No período de vacatio do Código de Processo Civil de 2015, o primeiro autor deste trabalho publicou um breve artigo no Migalhas intitulado "Alegação de convenção de arbitragem no novo CPC"1, no qual expôs a sua preocupação com a alteração realizada de última hora na tramitação do projeto do CPC que acabou excluindo o mecanismo da "exceção de arbitragem", que permitiria aos juízes extinguir processos indevidamente ajuizados perante autoridades judiciárias no seu nascedouro.
A preocupação decorria – e ainda decorre – do fato de o CPC/15 estabelecer no art. 337, inciso X, que a existência de convenção de arbitragem deve ser suscitada na contestação, cujo prazo para apresentação, a rigor, somente se inicia a partir da realização infrutífera da audiência de mediação/conciliação (art. 335).
Isso significa que o réu, mesmo diante da realidade de que os pedidos formulados pelo autor estão abrangidos por convenção de arbitragem, teria que aguardar a designação e frustração da audiência de mediação/conciliação para somente após esta etapa arguir a existência da convenção de arbitragem e, assim, obter a extinção do processo judicial sem a resolução do mérito. Além disso, como o réu precisa alegar a existência do pacto arbitral na contestação, ele teria que, na mesma peça, em atenção ao princípio da concentração da defesa, adiantar toda a matéria relacionada ao mérito da causa, apesar da certeza de que o mérito daquela demanda será julgado por um tribunal arbitral.
Em razão desse contrassenso e considerando o caminho já trilhado no âmbito do processo executivo pela exceção de pré-executividade – mecanismo criado pela doutrina e consagrado na jurisprudência –, foi sugerida naquele artigo a adoção da exceção de pré-conhecimento fundada na existência de convenção de arbitragem. Esse instrumento permitiria ao juiz – impossibilitado de conhecer de ofício da existência de convenção de arbitragem por se tratar de direito disponível – julgar extinto o processo sem exame do mérito a partir da exceção oposta.
A realidade verificada após o início da vigência do CPC/15 somente vem confirmando a necessidade de a doutrina e a jurisprudência chancelarem a utilização de um mecanismo que permita à parte alegar a existência de convenção arbitral de forma antecedente e prejudicial ao oferecimento da contestação. Isso porque, em razão da ausência de previsão expressa de um mecanismo específico, as partes têm se valido de artifícios processuais para, nos casos concretos, obter por vias oblíquas os mesmos efeitos que seriam alcançados com a "exceção de arbitragem".
Recentemente, a comunidade jurídica teve acesso à sentença proferida pela magistrada da 6ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, que julgou extinta, sem resolução de mérito, ação civil pública ("ACP") proposta pela Associação dos Investidores Minoritários – AIDMIN contra a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, em razão da existência de cláusula compromissória arbitral no estatuto social da companhia2.
O interessante neste caso é que, com o objetivo de provocar o Poder Judiciário a apreciar a existência de convenção de arbitragem antes do oferecimento da contestação, a Petrobras ajuizou ação declaratória, por dependência à ACP, postulando (i) como pedido principal, o reconhecimento da validade da cláusula compromissória prevista em seu estatuto social e sua oponibilidade à AIDMIN e a seus associados e, (ii) em sede de tutela provisória, a suspensão liminar da ACP.
A magistrada, então, deferiu o pedido de tutela provisória para suspender o trâmite da ACP e, posteriormente, proferiu sentença julgando procedente a ação declaratória ajuizada pela Petrobras para declarar a validade da cláusula compromissória prevista no art. 58 de seu estatuto social, bem como sua aplicabilidade à pretensão aduzida pela associação na ACP, a qual, por sua vez, foi julgada extinta sem análise de mérito, nos termos do art. 485, inciso VII, do CPC/15.
Note-se que, em sede de contestação, a AIDMIN requereu a extinção da ação declaratória sem análise do mérito por falta de interesse processual, sob a alegação de que a existência de convenção de arbitragem constituiria matéria exclusiva de preliminar de contestação, nos termos do art. 337, inciso X, do CPC/15. No entanto, a magistrada concluiu que "apesar da possibilidade de arguir-se a convenção de arbitragem como preliminar na contestação, tal como dispõe o art. 337, inciso X, do Código de Processo Civil, nada impede que a matéria seja suscitada em ação própria de forma mais abrangente pelo interessado, vislumbrando-se o interesse de agir".
Hipótese similar à da ação declaratória ocorre quando o réu, para evitar o enfrentamento do mérito da controvérsia na ação judicial, instaura procedimento arbitral formulando pedido de tutela de urgência para que o árbitro ou o tribunal arbitral reconheça a sua jurisdição para apreciar e julgar a controvérsia com base no princípio Kompetenz-Kompetenz (art. 8º, parágrafo único, da lei 9.307/96). Esse reconhecimento terá como efeito a extinção do processo judicial, na medida em que a segunda parte do inciso VII do art. 485 do CPC/15 estabelece que "o juiz não resolverá o mérito quando (...) VII - acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência".
Essas soluções alternativas, apesar de poderem produzir os efeitos pretendidos, certamente não configuram os instrumentos mais adequados sob o ponto de vista da economia processual e da duração razoável do processo – princípios estruturais do CPC/15. Não se afigura razoável exigir-se a distribuição de uma nova ação judicial pelo réu (ou a instauração de um procedimento arbitral) apenas para que uma questão preliminar e prejudicial ao prosseguimento da ação judicial seja analisada pelo Poder Judiciário antes do oferecimento da contestação.
Por essa razão é que reiteramos o nosso entendimento no sentido de que o mecanismo mais adequado é o da exceção de pré-conhecimento fundada na existência de convenção de arbitragem, pois, diante do ajuizamento de uma demanda judicial cujo objeto esteja abrangido por cláusula compromissória, o réu poderá apresentar simples petição requerendo a extinção do processo judicial sem resolução do mérito, na forma da primeira parte do inciso VII do art. 485 do CPC/15.
Esta petição seria apresentada no interregno entre a citação do réu e o término do prazo para apresentação de contestação, devendo o réu comprovar a existência da convenção de arbitragem e que o objeto da demanda judicial está dentro de seu espectro de eficácia. O autor, em resposta, poderá alegar algum vício do pacto arbitral ou que o objeto do litígio não está abrangido pelo negócio jurídico de arbitragem celebrado entre as partes.
Mas há outra alternativa para evitar o problema totalmente dentro do controle das partes, ainda que no plano do exercício da sua liberdade de contratar. Nas convenções de arbitragens que ainda possam ser redigidas (ou estejam sujeitas a negociação ou renegociação entre as partes), uma estratégia eficaz para eliminar as consequências indesejáveis do procedimento literal previsto no CPC/15 é o estabelecimento, já na convenção de arbitragem, de negócio jurídico processual criando a possibilidade de se alegar a existência da convenção de arbitragem por simples petição, antes do prazo de apresentação da contestação, sem prejuízo da eventual apresentação do restante da matéria de defesa na peça contestatória, caso necessário.
Essa ideia foi, inclusive, defendida pelo primeiro autor deste artigo no 17º Congresso Internacional de Arbitragem, realizado entre 16 e 18 de setembro deste ano, em Salvador, Bahia, organizado pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAR), no qual participou como moderador de um dos painéis. Também foi objeto de um artigo intitulado "Alegação da convenção de arbitragem, negócio jurídico processual e princípio da competência-competência na arbitragem comercial brasileira", elaborado em coautoria com Sergio Mannheimer e Andre Monteiro, ainda pendente de publicação, o qual tem como anexo uma proposta de convenção de arbitragem contendo negócio jurídico processual relacionado à alegação do pacto arbitral perante o Poder Judiciário.
De toda forma, entendemos que a alegação de convenção de arbitragem pode ser feita por simples petição, independentemente da celebração de negócio jurídico processual pelas partes ou de alteração legislativa, especialmente porque constitui um mecanismo compatível com os princípios do ordenamento processual em vigor e capaz de viabilizar o encerramento de ações natimortas de maneira eficaz, evitando-se o prolongamento desnecessário do trâmite processual e, ainda, a propositura de novas ações que tenham por objeto exclusivamente a apreciação dessa questão preliminar.
Dividimos, assim, com a comunidade jurídica brasileira, duas alternativas para a solução do indesejável problema, aqui retratado. A primeira, de natureza contratual, consistente na alteração das convenções de arbitragem, para nelas incluir verdadeiro negócio jurídico processual, permitindo a alegação da sua existência através de petição descolada da contestação. A segunda, de natureza processual, a partir do manejo da exceção de existência de convenção de arbitragem. A vantagem da primeira sobre a segunda certamente reside na segurança jurídica do seu manejo, a partir da alargada latitude dada pela lei às partes para negociarem e contratarem sobre procedimento. A segunda ainda necessita, certamente, ser prestigiada pela jurisprudência.
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1 Alegação de convenção de arbitragem no novo CPC.
2 Juíza extingue tentativa de acionistas minoritários de replicar "class action" contra a Petrobras.
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