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O regime de multipropriedade imobiliária

Trata-se de um regime condominial no qual cada um dos condôminos é proprietário de um mesmo imóvel por fração de tempo, cada um deles tendo o direito de exercer anualmente, por um período de tempo determinado, de forma alternada e com exclusividade, todos os direitos inerentes ao domínio.

3/4/2019

Em 21 de dezembro do ano passado foi publicada a lei 13.777/18, que inseriu no título III do livro III da parte especial do Código Civil o capítulo VII-A, dispondo sobre o condomínio em multipropriedade. Ela entrou em vigor no dia 4 de Fevereiro deste ano.

Trata-se de um regime condominial no qual cada um dos condôminos é proprietário de um mesmo imóvel por fração de tempo, cada um deles tendo o direito de exercer anualmente, por um período de tempo determinado, de forma alternada e com exclusividade, todos os direitos inerentes ao domínio (uso, gozo, fruição e disposição), consoante for avençado.

Essa nova figura jurídica, de berço europeu e há muito tempo adotada nos EUA (time sharing), veio para resolver o que, na prática, já se praticava aqui no Brasil mediante contratos obrigacionais inominados que disciplinavam a utilização temporária de algumas unidades imobiliárias autônomas, fracionadas em quotas de uso.  A diferença está em que o instituto agora criado pelo legislador confere o direito real de propriedade ao utente, que passa a ter todos os poderes inerentes ao domínio do imóvel, de modo permanente, durante o período de tempo ajustado em calendário anual.

Os contratos obrigacionais apresentavam o problema de o instituidor do regime de uso temporário e fracionado permanecer como proprietário do imóvel, deixando os titulares das frações de uso em situação de insegurança quanto à sorte futura de seus direitos. E isso acontecia, por exemplo, com a penhora do imóvel por dívidas do instituidor. A questão desaguou no STF que, por maioria de votos, vencido o relator, ministro Villas Boas Cueva, decidiu excluir o imóvel da constrição judicial sob o discutível entendimento de que a implantação do regime de fracionamento corresponderia, na prática, a um direito real de uso, oponível a terceiros (REsp 1.546.165/SP, relator para o acórdão ministro João Otávio de Noronha, terceira turma, julgado em 26/04/2016, publicado em 6/9/16).

O regime jurídico da multipropriedade imobiliária, inspirado na obra de Gustavo Tepedino (Multipropriedade Imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993), é semelhante ao do condomínio edilício, porém no tempo e não no espaço, como até hoje era conhecido. Para adequar-se às situações já existentes, a lei foi bastante flexível quanto ao tempo de duração de cada período de propriedade de seu titular. Observado o prazo mínimo de 7 (sete) dias, esse período de tempo pode ser fracionado por dias intercalados. Por exemplo: o titular do direito de propriedade do imóvel pelo período de 30 (trinta) dias, pode ter seus direitos seccionados ao longo do ano (dez dias em cada quadrimestre, por exemplo). Também é possível que sejam ajustados intervalos entre a propriedade de um e de outro condômino (v.g., um dia após cada período).    

Estando a propriedade imobiliária na titularidade de mais de uma pessoa, o fato de ela ser atribuída de modo exclusivo a um só dos condôminos por período de tempo não afasta a necessidade de haver um administrador do imóvel, pois envolve despesas comuns, deliberações quanto a assuntos que lhe digam respeito, normas regulamentando o uso comum dos bens e instalações que guarnecem o imóvel, como mobiliários,  equipamentos etc. Diferencia-se, contudo, do condomínio edilício de unidades autônomas, porque o imóvel não é fracionado: é um só, há uma só unidade, na qual devem ser precisadas as regras necessárias para garantir o respeito ao tempo de uso e às suas consequências em relação a cada um dos coproprietários.

Por isso, a lei tratou, não só do modo de instituir o condomínio em multipropriedade, como de estabelecer os direitos e obrigações dos multiproprietários, o modo de transferir o domínio, a administração do imóvel, reparos, manutenção ou substituição dos equipamentos, do mobiliário etc. Também foi regulado o conteúdo mínimo do instrumento de instituição da multipropriedade e prevista, igualmente, a possibilidade de sua implantação para fracionamento temporal de unidades autônomas em edifícios de lojas e apartamentos.

O legislador, porém, não estendeu essa propriedade temporal aos bens móveis de valor expressivo, como aeronaves, veículos de luxo, barcos etc., que, aqui e no estrangeiro, já há algum tempo, têm sido submetidos a ajustes de utilização plena por período de tempo, na modalidade conhecida como fractional ownership. Penso que agiu com cautela porque poderia criar grandes embaraços na implantação desse regime relativamente a bens móveis, cuja utilização é bem mais dinâmica que a dos imóveis.

Aliás, não vejo muita praticidade na adoção do sistema implantado pela lei em análise, visto que irá criar vários entraves com a exigência de abertura de matrículas de cada propriedade temporal, terá de enfrentar discussões quanto à incidência de tributos municipais etc., - o que pode engessar a circulação das unidades temporais. De todo modo, a nova lei não estabeleceu vedação ao regime que vinha sendo praticado antes de sua entrada em vigor, o que sugere que continuará sendo observado nos empreendimentos já existentes e nos que vierem a ser implementados.

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*Alfredo de Assis Gonçalves Neto é sócio fundador de Assis Gonçalves, Kloss Neto e Adv. Associados.

 

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