”, ou que fosse fixado um prazo máximo para a ocorrência do evento/sinistro segurado.

Assim, o Poder Judiciário teria que estabelecer o prazo máximo para término do processo – medida esta que seria ideal para a satisfação de todos os jurisdicionados -, pois, como dito, o tipo de negócio jurídico (seguro) não comporta modalidade “por prazo indeterminado”.

Logo, como nos parece óbvio, não cabe ao Judiciário “legislar” sobre a aplicação, extensão e regularização do seguro garantia, exigindo a contratação [inexistente no sistema] por “prazo indeterminado”, uma vez que, por impossibilidade real, o próprio Poder Judiciário não pode determinar o prazo para execução dos seus atos, muito embora os prazos processuais estejam previstos em lei.

E, para a hipótese de se esvair a garantia ofertada por meio de apólice com prazo de validade no curso do processo, o sistema processual já dispõe de consequências eficazes, como por exemplo: (a) declaração de má-fé; (b) ato atentatório contra a justiça; (c) cominação de astreinte, que são as principais, dentre outras medidas.

Todavia, em atendimento à boa fé processual, e ao próprio interesse da parte, entendemos necessário que, antes de aplicar qualquer medida punitiva, o juiz mande intimar a parte que renove imediatamente a apólice, ou apresente o respectivo valor coberto.

Na prática, como ferramenta de ‘”segurança”, as seguradoras têm contratado a hipótese de elas mesmas intimarem o tomador do seguro (Reclamado que efetua o depósito para recorrer) para que efetue a “renovação compulsória” do contrato de seguro, sob pena de execução antecipada pelo Segurado (o reclamante no processo), conforme se lê, por exemplo, em cláusula de apólice utilizada recentemente em processo sob meu patrocínio:

“Se, no prazo disposto na cláusula ..., não houve qualquer manifestação, por parte do  Tomador, quanto a não necessidade da renovação da referida apólice, a seguradora se obriga a  comunicar, com 30 dias de antecedência, ao mesmo quanto renovação deste instrumento de forma compulsória, sob pena de ter o mesmo executado de forma antecipada pelo segurado.”

Essa cláusula, por fim, afasta a consideração da jurisprudência no sentido de se perder a garantia pelo seu vencimento durante o curso do processo, pois, se não renovada automaticamente, a seguradora pagará a indenização ao segurado (reclamante) nos autos do processo, independentemente de qualquer formalidade.

Conclusão: a consideração do prazo de validade do seguro como argumento para não se aceitar essa modalidade de garantia em recursos perante a Justiça do Trabalho não se sustenta, quer seja pela incompatibilidade do argumento com a lei; quer seja por existirem, dentro do próprio contrato de seguro, ferramentas que impedem a perda da garantia, com pagamento do valor segurado (depósito recursal) para o reclamante em caso de não renovação da apólice.

__________

1 Instrução Normativa n.º de 1993, que remete à lei 8.177/91.

__________

*Clobson Fernandes é advogado.

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