Migalhas de Peso

Vitórias na corrida com obstáculos

Se você busca igualdade, se está insatisfeita com a violência, pense comigo sobre o que podemos fazer para melhorar, sobre como podemos ajudar outras mulheres, como iremos nos empoderar.

8/3/2019

No mês de março comemoramos o dia internacional da mulher e eu pergunto: o que a data significa para você?

 

É um dia em que receberemos flores, mimos e chocolates no trabalho ou em ambientes sociais. Seremos felicitadas e até homenageadas por meio de imagens publicitárias, mensagens de whatsapp, e-mails e até pessoalmente.

 

Mas será só mais uma data comemorativa e comercial como qualquer outra?   

 

Obviamente há uma razão de ser, muitas vezes ofuscada, para o 8 de março ser comemorado. A ONU oficializou em 1975 (intitulado de ano internacional da mulher) a data como marco para lembrar de nossas conquistas políticas e sociais.

 

Não há exatamente uma única origem para a explicação da data. No Brasil, ela tem correlação com o incêndio ocorrido em 1911 na Companhia de Blusas Triangle, no qual morreram 125 trabalhadoras. Nos EUA, em 26/02/1909, houve uma passeata em Nova Iorque, em que 15 mil mulheres reivindicaram por melhores condições de trabalho. Na Europa, em 1910, Clara Zetkin (de origem alemã) propôs a criação de uma data fixa anual para as manifestações das mulheres pela igualdade de direitos. Lá o primeiro dia oficial da mulher foi, então, 19/03/1910. 

 

A partir daqui já sinto os olhos recriminadores de algumas mulheres que acabaram de relacionar o dia da mulher com a luta feminista. Portanto, passo a uma segunda pergunta: por qual razão tantas de nós repelimos o feminismo, se somos nós mulheres as maiores beneficiadas por ele?

 

Penso que o ponto de partida é significar o feminismo: movimento das mulheres que busca apenas a igualdade de direitos e oportunidades. Para ser clara, não queremos eliminar os homens, somente acabar com o machismo.

 

Visto isso, reflito: será que alguma mulher está satisfeita com as desigualdades? Ou acredita que já conquistamos a igualdade?

 

Acredito que há muitas mulheres que, como eu, são privilegiadas: tiveram acesso aos estudos e ao mercado de trabalho; compõem (talvez) classes sociais mais altas e; passaram (possivelmente) por menos situações discriminatórias. De todo modo, isso por si só não justifica que uma mulher não queira o bem de outra, não queira igualdade para todas.

 

Além disso, há tantas outras que sequer percebem o machismo enrustido em nossa sociedade, nas piadas, campanhas publicitárias, nos anúncios de empregos. 

 

Creio ainda que muitas de nós, lá no fundo, têm medo do estereótipo da mulher feminista. Sim, a mídia em geral vende uma imagem pouco simpática e bonita (dentro é claro do padrão Barbie de beleza) das feministas.

 

Confesso que a estereótipo, possivelmente, tenha sido o que me fez relutar em aceitar que sou feminista. As pessoas me chamavam de feminista e eu respondia: prefiro não fazer o uso de rótulos.

 

Existem também as mulheres que creem que o feminismo seja um movimento exclusivamente da esquerda, como se só as mulheres de esquerda buscassem igualdade. Não, o feminismo é (ou deve ser), como Andréa Pachá1 bem pontuou sem partido, sem bandeira ideológica.

 

Preciso dizer que o feminismo é um movimento democrático, que tem e aceita as mais diversas bandeiras. Por exemplo: você pode ser cristã ou espírita, contra ou a favor do aborto, usar cabelos longos ou curtos, aderir ou não à depilação, ser hétero ou homossexual, ser negra ou branca, trabalhar fora ou dentro de casa (ou, como a grande maioria das mulheres, fazer os dois), usar ou não maquiagem.

Aliás, você não precisa necessariamente aderir a todas as bandeiras do feminismo.

 

Agora, se nada/absolutamente nada, atingiu você até agora, gostaria de mostrar o que o feminismo já fez por nós.

 

Em 1879 houve a garantia do direito de ingresso das mulheres em faculdades;

 

Em 1932 o Código Eleitoral garantiu o direito da mulher e votar e ser votada;

 

Em 1940 o Código Penal passa a permitir o aborto nas hipóteses exclusivas de gerar risco à vida da gestante e quando a gestação for resultante de estupro;

 

Em 1950 houve o início do reconhecimento jurídico das uniões denominadas à época de concubinárias, por analogia às sociedades de fato;

 

Em 1942 o “desquite” foi legitimado pela alteração do Código Civil de 1916, tornando possível a separação de um casal, sem, contudo, possibilitar o divórcio;

 

Em 1962 entrou em vigor o Estatuto da Mulher Casada, que valorizava o papel da mulher dentro da família, retirando-a da condição de “incapaz” imposta pelo Código Civil de 1916; houve a permissão de que a mulher pudesse trabalhar sem a autorização do cônjuge e possibilitando que a mãe obtivesse a guarda dos filhos, após o desquite;

 

Em 1964 houve a consolidação da “jurisprudência paulista” (iniciada em 1950) por meio das súmulas 380, 382 do Supremo Tribunal Federal, que passaram a reconhecer os direitos das concubinas, admitindo a partilha de bens (comprovada a existência de esforço comum);

 

Em 1977 instituiu-se o divórcio no Brasil, ainda que com a permissão que cada pessoa só pudesse se divorciar uma única vez;

 

Em 1979 o Brasil passou a ser signatário da Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher;

 

Em 1988, após o Lobby do Batom, foi promulgada nossa atual Constituição, que garantiu a igualdade jurídica, a ampliação de seus direitos civis, sociais e econômicos, a igualdade de direitos e responsabilidades na família e, a proibição da discriminação no mercado de trabalho.

 

Em 1994 a primeira legislação garantindo direitos à companheira em união estável (alimentos e herança);

 

Em 1995 houve determinação de que ao menos 20% das vagas dos partidos ou coligações fossem preenchidas por candidatas mulheres, percentual que foi posteriormente majorado para 30% em 1997;

 

O Código Civil de 2002, seguindo a diretriz da Constituição Federal, fez previsões quanto igualdade de direitos entre homens e mulheres (principalmente nas relações familiares e quanto ao exercício da autonomia);

 

Em 2006 foram criados mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, pela Lei Maria da Penha;

 

Em 2010 por meio da Emenda Constitucional n.º 66, foi extinta a necessidade de prévia separação (de fato – 2 anos, judicial – 1 ano) para a efetivação do divórcio, bem como encerradas as discussões quanto à “culpa” na dissolução do casamento;

 

Em 2015 foi sancionada a lei do Feminicídio, colocando a morte de mulheres no rol de crimes hediondos.

 

Sim, se podemos ingressar nas faculdades, ter contas no banco, votar, trabalhar sem a autorização dos maridos, terminar um casamento/união estável quando bem entendermos, devemos agradecer às feministas.

 

Mas, se você disser que já está satisfeita com os direitos e garantias conquistados, que já alcançamos a igualdade almejada, por favor leia só mais três parágrafos.

 

Segundo pesquisa divulgada recentemente do IBGE (relativa ao período 2012 a 2016), em média, as mulheres ainda ganham 76,5% dos rendimentos dos homens, apesar de trabalharem três horas por semana a mais (na combinação trabalho remunerado, atividades domésticas e cuidados com familiares)2. As mulheres negras detêm ainda salários inferiores que as mulheres brancas e continuam a exercer cargos profissionais inferiores.

 

A violência contra a mulher é representada por números preocupantes, segundo o mapa da violência (divulgado em 2015), de 2007 a 2013 houve um aumento de 23,1% do feminicídio no Brasil.

 

No último ano analisado pela pesquisa referida (2013): houve um total de 4.762 mulheres que sofreram agressões registradas - 13 mulheres vítimas diárias de agressão física; destas mulheres 2.394 (50,3%) faleceram - 6 mulheres mortas ao dia e; 1.583 (33,2% do total dos homicídios) destas mulheres foram mortas por seus familiares, incluindo parceiros e ex-parceiros – 4 mulheres ao dia assassinadas por familiares.

 

Caso você ainda ache que os dados de violência e desigualdade no trabalho não significam nada, pode parar por aqui, pois direi que o movimento das mulheres não precisa de sua contribuição.

 

Se você busca igualdade, se está insatisfeita com a violência, pense comigo sobre o que podemos fazer para melhorar, sobre como podemos ajudar outras mulheres, como iremos nos empoderar.

 

Não consigo vislumbrar outro caminho senão que sejamos uma voz uníssona. Além disso, se quiserem chamar o movimento feminista por outro nome, sou aquela feminista que não gosta de rótulos. Podem batizar o feminismo com o nome que quiserem, só não podemos lutar umas contra as outras.

 

Não podemos ser omissas e nos calar ao ouvir que uma vizinha está sendo vítima de violência doméstica, fechar os olhos para o assédio vivenciado em ambientes sociais e profissionais e, aceitar salários menores pela razão exclusiva de que seremos potenciais mães.

 

Por fim, e voltando à nossa data comemorativa, apesar de adorar flores, o que gostaria é de fazer um pedido no dia/mês da mulher, que sejamos uma voz única lutando pela igualdade de direitos! Essa justa reivindicação assemelha-se à antiga e atual corrida com obstáculos.

 

Aos homens, que eventualmente lerem o presente artigo, peço: nos respeitem, aceitem nossos “nãos” e, parem de nos matar!

____________

*Diana Karam Geara é mestre em Direitos Fundamentais e Democracia e, advogada no núcleo de Família e Sucessões do Escritório Professor René Dotti.

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