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Impacto no Brasil da guerra comercial entre EUA e China no setor de tecnologia, internet e telecomunicações

É o momento de boas práticas de negociação internacional, com o melhor da diplomacia brasileira, e a sabedoria na escolha do caminho do meio; navegando-se entre correntes econômicas, políticas e culturais diferentes. Para além da questão liderança econômica e comercial, está em jogo o futuro das comunicações do planeta: as infraestruturas globais de telecomunicações e internet.

20/12/2018

A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China tem forte impacto nos mercados de fornecimento de equipamentos de rede de telecomunicações e tecnologia e informação e de comunicação. A disputa afeta a cadeia global de suprimento de tecnologia e telecom do mundo. No Brasil, a Huwaei tem forte presença no setor de infraestrutura de rede de telecomunicações, razão para se mostrar as possíveis consequências da disputa comercial entre os líderes mundiais aqui no país. Em questão, a comercialização de equipamentos de redes de telecomunicações (como chips, servidores, roteadores, terminais, etc) pela empresa chinesa.

Foram feitas sérias acusações por autoridades dos Estados Unidos em relação às práticas por empresas chinesas de espionagem de dados, furto de propriedade intelectual, venda ilegal de produtos para o Irã, violando sanções econômicas contra este país, entre outras. Como consequência, os Estados Unidos resolveu proibir compras governamentais dos produtos da Huawei.

Segundo a inteligência norte-americana os equipamentos da empresa Huawei poderiam conter sistemas de espionagem de dados (por backdoords). Assim, foi utilizada a lei de Autorização de Defesa Nacional de 2018 (National Defense Authorization Act para o ano fiscal de 2019), sob o argumento de riscos à segurança nacional. Esta lei tem diretrizes para o governo americano em relação às medidas a serem adotadas em diversos setores em relação à China. Há regras quanto às compras governamentais dos Estados Unidos, bem como das medidas de segurança em relação aos produtos tecnológicos, diante dos riscos de ataques cibernéticos. Alega-se, também, a ligação da empresa com o governo chinês. A empresa chinesa nega todas as acusações, e afirma que não há provas das acusações pelas autoridades norte-americanas.

A Huawei é a empresa líder em projeto de semicondutores da China (é uma das maiores compradoras de componentes de tecnologia e semicondutores); é uma das maiores empresas deste país, com receitas anuais de, aproximadamente, US$ 92,5 bilhões de dólares.

A empresa de tecnologia tem projetos importantes para assumir a liderança mundial no mercado de inteligência artificial. O impasse ocorre em momento crucial para a realização de investimentos na construção da rede 5G em diversos países, básica em diversos setores econômicos, dentre entres, o mercado global de transporte.

Outra empresa chinesa alvo de sanções pelo governo norte-americano é a ZTE.

A mídia internacional recentemente noticiou a prisão da executiva da Huwaei, filha de um dos fundadores da empresa, por autoridades do Canadá, sob a alegação de violação ao boicote norte-americano ao Irã.

A prisão da executiva da companhia é, evidentemente, um precedente de elevados riscos para a comunidade empresarial internacional, inclusive riscos de retaliação pelas autoridades chinesas.

Segundo opinião de Jeffrey Sachs, em seu artigo Guerra a Huawei, publicado no Valor, na edição de 13/12/18: “Os EUA tentam atingir a Huawei principalmente devido ao sucesso da empresa na comercialização mundial de tecnologias 5G de ponta”. Segundo ainda a opinão dele: “As motivações dos EUA nessa guerra econômica são, em parte, comerciais – proteger e favorecer empresas americanas atrasadas, em parte, geopolíticas. Nada têm a ver, certamente, com a defesa do Estado de Direito internacional”.

Diversos países estão suspendendo contratos com a empresa Huwei quanto ao fornecimento de equipamentos de rede de telecomunicações.

Segundo notícias, Austrália proibiu a empresa de construir redes 5G. Nova Zelândia também teria adotado este caminho.

O Canadá está verificando os padrões de segurança adotados nos produtos da empresa.

No Reino Unido, a empresa britânica de telecomunicações está retirando certos aparelhos da empresa do sistema central de operações móveis nas tecnologias 3G e 4G. No núcleo central do sistema de telecomunicações não seria adotado os produtos da Huawei.

O Japão expediu recomendação para os setores público e privado quanto aos padrões de segurança dos equipamentos de telecomunicações utilizados em infraestruturas de diversos setores.

Em debate, a liderança política e econômica mundial na disputa EUA v. China. Esta disputa pela liderança tem sérios reflexos no Brasil, em diversos mercados, desde infraestruturas de rede de telecomunicações e o futuro da tecnologia 5G, nos serviços de internet móvel.

O que o Brasil pode aprender com este conflito?

Primeiro, a necessidade de se estabelecer regras claras e precisas quanto aos padrões de segurança de equipamentos de telecomunicações.

Segundo, a aliança do Brasil com apenas com um dos países em disputa pode provocar consequências políticas e econômicas. A aproximação apenas em relação a um dos líderes pode comprometer a relação econômica e diplomática com o outro.

Terceiro, o Brasil não domina a tecnologia no setor de telecomunicações, ao contrário é obrigado a comprar esta tecnologia no mercado global; vendemos grãos para a China, mas compramos equipamentos de telecomunicações da China (smartphone são produzidos lá). O Brasil é o quarto maior consumidor de smartphones do mundo.

Quarto, o Brasil está dependente dos Estados Unidos em matéria de fluxo das comunicações. A maior parte das comunicações brasileiras atravessam pelos Estados Unidos, por satélites e cabos submarinos. Além disto, o sistema de comunicações por satélite, baseado no GPS, é de domínio dos Estados Unidos.

Quinto, sem dúvida alguma, o setor de telecomunicações é de interesse estratégico nacional. Mas, o motivo dos padrões de segurança em equipamentos, roteadores, servidores e terminais não podem servir como pretexto para impedir a competição internacional. Aqui, é preciso distinguir entre os equipamentos adotados pelo setor público (o que possivelmente justificaria medidas de restrições aos fornecedores por razões de segurança nacional ), em relação àqueles adotados pelo setor privado (daí apenas razões de segurança cibernética). A princípio, a questão da segurança na proteção de dados é comum tanto ao setor governamental, quanto ao setor privado. Mas, existem diferenças significativas em relação a prioridades de cada um.

Sexto, o país não está preparado para o cenário futuro das infraestruturas de redes de telecomunicações, na tecnologia 5G. O Brasil ainda está por definir o modelo regulatório do 5G, com o padrão de frequências e padrões de segurança dos equipamentos, servidores e terminais.

A guerra comercial no setor de tecnologia, inclusive com agressões aos princípios elementares do direito internacional, bem como de negação das boas práticas de negociação internacional, mediadas pela diplomacia. Sanções unilaterais dos EUA à empresa chinesa (proibir que empresa estrangeira comercialize com outros países), não deveriam ser fiscalizadas pelo próprio país que emitiu a proibição, mas sim pela comunidade internacional, à luz de seus tratados definidos no Conselho de Segurança da ONU. Se perigoso prevalecer este precedente, a China também ou qualquer outro país pode impor às companhias americanas com quem negociar ou deixar de negociar, como diz Jeffrey Sachs.

A decisão do Brasil no sentido de apenas priorizar um dos parceiros comerciais, um dos líderes no setor de tecnologia e telecomunicações, tem consequências no mercado interno para empresas e consumidores. É o momento de boas práticas de negociação internacional, com o melhor da diplomacia brasileira, e a sabedoria na escolha do caminho do meio; navegando-se entre correntes econômicas, políticas e culturais diferentes. Para além da questão liderança econômica e comercial, está em jogo o futuro das comunicações do planeta: as infraestruturas globais de telecomunicações e internet.

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*Ericson M. Scorsim é advogado, consultor em Direito Público e sócio do escritório Meister Scorsim Advocacia.

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