A matéria intitulada é disciplinada pela “Lei de Improbidade Administrativa” (LIA) – Lei Federal 8.429, de 2/6/92, cujos artigos 10 e 11 conceituam, enumeram e tipificam os atos ímprobos. Paralela e complementarmente, a doutrina e a jurisprudência pátrias exigem, para o seu enquadramento, a análise do elemento subjetivo, com pleno atendimento ao objetivo legal de combate à improbidade administrativa.
Ocorre que a “Operação Lava Jato”, a qual certamente está despindo a administração pública em nosso país, enseja o surgimento de inúmeros procedimentos administrativos e judiciais contra os supostos autores de atos acoimados de improbidade administrativa, especialmente órgãos e autoridades públicas. Por vezes, contudo, ações judiciais originárias do Ministério Público (MP) são movidas contra entes do Poder Público e/ou seus agentes administrativos, apenas com base em superficiais razões, causando enormes transtornos aos supostos infratores ímprobos.
A ação civil pública dessa natureza há, pois, que estar amparada em requisitos PRELIMINARES e em razões de MÉRITO, suficientemente aptas a lhe dar a necessária sustentação e a justificar uma eventual decisão condenatória ao agente ímprobo.
Dentre os aludidos requisitos, de se realçar a necessária caracterização do elemento subjetivo, exatamente para atender a “mens legis”, com a finalidade de combater e punir o administrador com má-fé, que consciente e deliberadamente viola os princípios administrativos, com real intenção de agir de forma desonesta e de se locupletar do cargo público (fator este que se confunde com a principal razão de mérito)! Se tal comportamento nocivo do infrator não estiver caracterizado, consubstancia-se a ausência da causa de pedir, ensejando o indeferimento por inépcia da inicial, nos exatos termos do art. 330, I – NCPC (anterior art. 295, I – CPC/73), com a extinção do processo sem julgamento de mérito, conforme art. 485, I – NCPC (anterior art. 267, I – CPC/73).
Outra questão preliminar prejudicial pode ser a necessidade de inquérito civil prévio e preparatório à ação civil pública, com o acusado de improbidade sendo devidamente intimado a comparecer e nele prestar o seu depoimento. De se registrar que, dentre as funções institucionais do Ministério Público, elencadas pelo art. 129 da Constituição Federal, consta em seu inciso III “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social .........”. E o art. 8º da lei 7.347/85 (que disciplina a ação civil pública) dispõe em seu caput que o interessado poderá requerer às autoridades competentes os elementos probatórios necessários à instrução da petição inicial da ação civil pública, dispondo ainda o seu § 1º que o M.P. “poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil.........”. Ou seja: o aludido inquérito é um procedimento administrativo que deve ser providenciado pelo MP precedentemente ao ajuizamento da ação civil pública!
Obviamente, pois, no inquérito civil há que haver participação ativa e contraditória da pessoa física acusada, que, eventualmente, possa tornar-se parte requerida em posterior ação civil pública! Trata-se de pressuposto ínsito à constituição e desenvolvimento válido e regular do processo posterior, sob pena de sua nulidade!!! Destarte, não havendo o inquérito civil –– ou havendo, mas sem participação do acusado como ímprobo ––, há que se decretar a nulidade da ação, com a consequente extinção do processo sem julgamento de mérito, conforme art. 485, IV – NCPC (anterior art. 267, IV – CPC/73).
Em alguns casos –– doações/favorecimentos/patrocínios desnecessários e/ou tendenciosos do Poder Público a pessoas físicas ou jurídicas –– também se faz necessária, à perfectibilidade da ação civil pública contra suposto agente ímprobo, a integração à lide de litisconsórcio passivo necessário. Pois embora a lei 8.429/92 não o mencione expressamente, extrai-se dos termos dos seus artigos 1º, 3º e 8º a sua decorrência, inclusive com efeitos extensivos aos sucessores dos causadores da lesão ao erário ou aos beneficiários do enriquecimento ilícito. Destarte, devem figurar na ação judicial não apenas os acusados agentes públicos, mas também os favorecidos diretamente pelos supostos atos ímprobos praticados, na condição de litisconsortes necessários, para comporem a lide no polo passivo, e, ao final, eventualmente serem condenados a repor os indevidos valores recebidos como donatários/beneficiários (se o caso).
É bem de se observar que a lei 8.429/92 não faculta ao autor da ação civil escolher os agentes públicos e/ou os supostos beneficiários do ato acoimado de improbidade, mas impõe a inclusão de todos que concorreram à lesão ao erário ou à consecução do ato ímprobo. Portanto, não pode ficar ao alvedrio do órgão ministerial eleger os responsáveis pela prática da improbidade, sejam os agentes públicos, sejam os beneficiários, ainda que particulares. Destarte, havendo donatários/beneficiários de atos ímprobos, mas não figurando como litisconsortes passivos necessários, na sua ausência há que se decretar a nulidade da ação, com a consequente extinção do processo sem julgamento de mérito, conforme art. 485, IV – NCPC (anterior art. 267, IV – CPC/73).
Quanto às razões de MÉRITO, a responsabilização civil por improbidade administrativa deve se restringir ao ato praticado com dolo ou culpa grave e/ou que tenha produzido dano ao erário público! Há que se perquirir, inicialmente, todas as circunstâncias fáticas do ato ímprobo e a real participação de cada agente administrativo/público envolvido ou acusado. Especialmente porque sói acontecer a sua prática por uma pessoa jurídica (órgão de governo, entidade paraestatal, empresa pública, sociedade de economia mista, etc), com envolvimento de diversas pessoas físicas, com maior ou menor responsabilidade no cometimento do ato, algumas até com quase nenhuma (exemplo típico: agente que assina cheque e/ou documento conjuntamente com outrem por mera injunção estatutária, respaldado por orientação superior até mesmo jurídica, e ao final se vê envolvido e acusado tanto quanto os mentores originais da improbidade, mesmo não tendo recomendado/sugerido/ motivado os favorecimentos indevidos e ainda sem se locupletar com qualquer ganho material...).
Ainda no âmbito das entidades supra citadas, há que se pesquisar se o patrocínio /favorecimento/doação foi precedido de apropriado procedimento administrativo interno, e bem assim se foi praticado em cumprimento da função social da empresa, em prol da comunidade (vide art. 154, § 4º, da Lei das Sociedades Anônimas – 6.404/76) e/ou sob permissão estatutária para efetuar contribuição social/assistencial a instituições cívicas, culturais, esportivas, religiosas, filantrópicas, etc.
Após a análise fática, há que se adentrar no mérito propriamente dito, especialmente para se aquilatar a existência de dolo, má-fé ou culpa grave por parte do agente infrator, a tipificar o ato ímprobo. A doutrina é uníssona quanto à necessidade do elemento subjetivo na prática do ato de improbidade administrativa. Preleciona o ilustre procurador aposentado MARINO PAZZAGLINI FILHO: “... mero descumprimento de princípio constitucional pelo agente público, sem conotação de desonestidade, de má-fé, de falta de probidade, não constitui ato de improbidade administrativa ......... Para a sua configuração, requer que a afronta a princípio constitucional, com a índole de tendência de desonestidade, decorra de comportamento doloso do agente público... de forma ilícita, ciente da antijuridicidade de seu comportamento funcional (consciente de que está transgredindo princípio constitucional”.
Ensina o saudoso mestre HELY LOPES MEIRELLES: “... em matéria de ação de improbidade administrativa, parece-nos que o mais acertado é reconhecer a responsabilidade apenas na modalidade subjetiva. Nem sempre um ato ilegal será um ato ímprobo. Um agente público incompetente, atabalhoado ou negligente não é necessariamente um corrupto ou desonesto. O ato ilegal, para ser caracterizado como ato de improbidade, há de ser doloso ou, pelo menos, de culpa gravíssima.”
E também é pacífica, e no mesmo sentido, a jurisprudência do STJ sobre o tema:- “... para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do art. 10. Isso porque não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é a ilegalidade tipificada e qualificada como elemento subjetivo da conduta do agente”. –– (AgRg no AREsp 161.420/TO, rel. min. HUMBERTO MARTINS, 2ª T., julgado em 3/4/14, DJE 14/4/14) -.-
Acresça-se que o ato de improbidade administrativa com DOLO pressupõe o propósito do agente de se locupletar pessoalmente ou favorecer ilegitimamente a terceiros! Circunstância a qual, quase inevitavelmente, resulta em dano ao erário e aos cofres públicos! Todavia, ausentes os requisitos preliminares e/ou descaracterizadas as razões de mérito, especialmente com relação ao elemento subjetivo, não se há de propor ou prosperar ações judiciais por suposta improbidade administrativa!
Certo que há que se respeitar a instituição MINISTÉRIO PÚBLICO, mormente nos dias atuais, por sua brilhantíssima e incansável luta em todo o país contra a corrupção e ilicitude de órgãos e agentes da administração pública e do Poder Legislativo! No entanto, o MP há que agir com muita prudência, cautela e responsabilidade no manejo das ações judiciais propostas, que não podem simplesmente ter origem em simples interpretação, em meras opiniões ou conceitos divorciados da realidade, sob pena de infligir enormes aborrecimentos e transtornos àqueles que, dentro embora da máquina pública, agem com respeito aos atinentes princípios constitucionais, legais e éticos/morais! Ou agem apenas com alguma inabilidade ou inaptidão, sem dolo ou culpa, e/ou sem causar dano ao erário público.
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