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A nova Lei de Falências e o inquérito judicial

O Projeto de Lei nº 4376/93, que substitui a atual Lei de Falências e que se encontra atualmente em votação no Senado soluciona, ainda que indiretamente, um dos mais tormentosos temas da jurisprudência processual penal pátria: a natureza jurídica do inquérito judicial.

28/10/2003

A nova Lei de Falências e o inquérito judicial

 

Aldo de Campos Costa*

 

O Projeto de Lei nº 4376/93, que substitui a atual Lei de Falências e que se encontra atualmente em votação no Senado soluciona, ainda que indiretamente, um dos mais tormentosos temas da jurisprudência processual penal pátria: a natureza jurídica do inquérito judicial.

 

Tal qual como é previsto no Decreto-Lei nº 7.661/45, o inquérito judicial é, atualmente, tido como uma peça meramente informativa, de caráter inquisitório, que não se sujeita às rígidas regras do contraditório processual, razão pela qual o Supremo Tribunal Federal firmou remansoso posicionamento no sentido de que os vícios ou defeitos nele existentes, como a falta de intimação do falido para contestar as acusações contra ele assacadas no relatório do síndico, não são capazes de contaminar a ação penal por crimes falimentares que eventualmente lhe suceda.

 

Esse entendimento, um dos mais duradouros da jurisprudência de nossa Suprema Corte, foi largamente utilizado durante quase quarenta anos, para obstar qualquer pretensão em sentido contrário; tudo com base numa interpretação histórica da Exposição de Motivos do projeto de reforma da legislação falimentar, apresentada em 28.02.45 pelo então Ministro da Justiça Alexandre Marcondes Filho, que compreendia a atividade judicial preliminar prevista na Lei de Quebras como “sorte de investigação informativa, correspondente àquela que, nas relativas aos demais crimes, representa o inquérito policial”, e que objetivava, ao mesmo tempo, restaurar no processo penal falimentar a decisão de pronúncia, mediante a qual seria declarada a viabilidade da acusação, tal como no Tribunal do Júri, atendendo-se assim a um antigo anseio da classe dos advogados, no sentido de “assegurar a efetividade da responsabilidade penal por meio de um processo de investigação em que o falido ou o insolvente confesso demonstre que não agiu com culpa na direção de seus negócios comerciais”.

 

Afirmar, entretanto, que o inquérito judicial não está sujeito a um contraditório rígido, obviamente “não significa dizer que estejam ambos, o inquérito policial e o inquérito judicial sujeitos ao mesmo procedimento, o que se constata, de pronto, mediante o confronto dos arts. 4º a 23 do Código de Processo Penal, que trata do primeiro, com os arts. 103 a 113 da Lei de Falências, que disciplina a realização do segundo”. Esse, o teor do voto do ministro Sepúlveda Pertence em recentíssima decisão tomada nos autos do HC nº 82.222, que, à guisa de conclusão, afirmou que “a Lei de Falências cercou o inquérito judicial de garantias de contraditório prévio”.

 

Com efeito, não bastasse ser o inquérito judicial peça essencial, diferentemente do inquérito policial, que é dispensável, a lei prevê com exclusividade, no primeiro, uma fase destinada à manifestação, inicialmente pelo Ministério Público, em 3 dias, sobre a exposição do síndico, as alegações dos credores e os requerimentos que hajam apresentado (art. 105), requerendo o que for conveniente à finalidade do inquérito e, depois, ao falido, que em 5 dias, poderá contestar as argüições contidas nos autos do inquérito (art. 106), tudo com vistas à formação do convencimento do juiz, que terá que despachar a denúncia - caso seja oferecida - fundamentadamente, diferentemente também do que ocorre no processo crime comum.

 

O importante precedente do Supremo, além de vir em boa hora, acompanha uma tendência que já se afigurava no projeto de lei falimentar em trâmite no Congresso Nacional. Nesse sentido, o art. 194 do Projeto, que substitui o art. 106 da atual Lei de Falências, prevê, expressamente, a necessidade de notificação das argüições contidas nos autos do inquérito judicial para apresentar contestação ou requerer o que entender conveniente, no prazo de 5 dias. Ressalte-se que a referida disposição foi introduzida por ocasião da elaboração da Subemenda Global às Emendas de Plenário ao Substitutivo de Plenário do Projeto de Lei nº 4.376/93, resultante da incorporação de várias emendas e sugestões apresentadas ao deputado Oswaldo Biolchi (PMDB-RS), relator da proposição legislativa em questão, e que não constava da redação original do Projeto de Lei, que, por sinal, extinguia o inquérito judicial.

 

Outras tentativas igualmente radicais, orientadas no sentido de garantir ao falido o mais amplo direito de defesa, também foram rejeitadas durante a tramitação do projeto da nova Lei de Quebras. Cite-se, por exemplo, emenda de autoria do deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA) que impunha a penalidade de “nulidade do procedimento” à ausência, pelo falido, de ciência das argüições contidas nos autos do inquérito judicial, e outra, também de sua lavra, que determinava que o falido fosse notificado para, querendo, apresentar manifestação escrita, no prazo de 48 horas, anteriormente ao recebimento ou rejeição da denúncia, a fim de se evitar “denúncias equivocadas”. É que, segundo o autor da emenda, “a denúncia pode não ser processualmente relevante, mas para os empresários de boa-fé, é muito importante, significando que serão processados criminalmente e que deverão contratar advogados criminalistas”.

 

Parece-nos claro, todavia, que ao impor a necessidade de notificação do falido, o Projeto Biolchi, embora não o diga textualmente, dá nítido caráter de prejudicialidade a eventuais vícios e irregularidades que porventura ocorram no âmbito do procedimento prévio do inquérito judicial, elidindo de vez a interpretação equivocada - e cada vez mais ultrapassada - de que sua omissão não afeta a validade da instrução do processo penal falimentar.

 

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* Advogado do escritório Aldo de Campos Costa - Advogados

 

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