O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, fundação pública federal vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, publicou no final de 2018 uma ampla pesquisa sobre a estrutura do funcionalismo público no Brasil. Intitulada “Uma Análise Multidimensional da Burocracia Pública Brasileira em Duas Décadas (1995-2016)”, a referida pesquisa foi composta por informações extraídas do “Atlas do Estado Brasileiro” – plataforma de dados integrados sobre o funcionalismo público, em seus três níveis federativos (federal, estadual e municipal) e dos três Poderes (executivo, legislativo e judiciário) – desenvolvida pelo Ipea, sob a coordenação da Diretoria de Estudos e Políticas sobre o Estado, Instituições e Democracia (Diest).
O objetivo do presente artigo, visa destacar importantes dados apresentados na pesquisa realizadas pelos técnicos de planejamento do Diest/Ipea – Felix Garcia Lopez e Erivelton Pires Guedes – os quais conseguiram de maneira simples, desenhar um histórico do funcionalismo público nos últimos 20 anos.
Inicialmente, importante consignar que as informações utilizadas na referida pesquisa, são dados extraídos e compilados de fontes originais dos respectivos governos, o que por si só solidifica e qualifica estruturalmente um melhor debate público sobre a máquina do Estado.
O ponto de partida para o aprofundamento da análise global do funcionalismo público brasileiro se dá com o número de 11 milhões e 500 mil vínculos públicos (civis e militares) – neste caso não seria correto falar em número de pessoas que ocupam cargos públicos no país, uma vez que uma pessoa pode ter mais de um vínculo (Constituição Federal, artigo 37, inciso XVII) – no ano de 2016, ou seja, considerando que no ano de 1995, existiam um pouco mais de 6 milhões e 200 mil vínculos, o número total no funcionalismo público nos últimos 20 anos, observando que os trabalhadores de empresas estatais e de capital misto não integram esta soma, cresceu aproximadamente 83%, gerando um custo aproximado de 725 milhões de reais aos cofres públicos das três esferas no ano de 2017, valor que representa 10,7% do PIB.
As despesas do governo federal com os servidores ativos em 2004 era de 106 bilhões de reais, o que representava há época 2,6% do PIB, passando no ano de 2017 para 177 bilhões de reais, equivalente a 2,7% do PIB. Os referidos números se comparados percentualmente com a receita líquida arrecadada pela União, pulou de 19,5% para 24% da arrecadação.
Utilizando a mesma base de comparação, os Estados tiveram um aumento de despesas com servidores ativos no importe de 55%, saindo dos 184 bilhões de reais no ano de 2004, para 287 bilhões de reais, em 2017. De acordo com a pesquisa do Ipea, o crescimento real das despesas dos Estados não está vinculado ao aumento da contratação de novos servidores, mas sim pela elevação dos salários. Neste ponto, importante frisar que esta análise leva em consideração a somatória de todos os Estados.
De acordo com o estudo do Ipea, o grande destaque se dá aos municípios, onde em 2006 tinham uma despesa de 143 bilhões de reais, passando para 257 bilhões de reais, no ano de 2017, ou seja, um aumento de 78% com despesas de servidores. Diferentemente do ocorrido nos estados, os municípios tiveram crescimento no número de servidores, bem como o aumento da remuneração média, passando de 2 mil para 3 mil reais.
Neste aspecto, podemos pontuar que o funcionalismo municipal obteve um grande destaque, chegando praticamente a igualar ao número geral de empregados formais do setor privado, onde no mesmo período, através de dados do Ministério do Trabalho (recentemente extinto), subiu de 27,1 milhões para 55,12 milhões de empregados.
Importante destacar que este expressivo aumento de servidores municipais tem como base a solidificação do papel dos municípios trazidos na Constituição Federal de 1988, principalmente no que se refere aos setores da educação, saúde e assistência social, bem como a ampliação de novos municípios, onde segundo o próprio relatório do Ipea, houve um aumento de 35%, ou seja, entre 1985 e 2003 foram criados oficialmente 1.456 novos municípios no país.
Em números reais de vínculos públicos, o funcionalismo municipal teve um aumento de 175% em duas décadas, passando de 2,4 milhões em 1995, para 6,5 milhões no ano de 2016. Assim, a representação dos funcionários públicos municipais do país subiu de 38% para 57% em 20 anos, ou seja, os municípios foram responsáveis pela maior expansão geral do setor público, tanto em números absolutos quanto proporcionais.
Nos estados, os vínculos no setor público cresceram 28%, passando de 2,9 milhões, em 1995, para 3,7 milhões no ano de 2016. Em contrapartida a participação no total de servidores do país passou de 47% para 33%, índices que certamente representam a descentralização de serviços repassados ou assumidos pelos municípios.
Junto ao governo federal nos últimos 20 anos, o serviço público (civil e militar) teve o menor aumento em comparação as três esferas, crescendo apenas 25%, ou seja, entre 1995 e 2016, passou de 950 mil para 1,2 milhões de vínculos, número que demonstra uma redução de 15% para 10% do total do funcionalismo público do país.
No entanto, embora funcionalismo federal tenha atualmente a menor representação de servidores públicos, em contrapartida possuem a maior média de remuneração, passando de 6,5 mil para 8,1 mil reais, entre os anos de 2007 e 2016. Quando excluídos os militares, esta remuneração se amplia ainda mais, passado para 10,2 mil reais em 2016. Junto ao funcionalismo público estadual, o valor médio de remuneração passou de 3,5 mil para 5 mil reais no mesmo período.
Dentro da análise da pesquisa do Ipea, outro ponto que merece destaque se refere a concentração das maiores remunerações. O Poder Judiciário possui os melhores salários em todas as esferas, no entanto, o Judiciário Federal teve uma queda de 16,6 mil para 15,8 mil reais, entre os anos de 2007 a 2016, diferentemente do Judiciário Estadual que na média geral passou de 9,3 mil para 12 mil reais no mesmo período.
Em relação ao Executivo e ao Legislativo federais, se comparados ao Judiciário acima destacado, recebem respectivamente o equivalente a 50% e 90% do valor médio, ou seja, o Executivo federal recebe praticamente a metade do valor pago aos servidores do Poder Judiciário. De forma similar também ocorre no âmbito estadual, entre 2007 e 2016, o Executivo estadual representava o recebimento do valor médio de 40% do Judiciário e 51% dos valores pagos aos servidores do Legislativo.
O referido estudo também trouxe um ponto negativo bastante curioso: a desigualdade de gênero no serviço público. O primeiro estranhamento em se identificar diferença de remuneração entre homens e mulheres dentro do serviço público se dá primeiramente pela forma de igualdade de ingresso por meio de concurso público, onde pontualmente a remuneração não se distingue entre gênero, ou seja, tanto homens quanto mulheres concorrem a cargos de mesmo salário. A segunda questão que em princípio traz estranheza, se refere a própria representação geral das mulheres dentro do funcionalismo público, ocupando expressiva maioria.
De acordo com o estudo do Ipea, embora a desigualdade entre os gêneros dentro do serviço público exista, se comparada a diferença existente junto ao setor privado, esta desigualdade se mostra bem inferior, e com claro indicativo de redução ao longo dos anos, onde no período da pesquisa houve redução de 22% para aproximadamente 13% entre a diferença de salários entre homens e mulheres.
A principal justificativa para esta diferença, principalmente se considerarmos que as mulheres ocupam a maior parcela dentro do funcionalismo público, provavelmente, se deve a ocupação de cargos e funções com vencimentos inferiores aos homens. Importante destacar que esta diferença da remuneração média está em todos os níveis dos três poderes, inclusive quando excluídos do cômputo os militares, que possuem predominância masculina.
A pesquisa do Ipea também aponta um considerável aumento do nível escolar dos servidores públicos, em todas as esferas, nas últimas duas décadas. Neste período, servidores com nível superior completo ou pós-graduação, no funcionalismo federal, passou de 45% para 78%. Nos estados, o número passou de 28% para 60%, e nos municípios de 19% para 38%.
Este cenário da elevação da escolaridade do funcionalismo público, reflete uma nova tendência junto a administração pública, que fundamentada pela maior qualificação e especialização dos profissionais públicos, tende a terceirizar funções de menor complexidade técnica, que consequentemente possuem menores remunerações.
A forma de contratação também vem sofrendo forte alteração ao longo das últimas duas décadas, trazendo um aumento linear sobre os vínculos estatutários (regidos por estatuto próprio), subindo de 76% para 88%, em reflexo direto decorrente de acentuada redução dos vínculos celetistas, que passaram de 23% para 5% no total dos cargos públicos.
Neste ponto, considerando os principais dados extraídos da pesquisa do Ipea, podemos concluir que nenhuma somatória ou índices apresentados, podem ser lidos ou vistos individualmente e muito menos dissociados de toda realidade brasileira.
Se partirmos para uma análise isolada sobre a informação que nos últimos 20 anos o serviço público teve um aumento de 83% de vínculos, não estaríamos considerando que ao longo das mesmas duas décadas também houve significativo aumento da população nacional.
De acordo com a última estimativa apresentada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em julho de 2018, a população brasileira cresceu 21% entre 2001 e 2017, passando de 172,3 milhões, para 208,5 milhões de habitantes.
Neste sentido, não podemos entender que o serviço público se encontra “inchado”, pois com uma soma que ultrapassa 200 milhões de habitantes no país, significa que a cada dia a população necessita cada vez mais de serviços básicos, como segurança, saúde e educação. Apenas estas três áreas do funcionalismo público, representa aproximadamente 60% de todo serviço público.
Assim, resta claro que o puro aumento da sociedade representa o evidente crescimento da procura por serviços públicos. Em contrapartida, é notória a existência de uma política pública voltada para o “encolhimento do Estado”, que automaticamente reflete sobre a eficiência dos serviços prestados para a população.
Para o público geral, salvo raras exceções, a sensação de ineficiência é praticamente unânime quando se compara impostos pagos e efetivo retorno dos serviços prestados por toda administração pública.
De outro lado, muito embora os índices de evolução demonstrem um aumento geral de rendimentos para servidores, é claramente sabido que o aumento médio dos vencimentos, não representam reajustes reais, em comparação com os índices de inflação do país.
Sem dúvida uma restruturação do serviço público é necessária, mas sem esquecer que a melhora geral só se dará se efetivamente houver total equilíbrio nas pontas do “triângulo”: qualidade – quantidade – remuneração, ou seja, prestar um serviço público de excelência, capaz de atender as necessidades de toda a população, mediante um reconhecimento financeiro justo aos servidores públicos. Este sim será o remédio para a efetiva eficiência do serviço público!
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