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Contingenciar ou não contingenciar, eis a questão?

É tentador ao administrador, sobretudo no início de sua administração, provisionar todas as contingências da administração passada, produzindo efeitos negativos no resultado da companhia daquele período. No exercício seguinte, já sob sua “cuidadosa” supervisão, revê os provisionamentos, “melhorando” os resultados e recebendo bônus em função destes.

16/1/2019

Em tempos de encerramento do ano e início do período de preparação das demonstrações financeiras, surge um dos aspectos vitais para os administradores: estabelecer os critérios e os montantes das contingências judiciais e extrajudiciais. Aqui é relevante relembrar que a essência deve ser prevalecente nas decisões sobre o tema.

Duas pesquisas recentes da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP mostraram que as companhias abertas brasileiras são campeãs mundiais, em termos proporcionais, de contingências originadas de disputas administrativas ou judiciais em todo o mundo, mesmo diante do fato de que tais provisões são “pequenas”. Somadas, as contingências provisionadas e não-provisionadas das companhias brasileiras com valores mobiliários listados nas bolsas americanas representavam mais que o dobro (32%) da média (15%) de outras empresas de 14 países também listadas nos Estados Unidos. Na comparação das 50 maiores empresas brasileiras e francesas, a pesquisa constatou que na França cerca de 87% das contingências estão provisionadas nas demonstrações financeiras das companhias. Por aqui, o percentual é de apenas 21%. Isso significa que 79% das contingências apenas são informadas em notas explicativas.

Ocorre que, a rigor, desde 2010, a discricionariedade do administrador em relação à provisão (ou não) de uma contingência está limitada pelo padrão contábil voluntariamente adotado pelo Brasil, no caso, o IFRS – International Financial Reporting Standards. Segundo tal norma, se a probabilidade de perda da demanda judicial ou extrajudicial é “provável”, a provisão deve ser feita. Isso nem sempre ocorre. Muitas são as razões para o “não-provisionamento”, desde a tão conhecida complexidade e demora do nosso Judiciário até em função das decisões antagônicas das cortes e árbitros em casos semelhantes, bem como, devido ao próprio posicionamento da empresa/administrador de não desejar provisionar, em geral, porque leva em consideração os efeitos sobre os resultados. O IFRS admite o não-provisionamento quando não for possível mensurar com suficiente confiabilidade o valor da obrigação ou, ainda, nas hipóteses (“extremamente raras”, segunda à norma) de que a divulgação prejudique à companhia em alguma disputa com outras partes, o que deve ser devidamente justificado.

As demonstrações financeiras são fundamentais para stakeholders das empresas. Elas servem, dentre tantas funções, de informação primária para investidores, credores, fornecedores ou instituições financeiras avaliarem o grau de endividamento, capacidade de pagamento ou de geração de caixa, cumprimento de garantias contratuais de empréstimos e financiamentos (os denominados covenants). Também para a apuração, por exemplo, dos tributos a serem recolhidos aos cofres públicos ou o retorno gerado aos seus acionistas e, em última análise, a capacidade das empresas para gerarem lucro.

É tentador ao administrador, sobretudo no início de sua administração, provisionar todas as contingências da administração passada, produzindo efeitos negativos no resultado da companhia daquele período. No exercício seguinte, já sob sua “cuidadosa” supervisão, revê os provisionamentos, “melhorando” os resultados e recebendo bônus em função destes. Não que à revisão das provisões seja proibida ou ilegal. Ao contrário, ela deve ser feita a cada balanço, como forma de fazer com que as demonstrações financeiras possam de fato, atingir seu principal objetivo, que é a de permitir aos seus usuários entender a real situação financeira de uma companhia. É justamente aqui que reside o perigo no que se refere ao provisionamento ou não das contingências.

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*Francisco Petros é sócio do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados responsável pelas áreas de Direito societário, mercado de capitais e governança corporativa.

*Marcus Swenson de Lima é advogado do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados atua nas áreas de Direito societário, contratos e imobiliário.

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