Os termos compliance e planejamento tributário têm integrado a rotina das empresas, de modo que às organizações que ainda cause estranheza recomenda-se cautela e um empenho para que se envolvam com as temáticas.
A atividade empresarial envolve questões que não se encerram somente na seara contábil ou administrativa, já que o atual cenário tem imposto um intercâmbio cada vez mais próximo com o Direito, como ferramenta de viabilização, senão da conformidade da atividade e a consequente competitividade no mercado.
Há muito, bastava que a empresa apresentasse resultados financeiros positivos, baixo índice de débito com o estado, e sim, poder-se ia conjecturar um cenário de bonança. Nos dias atuais, a lucratividade - embora jamais perca seu atributo de indicativo de salubridade - não tem valia exclusiva, já que a atividade empresarial tem sido analisada num contexto de maior complexidade.
Nessa conjuntura, defronta-se o administrador com a necessidade de fazer escolhas quanto a que rumos e estratégias adotar na atuação da empresa1, e tais não podem excluir o aspecto tributário, que pode se revelar determinante até mesmo de uma maior rentabilidade da atividade.
O reconhecimento da necessidade de um planejamento tributário perpassa por uma indispensável reflexão do administrador acerca de seu modelo de atuação e o cenário global em que se insere, em termos de competitividade, especificidade de sua atividade, objetivo a médio e longo prazo e estimativa de inserção/manutenção no mercado.
Não raras vezes, o empresário persiste em determinado regime de tributação e práticas mercantis de forma impensada, pela habitualidade, e assim deixa de se dar conta de uma série de oportunidades de crescimento ou de meios de coibir a perda de espaço no mercado por não se permitir a consideração de sua empresa de modo individualizado, com as suas especificidades.
Então, alcança-se a indagação “o que vem a ser o planejamento tributário?”. Dispensados os pormenores de uma atuação doutrinária, mas com objetividade suficiente à proposta introdução do tema, o planejamento tributário consiste na utilização ferramentas de orientação para escolha de um modelo de atuação/tributação pelo qual se minimize o impacto da carga tributária imposta à atividade, por meio de vias lícitas.
O desfecho da definição acima proposta pode parecer óbvio, mas é de extrema relevância para que se combata a concepção precipitada de que o planejamento tributário importe em meios escusos de burlar a ordem jurídica aplicável na tributação da empresa; em absoluto, estando-se a cogitar, nessa hipótese, em meios de evasão fiscal e outras denotações de cunho ilícito administrativo ou penal.
No planejamento tributário não há espaço para estratégias que ultrapassem os limites legais de modo a alcançarem o status de fraude, e é em razão de uma pre-conceituação do planejamento com um caráter lesivo que já se observou, em outros tempos, certa resistência por parte da Fazenda Pública2.
Dada da extensão das espécies tributárias nas esferas da federação e seus consequentes regulamentos, que versam acerca de possibilidades de subsunção da atuação do empresário, de acordo com sua atuação, urge o estudo para a elaboração de um planejamento tributário que coadune com seus objetivos, de modo que, através de uma praxe direcionada, a empresa possa evitar a prática do fato gerador, reduzir o montante devido a título de recolhimento ou até mesmo adiá-lo.
Qualquer a opção do empresário ao empreender um planejamento tributário, há que considerar que esta atividade por si só não implica na isenção dos demais riscos financeiros da atividade nem mesmo da própria dinâmica fiscal, sobremaneira num país em que a legislação/normatização se altera de forma célere e constante, de modo que o modelo eficaz de hoje por se revelar menos auspicioso no próximo exercício.
Soma-se a esta questão, a inafastável concepção de uma atuação macro que envolve outras searas, nas quais os reflexos do planejamento se projetam, a exemplo da trabalhista.
Ainda, no que tange aos riscos que emanam de toda e qualquer estratégia administrativa adotada, embora vise à concretização de um ambiente mais salutar à empresa, não se trata de uma atividade de resultados exatos, tendo em vista os riscos de eventuais posicionamentos diversos por parte da administração fazendária que se choquem com as estratégias adotadas no planejamento.
O Judiciário convive com demandas que envolvem o planejamento tributário, inclusive quanto à possível utilização do mesmo de forma deturpada, conforme se advertiu acima3. Assim é que se revela pertinente que a empresa concilie práticas de conformidade também no momento de se pensar o planejamento4.
O dever de se elaborar um planejamento fiscal coerente com a ordem jurídica a que se sujeita a atividade e a pessoa jurídica é inerente à legítima atuação do administrador, de modo que aliar as competências técnicas específicas necessárias a tanto é meio de se evitar aventuras que podem culminar em desastrosos resultados à atividade da empresa, com consequências até mesmo de natureza penal.
Portanto, conclusivamente, não se efetiva um planejamento sem a conciliação da atividade de um administrador e a intervenção consultiva de um profissional de contabilidade e um especialista em tributos, sob pena de que em algum de seus aspectos essenciais, reste maculada a consecução de seus fins.
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1 Obrigação esta que decorre de lei (lei 6.404/76, art. 153).
2 MAMEDE, Gladston. Blindagem patrimonial e planejamento jurídico. São Paulo: Atlas, 2011. P. 100.
3 REsp 1.634.693-RS, rel. min. Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 22/11/16, DJe 30/11/16. [...]Entendimento contrário poderia viabilizar a realização de planejamento tributário tendente a subverter a sistemática arrecadatória do tributo, visto que, na tentativa de reduzir custos, as empresas poderiam, v. g., registrar os empregados da indústria na folha mensal de salários do escritório, estabelecimento filial com CNPJ próprio e eventual alíquota inferior do tributo em questão, o que traduz indicativo de possíveis fraudes, evasões e elisões fiscais que devem ser evitadas.
Informativo 0554
Período: 25 de fevereiro de 2015.
4 Parecer normativo COSIT 4, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2018 Multivigente Vigente Original Relacional (Publicado(a) no DOU de 12/12/18, seção 1, página 23) Normas Gerais de Direito Tributário. Responsabilidade Tributária. Solidariedade. Art. 124, I, Ctn. Interesse Comum. Ato Vinculado Ao Fato Jurídico Tributário. Ato Ilícito. Grupo Econômico Irregular. Evasão e Simulação Fiscal. Atos que Configuram Crimes. Planejamento Tributário Abusivo. Não Oposição ao Fisco de Personalidade Jurídica Apenas Formal. Possibilidade.
A responsabilidade tributária solidária a que se refere o inciso I do art. 124 do CTN decorre de interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou.
A responsabilidade solidária por interesse comum decorrente de ato ilícito demanda que a pessoa a ser responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou do responsável por substituição. Deve-se comprovar o nexo causal em sua participação comissiva ou omissiva, mas consciente, na configuração do ato ilícito com o resultado prejudicial ao Fisco dele advindo.
São atos ilícitos que ensejam a responsabilidade solidária: (i) abuso da personalidade jurídica em que se desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas mediante direção única ("grupo econômico irregular"); (ii) evasão e simulação e demais atos deles decorrentes; (iii) abuso de personalidade jurídica pela sua utilização para operações realizadas com o intuito de acarretar a supressão ou a redução de tributos mediante manipulação artificial do fato gerador (planejamento tributário abusivo).
O grupo econômico irregular decorre da unidade de direção e de operação das atividades empresariais de mais de uma pessoa jurídica, o que demonstra a artificialidade da separação jurídica de personalidade; esse grupo irregular realiza indiretamente o fato gerador dos respectivos tributos e, portanto, seus integrantes possuem interesse comum para serem responsabilizados. Contudo, não é a caracterização em si do grupo econômico que enseja a responsabilização solidária, mas sim o abuso da personalidade jurídica.
Os atos de evasão e simulação que acarretam sanção, não só na esfera administrativa (como multas), mas também na penal, são passíveis de responsabilização solidária, notadamente quando configuram crimes.
Atrai a responsabilidade solidária a configuração do planejamento tributário abusivo na medida em que os atos jurídicos complexos não possuem essência condizente com a forma para supressão ou redução do tributo que seria devido na operação real, mediante abuso da personalidade jurídica.
Restando comprovado o interesse comum em determinado fato jurídico tributário, incluído o ilícito, a não oposição ao Fisco da personalidade jurídica existente apenas formalmente pode se dar nas modalidades direta, inversa e expansiva. Dispositivos Legais: art. 145, §1º, da CF; arts. 110, 121, 123 e 124, I, do CTN; arts. 71 a 73 da lei 4.502, de 30 de novembro de 1964; lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976; arts. 60 e 61 do decreto-lei 1.598. de 26 de dezembro de 1977; art. 61 da lei 8.981, de 1995; arts. 167 e 421 do Código Civil. e-processo 10030.000884/0518-42.
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*Shirley dos Reis Teodoro é sócia da banca Chalfun Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil e do Trabalho.