Migalhas de Peso

A lição que não aprendemos

Quando houver a plena conscientização de “que dinheiro não se come”, como assevera o Greenpeace, poderemos voltar a viver com rios de peixes ao invés de rios de lama.

7/2/2019

Mais uma barragem rompida, mais um acidente previsível e evitável.

Há consenso de que a punição deve ser mais severa e a fiscalização mais rigorosa. A dúvida que paira é: como é possível, depois de Mariana, passar pelo mesmo cenário triste e tenebroso?

A resposta seria a ausência de cultura de prevenção e principalmente ausência de transparência e eficiência tanto na esfera pública, quanto na particular.

Depois do que vivenciamos nos últimos anos não é crível cogitar o afrouxamento de legislação ambiental e descurar de sua efetiva proteção. É imprescindível o investimento maciço em qualificação de servidores públicos e em tecnologia de forma a monitorar nossas reservas naturais. Os particulares também se inserem nesse dever, na medida em que, nos termos da Constituição Federal, a todos incumbe à proteção ao meio ambiente de modo a possibilitar uma existência digna.

Quando a Constituição assegura que é dever de todos a preservação do meio ambiente, não se pode desconsiderar sua imediata conexão com a dimensão dos direitos humanos. As necessidades do ser humano estão em constante mutação e aperfeiçoar o mecanismo de como satisfaze-las, sem prejuízo da natureza, deve ser a preocupação constante da sociedade e de seus dirigentes.

Em que pese à existência de restrições orçamentárias, investir na prevenção de danos ao meio ambiente é crucial se quisermos nos manter vivos.

Neste cenário também vale investir de forma efetiva em educação ambiental, já considerada política pública, de forma a criar uma sociedade apta a questionar empresas sem propostas sustentáveis e sem comprometimento com a legislação ambiental.

No caso específico das mineradoras percebeu-se a falta de comprometimento em diminuir margem de lucro para adoção de sistemas mais seguros e menos danosos ao meio ambiente.

Como bem explicitado na Conferência de Estocolmo em 1972 o homem tem direito à igualdade, liberdade e condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade.

A lei 9765/99 foi um marco importante ao estabelecer que a educação ambiental seria o processo por meio do qual o indivíduo e a coletividade construiriam mecanismos voltados à conservação do meio ambiente. Nesta esteira empresas, universidades e sociedade em geral devem buscar aproximação com o fulcro de implementar as melhores práticas.

Em 2003 na Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente surgiu a ideia de criação dos Coletivos Jovens de Meio Ambiente. Os Coletivos, como seu próprio manual orientador preceitua, buscam engajar jovens junto às questões ambientais.

É interessante pontuar os princípios adotados: Jovem Educa Jovem e o Jovem Escolhe Jovem, princípios que enfatizam o papel de destaque do jovem como sujeito social. Contudo, fica evidente que a intenção não é isolar os jovens em suas faixas etárias e sim criar parcerias com organizações e pessoas de diferentes gerações como forma de enriquecer o debate.

A ideia dos coletivos é trabalhar com boa estrutura e núcleos de ações como: mobilização; articulação; elaboração de projetos, formação e estudos, dentre outros. O coletivo é certamente uma forma de mobilização entre os jovens.

Recentemente tive o prazer de conhecer o Reconectta, definido em seu site como negócio social que nasceu para contribuir com a construção de um mundo mais sustentável e justo. O trabalho consiste na criação de programas institucionais para escolas e empresas; formações especializadas; projetos e oficinas com alunos; palestras e workshops.

A ideia é educar, repensar formas de consumo, conscientizar que os desafios são complexos e principalmente provar que a Educação Ambiental não é utopia e pode ser introduzida em nosso cotidiano.

Para educação básica, por exemplo, o Reconectta cria cursos, atividades e projetos baseados em premissas como: construção de tecnologias ambientais na prática; práticas modernas para solucionar problemas reais da escola e desenvolvimento dos valores de sustentabilidade por meio de jogos.

Os exemplos existem e ajudam a fomentar ideias inovadoras para problemas antigos e corriqueiros. A sociedade pode e deve de forma proativa apresentar soluções para evitar que desastres aconteçam.

A administração pública tem papel relevante na prevenção de danos; seja na execução das leis, seja como fiscalizadora de atividades dos particulares que possam causar danos a pessoas e/ou ao meio ambiente; e, principalmente, deve atuar de forma a não aprovar projetos complexos em tempo recorde, nem ser ineficiente e morosa de forma a inviabilizar a atuação de grandes empresas.

A atuação efetiva e eficaz do Estado é fundamental para evitar acidentes tal como o ocorrido em Brumadinho e, anteriormente, como o de Mariana. Inequívoca a responsabilidade da pessoa jurídica, atuante nessas duas situações, por ação ou omissão; e, apurados os fatos e suas causas, deve resultar punição exemplar, de modo a, minimamente, reparar perdas humanas e danos materiais.

Princípios como legalidade, moralidade, eficiência se tornam vetores para agentes atuarem de forma proba, ética e satisfatória, no sentido de apuração dos fatos e dos responsáveis.

No contexto de proteção ambiental, punir pode representar fator primordial para que se opte pelo respeito ao meio ambiente e consequentemente para uma vida digna. O lucro em si não é condenável, apenas não pode se tornar o único objetivo a ser buscado. Por outro lado, a multa perderá protagonismo quando toda a sociedade se conscientizar de que a preservação do meio ambiente é um caminho sem volta.

E finalmente, quando houver a plena conscientização de “que dinheiro não se come”, como assevera o Greenpeace, poderemos voltar a viver com rios de peixes ao invés de rios de lama.

Que esta tragédia possa servir como um alerta para todos: Estado, sociedade e empresas no sentido de que precisamos mudar nossa cultura, nossa visão de mundo e principalmente nossa maneira de preservar o meio ambiente; e que passemos a encará-lo como um bem indispensável à vida.

E sempre vale lembrar menos lucro e mais sustentabilidade.

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*Ana Carolina Goffi Flaquer Scartezzini é advogada e economista sócia do Goffi Scartezzini Advogados Associados.

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