Com certeza tu já ouviste falar na expressão “olho por olho, dente por dente”. Este jargão surgiu na Babilônia, no ano de 1870 a.C., com a Lei de Talião no Código de Hamurabi, no intuito de evitar que uma pena fosse maior do que o crime.
Era a época da barbárie!
Pois bem! Muitos anos se passaram e estamos em pleno século XXI. A Constituição Brasileira veda terminantemente que o cidadão aja pelas próprias mãos. E o Estado assume a função de dizer o direito, chamando para si a responsabilidade de solucionar os conflitos. É o Estado-juiz.
Diante desta premissa, instituiu-se um ordenamento jurídico/sistema normativo expresso por meio de regras e princípios, que são de extrema importância para que haja um equilíbrio entre as normas, ou seja, nem tão rígido e fechado quanto as regras, nem tão amplo e subjetivo quanto os princípios.
Princípios e regras se completam e evitam o mal tão assombroso da insegurança jurídica.
Recentemente, no Brasil, inúmeras foram as mudanças legislativas no intuito de buscar maior celeridade na resolução dos conflitos, pautadas na lealdade processual. Com penas mais severas, a condenação por litigância de má-fé ganha cada vez mais espaço, evitando o ingresso de ações temerárias, sem provas ou enraizadas em incidentes infundados e objetivos ilegais.
Sobressai-se, então, o princípio do cooperativismo, e o advogado passa a ter um papel de filtralizador de justiça, em busca da verdade dos fatos, minimizando, assim, possíveis prejuízos jurídicos.
Vale dizer que o direito de ação previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal não está mitigado. Pelo contrário, as mudanças legislativas convergem em prol do escopo do ordenamento jurídico: garantir que o Estado atue pela justiça.
Para tanto, a parte deve pautar o seu direito de ação nos princípios constitucionais processuais da boa fé e da lealdade processual. Os sujeitos processuais devem agir de acordo com a verdade em face do direito material, consoante o artigo 5º, do Código de Processo Civil: “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.
Importante frisar que, quando se refere a sujeitos processuais, não são apenas partes autor e réu, mas também o Estado-Juiz.
Para Didier1, “a vinculação do Estado-juiz ao dever de boa-fé nada mais é senão o reflexo do princípio de que o Estado, tout court, deve agir de acordo com a boa-fé e, pois, de maneira leal e com proteção à confiança”.
De forma prática, o ofendido da demanda deve ter maior cuidado com suas alegações, suas razões, sua “justiça pela própria língua e criação”. Pois, os impactos da reforma legislativa brasileira na condenação por litigância de má-fé estão em todas as áreas do Direito, independente da hipossuficiência de quem quer que seja. Vejamos:
Em 2002, produtores rurais firmaram um contrato para a engorda de aves. Financiaram valores para construírem um aviário de acordo com as exigências da contratada. Sem aviso prévio, a empresa parou de fornecer as aves e, em 2005, informou que não teria mais interesse na parceria.
Os produtores rurais ajuizaram uma ação na Justiça do Trabalho, mas não demonstraram as despesas efetivamente realizadas e a rescisão do contrato estava prevista. A empresa suscitou a incompetência do Juízo, mas foi afastada a alegação.
Após o trânsito em julgado, os produtores rurais ajuizaram a ação rescisória, desta vez sustentando a incompetência do Juízo, sob a alegação de não se tratar de contrato de trabalho.
O TST julgou absolutamente contraditório e digno de censura a parte Autora ter adotado uma postura na Reclamação Trabalhista e outra na Ação Rescisória (TST-RO-7648-78.2012.5.04.0000)2, nos seguintes termos:
“O comportamento dos autores viola princípio da boa-fé objetiva, bem como seus consectários (lealdade processual, proteção de confiança e vedação ao comportamento contraditório), na medida em que buscam a declaração de incompetência material de um juízo pelo qual haviam optado.
A configuração de litigância de má-fé dos recorrentes não obsta o pedido de corte rescisório, uma vez que a incompetência material é questão de ordem pública, todavia não os exime do pagamento das multas previstas nos arts. 17 e 18 do CPC/73.”
Na singularidade fática do caso concreto, produtores rurais, teoricamente a parte hipossuficiente da demanda, ao agirem de forma contraditória violaram o princípio da boa-fé e o da lealdade processual. Logo, foilhes aplicado multa por litigância de má-fé.
Para o STJ, comprovada a má-fé, o juiz, a pedido de uma das partes ou de ofício, pode, amparado pelo Código de Processo Civil, estabelecer multa e indenização à parte prejudicada.
A litigância de má-fé não ocorre apenas por inverdades colacionadas ao resumo fático, mas também na proposição de recursos meramente protelatórios.
O ministro João Otávio de Noronha, do STJ, em um de seus votos, sabiamente traduz a aplicação da lei: “É uma norma que temos que usar em maior escala para acabar com chicanas e formas protelatórias”3.
Para quem pensa que a multa por litigância de má-fé é aplicada apenas a seres mortais – simples pessoas físicas e jurídicas deste Brasil, engana-se: à União também foi aplicada a lei pelo Supremo Tribunal Federal, no intuito de frear o abuso no direito de recorrer.
Evite penalidades por litigância de má-fé: proponha ações fundadas em provas que confirmem a verdade dos fatos; utilize provas verdadeiras e jamais falsifique documentos ou apresente um falso testemunho; e, quanto aos recursos, não os utilize como uma arma protelatória. Proponha-os quando realmente houver amparo legal em suas alegações.
Por fim, segue o antigo entendimento atual de CARDOSO4:
“O campo de aplicabilidade do instituto da litigância de máfé é ilimitado, de modo que, ocorrendo qualquer resquício de exercício anormal de defesa e recurso, mediante prática e uso de argumentos manifestamente inadequados, com deslealdade processual e conduta temerária e prejuízo, aí estará aberta a porta para a aplicação, mesmo reconhecendo os casos clássicos da litigância de má-fé.”
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1 Fredie Didier,in “Comentários ao Novo Código de Processo Civil”, coordenadores Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer, 2ª edição, Forense
2 TST-RO-7648-78.2012.5.04.0000
3 EREsp 1133262
4 CARDOSO, H. A. Da Litigância de Má-Fé. Revista Jurídica Consulex, Brasília, n.113, p. 38-41, set. 2001
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*Adriana Kingeski dos Santos advogada, mestranda em resolução de conflito e mediação.