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O registro na Junta Comercial e as sessões de terapia: convivendo com a burocracia societária

O custo financeiro da burocracia é outro fator a ser levado em consideração.

11/9/2018

Você sabia que um estrangeiro que não mora no Brasil pode integrar o conselho de administração de uma sociedade anônima ("companhia"), de modo a gerir os negócios da companhia mesmo à distância?

 

Sim, para isso basta constituir um representante que mora do país. O documento de nomeação desta pessoa é uma procuração. Simples, não é?

 

Sim, juridicamente simples, pois pela legislação societária bastaria prever que o representante tem poderes para receber citações em ações judiciais que eventualmente possam ser propostas no país buscando responsabilizar o conselheiro por seus atos durante o mandato e nos 3 anos posteriores ao término da gestão (afinal, pode ser que os atos prejudiciais aos negócios da companhia venham a ser descobertos somente após o término do mandato).

 

Mas se por um lado é juridicamente simples, de outro, é operacionalmente burocrático e psicologicamente traumático, pois 99% das vezes a procuração é lavrada no exterior, de forma particular e em língua estrangeira de modo que para ter validade em nosso país é exigido que seja (a) "notarizada", (b) "apostilada", (c) traduzida, (d) registrada em cartório e finalmente (e) averbada na Junta Comercial. É uma verdadeira via crucis a ser percorrida.

 

Primeiro, o notário, que é a autoridade pública do país do conselheiro estrangeiro, deve reconhecer sua "firma" (assinatura) na procuração. Geralmente o faz por meio de um carimbo no documento. Depois, haverá a emissão da chamada "apostila", que é o certificado de autenticidade emitido por outra autoridade local daquele país que agora irá certificar a origem do documento (basicamente, a assinatura e cargo do agente público que atestou a procuração, com o selo ou carimbo de instituição). A apostila costuma ser um enorme selo colado ou apensado ao documento.

 

Feito isso, o terceiro passo é encaminhar fisicamente a procuração para o Brasil.

 

Chegando aqui, deve ser traduzida para o português. Qualquer tradutor serve? Não. Precisa ser um tradutor juramentado, ou seja, um tradutor que foi aprovado em concurso público e devidamente matriculado pelas Juntas Comerciais para atuar em nome do Estado (por isso tem fé-pública).

 

Escolhido o profissional e finalizada a tradução, o quinto passo é reconhecer a firma do tradutor em cartório de notas. Isso mesmo. Apesar de ter fé-pública, ainda assim é necessário que um tabelião certifique a assinatura do intérprete na procuração por meio de um selo.

 

O sexto passo é agora registrar - tanto a via original como a tradução (ou seja, o "kit" completo) - em um cartório de títulos e documentos (CDT). Terminado o registro (o documento recebe um número de microfilme), o "kit" precisará ser finalmente levado a registro na Junta Comercial, acompanhado da ata da assembleia geral da companhia que aprovou a nomeação do conselheiro estrangeiro.

 

E quanto tempo leva isso? Com sorte, cerca de 3 semanas que geralmente são ocupadas por muitas sessões de terapia para suportar a agonia. Mas pode ser mais, dependendo da disponibilidade do conselheiro em assinar a procuração (geralmente alguém de alto escalão com diversas outras funções), da tramitação nos órgãos públicos estrangeiros, da forma de envio físico ao Brasil (por avião, navio ou terrestre), de feriados no meio do caminho, etc..

 

O custo financeiro da burocracia é outro fator a ser levado em consideração. Sem adentrar aos valores do notário e apostilamento no exterior (isso varia de cada país, mas também não costuma ser barato), aqui no Brasil o tradutor juramentado cobra seus honorários com base em tabela de emolumentos oficial (em SP, o valor estabelecido é de cerca de R$ 70 reais para cada 1.000 caracteres). O reconhecimento de firma, outros R$ 7 reais. O registro do kit no CDT mais cerca de R$ 110,00 reais. A autenticação do kit para averbação na Junta Comercial, outros R$ 150 reais. Fora o custo com portadores para deslocamento dos documentos (exterior para o Brasil; da companhia para o tradutor; do tradutor para o cartório de notas; deste para o CDT; daí para a Junta Comercial; e, por fim, de volta para a companhia manter arquivada no livro de atas), as taxas da Junta Comercial (cerca de 370,00 por ata) e, claro, os honorários do advogado, contador ou escritório de assessoria que atuou na tarefa.

 

Moroso e caro, certo? Mas nada comparado ao desgaste psicológico sofrido por aqueles que recebem esta missão.

 

Imagine percorrer a via crucis e, ao final, o registro sofrer exigência e ser indeferido porque, para o assessor técnico (ou vogal) da Junta Comercial, na tradução constou o termo "intimação", quando deveria constar "citação"? Ou porque na capa requerimento faltou ser indicado no formulário o ingresso de novo integrante?

 

Para o bem da saúde pública do Brasil, vamos só imaginar...

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*Marcos Martins é pós-graduado em Direito Tributário pela GVLaw e sócio do escritório Pallotta, Martins e Advogados.

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