A inteligência artificial é um ramo da informática que se tornou parte essencial da tecnologia, essa fatia do mercado tecnológico visa criar máquinas inteligentes. Sabe-se que a pesquisa associada a este tipo de inteligência é altamente técnica e especializada.
Os estudos de desenvolvimento de I.A incluem a programação de computadores para identificar determinados traços, como conhecimento, raciocínio, solução de problemas, percepção, aprendizagem, planejamento, capacidade de manipular, mover objetos e, também, a capacidade de, ao acumular todos esses traços, criar um algoritmo que identifica vontades e costumes que determinam a escolha do ser humano.
Ou seja, uma determinada máquina é programada, por meio de um software para utilizar a inteligência artificial, assim, é possível desenvolver a capacidade de decidir entre opções pré-estabelecidas, qual é a melhor. Estes traços vão criando padrões que podem ser linearizados pela máquina. A todo o momento que as maquinas adquirem mais informações, mais padrões são criados e elas ficam paulatinamente mais “inteligentes”.
Isso tudo é feito com base em bancos de dados, que são abastecidos por novas informações pelo próprio sistema, de forma constante. É possível dizer que a inteligência artificial faz com que as máquinas aprendam, na medida em que o banco de dados cresce, o que torna as decisões mais complexas e assertivas.
O uso dessa inteligência está cada vez mais difundido e sendo utilizado nos diversos aspectos da vida humana, um deles pode ser facilmente identificado quando o assunto é a relação de consumo.
A I.A é responsável por quase toda a indução e propagação de vendas graças ao completo banco de dados que possui, consegue até prever as vontades do consumidor, separando os produtos que vão “pipocar” nas telas do computador, smartphones e outros dispositivos.
Com o uso mais assertivo da inteligência artificial adentra-se em uma seara, na qual apenas parecemos totalmente conscientes de nossas escolhas e vontades, o que nos conduz para que surja uma espécie de Mansplaining por parte da Inteligência Artificial.
O termo mansplaining se refere ao ato de um homem quando quer ensinar a uma mulher algo que ela já sabe e demonstra claramente saber. Porém, ele insiste porque, no imaginário dele, uma mulher necessariamente não teria capacidade intelectual para compreender um determinado assunto ou até mesmos suas preferências, vontades, afinal, na ideia deste homem, é impossível que uma mulher saiba melhor do ele.
Ou seja, o termo Mansplaining é uma junção de man (homem) e explaining (explicar). Para as pesquisadoras Pâmela Caroline Stocker e Silvana Copetti Dalmaso, isso consiste em uma fala didática direcionada à mulher, como se ela não fosse capaz de compreender ou executar determinada tarefa, justamente por ser quem é. Elas acreditam que a verdadeira intenção do mansplaining é desmerecer e inferiorizar o conhecimento da mulher, desqualificando seus argumentos. “O mansplaining vale-se de tirar a confiança, autoridade e o respeito da mulher sobre o que está falando, além de tratá-la como inferior e menos capaz intelectualmente...”.1
No cenário atual, no qual a máquina acha que sabe – e por vezes de fato sabe - mais sobre um tópico do que o próprio ser humano, quando esta mesma máquina nos mostra as escolhas que devemos fazer, por serem as melhores, por economizarem a nossa energia e por nos pouparem de pensar, temos a possível figura de um A.Isplaining. Ou seja, podemos utilizar este termo quando a máquina demonstra que o seu conhecimento é superior ao do humano, mesmo no que concerne aos seus próprios desejos e vontades íntimas. É a simples junção da palavra Artificial Inteligence (A.I) com explaining (explicar).
Nesse momento, é preciso atentar-se para o fato de que o ser humano abre espaço para uma ascensão da máquina, mas, de forma inconsciente, a inteligência artificial passa ser utilizada no lugar da inteligência humana, sendo este substituído por aquele. Mas será que, de fato, já chegamos a este ponto?
É possível ponderar que ainda não nos encontramos em uma era do A.Isplaining por motivos que permeiam a ética, porém, os fatos nos mostram que estamos cada vez mais próximos desse cenário. É quando a indução passa a ser a única opção e tudo se encontra dentro de padrões pré-estabelecidos no qual sair desta caixa seria por demasiado perigoso.
Atualmente os softwares estão automatizando tarefas repetitivas, como é o caso do Victor, em processo de desenvolvimento por iniciativa STF ou de empresas, que utilizam para tarefas contábeis, de cobrança, pagamento e atendimento ao cliente. Esse bots2 escanceiam documentos, montam planilhas, conferem a assiduidade de clientes e fazem pagamentos. A tecnologia se aperfeiçoa, “aprende” à medida que avança, assim a IA. Mas isso vem “liberando” trabalhadores de tarefas cansativas ou extinguindo empregos?
A inteligência artificial aprende tarefas simples, aprende comportamento dos consumidores, aprende a medida que seu banco de dados informacional aumenta, aprende porque faz ligações lógicas entre comportamento e desejo, entre ações humanas e omissões. A I.A aprende porque observa passos, hábitos, padrões.
Porém, o A.Isplaining só é possível, como já relatado, porque a máquina possui uma gama enorme de informações sobre cada pessoa e lugar, assim, com essas informações torna-se possível mapear padrões de comportamento. Nesta seara é possível perceber que nós, seres humanos, entregamos dados pessoais, como nome, sexo, R.G e CPF, bem como os dados sensíveis, orientação política, sexual e religiosa, que fazem com que as inteligências artificiais aprendam cada dia mais e com um maior poder de precisão.
A maioria desses dados são obtidos graças a aplicativos ou reder sociais, como o Facebook, por exemplo, nós, ao concordamos com as políticas de privacidade permitimos que todas as informações sejam utilizadas. Mas nos é dito para benefício de quem ou do que?
É certo que vivemos em um mundo da informação, na qual esta mesma informação já é mais valiosa que o petróleo, as maiores empresas de valor no mercado são aquelas que possuem um maior acervo de dados, como o Google, Amazon, e, novamente, o próprio Facebook.
De acordo com o Data Protection Fórum, há um número crescente de vazamentos de dados pessoais e de violações de direitos por parte de empresas públicas e privadas no Brasil e no Mundo.
De acordo com o site do Fórum, o princípio da proteção de dados impõe que a coleta e processamento de dados pessoais são, de fato, uma atividade de risco, que, por vezes inclui quebras de sigilo indesejadas e tende a afetar direta, e muitas vezes, negativamente a vida das. Para o comitê que discute o assunto, a lei deve proteger os dados pessoais para proteger as pessoas.3
Porém, é certo que há uma tensão entre o direito à privacidade e a necessidade de uso e fluxo de dados, o principal responsável é o avanço exponencial da tecnologia da informação, especialmente em suas formas mais pervasivas.
Aqui é possível dar como exemplo um aplicativo de seguros que garante desconto na apólice quando baixado no celular, porém, o consumidor menos atento que não lê as políticas de privacidade não se dá conta que ao instalar o aplicativo a empresa instala, também, uma espécie de espião, que mede a velocidade, e se o usuário dirige enquanto fala ao celular, por exemplo. Esse espião pode ser utilizado pela empresa em caso de sinistro, ou seja, os consumidores instalam em seus celulares algo que pode fazer prova contra eles mesmos. Aqui há uma nítida briga entre a necessidade da lei e o compliance.
Na esteira da necessidade de uma proteção à privacidade, no dia 14 de agosto de 2018 foi sancionada a Lei Geral de Proteção de Dados, que visa dar mais segurança aos consumidores de tecnologia, garantindo, assim, o direito à intimidade, privacidade e honra.
A lei é importante porque estimula que as empresas sejam mais claras em relação ao tratamento de dados, tende a fazer com que termos de uso se tornem mais padronizados, visíveis e fáceis de entender. A intenção é que os usuários fiquem menos sujeitos a venda ou exploração desses dados, o usuário poderá, também, mudar de ideia em relação ao consentimento já cedido e ter seus dados apagados.
Como já comentamos, o tratamento de bancos de dados virou uma atividade econômica com lucros multimilionários em um terreno até então desregulado. A união europeia foi a primeira a mudar esse cenário, com a implantação da GDPR, a lei de dados europeia, que tem sido exemplo para outros países, como o caso do Brasil.
Com a lei brasileira, as empresas que tratam dados ou que os dados forem coletados em território nacional passam a ter obrigações claramente definidas, um desses exemplo é que fica proibida a venda ou compartilhamento entre empresas de dados sensíveis, que são os referentes à saúde, religião, política, salvo se o titular queira se valer da portabilidade para transferir suas informações de um serviço para outro. A lei também veta o uso de dados para discriminação ou prática abusiva, reforçando a necessidade de serem respeitados direitos fundamentais.
Essa proteção de dados é um benefício aos usuários nessa era informacional, porém, e as informações já coletadas e, alguns casos, vendidas e vazadas? Dados sensíveis e pessoais não se alteram da noite para o dia, são dados permanentes e é certo que algum estrago já foi feito. O único jeito de fugir das A.Is seria quebrar os padrões, e fazê-la com que ela não aprenda com o que você faz de forma repetitiva. Fazer o igual até a máquina faz, mas fazer o diferente só o cérebro humano é capaz de fazer. Talvez nós já estejamos na era do A.Isplaining, e de tão induzidos e padronizados ainda não tenhamos percebido isso.
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1 STOCKER, Pâmela; DALMASO, Silvana. Uma questão de gênero: ofensas de leitores à Dilma Rousseff no Facebook da Folha. 2016. Uma questão de gênero: ofensas de leitores à Dilma Rousseff no Facebook da Folha Acesso em 17/08/2018.
2 É um dispositivo tido como menos complexo que um robô.
3 Data Protection Fórum. Acesso em 17/08/2018.
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*Karlo Messa Vettorazzi é mestre em Direito Socioambiental pela PUC-PR, Professor de Direito e Criatividade da FAE Centro Universitário. Editor do @direitoecriatividade.
*Julia de Mello Bottini é mestranda em Direito Socioambiental pela PUC-PR, Professora de fundamentos do direito na UNIFACEAR. Editora do @direitoecriatividade.