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Bem vinda, Maria da Penha!

O antigo ditado: em briga de marido e mulher, ninguém bota a colher deixa claro o sentido de impunidade da violência doméstica, como se o que acontecesse dentro da casa não interessasse a ninguém. Trata-se nada mais do que a busca da preservação da família acima de tudo. A mulher sempre foi considerada propriedade do marido, a quem foi assegurado o direito de dispor do corpo, da saúde e até da vida da sua esposa. A autoridade sempre foi respeitada a tal ponto que a Justiça parava na porta do lar doce lar, e a polícia sequer podia prender o agressor em flagrante.

10/8/2006
 

 

Bem vinda, Maria da Penha!

 

Maria Berenice Dias*

 

O antigo ditado: em briga de marido e mulher, ninguém bota a colher deixa claro o sentido de impunidade da violência doméstica, como se o que acontecesse dentro da casa não interessasse a ninguém. Trata-se nada mais do que a busca da preservação da família acima de tudo. A mulher sempre foi considerada propriedade do marido, a quem foi assegurado o direito de dispor do corpo, da saúde e até da vida da sua esposa. A autoridade sempre foi respeitada a tal ponto que a Justiça parava na porta do lar doce lar, e a polícia sequer podia prender o agressor em flagrante.

 

Tudo isso, porém, chegou ao fim. Em muito boa hora acaba de ser sancionada a lei que recebeu o nome de Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Os avanços são muitos e significativos. Foi devolvida à autoridade policial a prerrogativa investigatória, podendo ouvir a vítima e o agressor e instalar inquérito policial. A vítima estará sempre assistida por defensor e será ouvida sem a presença do agressor. Também será comunicada pessoalmente quando for ele preso ou liberado da prisão.

 

Mais. A lei proíbe induzir o acordo bem como aplicar como pena multa pecuniária ou a entrega de cesta básica. Serão criados Juizados Especiais contra a Violência Doméstica e Familiar, com competência cível e criminal. Assim, a queixa desencadeará tanto ação cível como penal, devendo o juiz adotar de ofício medidas que façam cessar a violência: o afastamento do agressor do lar; impedi-lo que de se aproxime da casa; vedar que se comunique com a família, ou encaminhar a mulher e os filhos a abrigos seguros. Além disso, poderá o juiz adotar medidas outras como revogar procuração outorgada ao agressor e anular a venda de bens comuns.

 

Ainda que se esteja a falar em violência contra a mulher, há um dado que parece de todos esquecido: a violência doméstica é o germe da violência que está a assustar a todos. Quem vivencia a violência, muitas vezes até antes de nascer e durante toda a infância, só pode achar natural o uso da força física. Também a constatação da impotência da vítima, que não consegue ver o agressor punido, gera a consciência de que a violência é um fato normal.

 

A banalização da violência doméstica e familiar e a falta de credibilidade à palavra da vítima, que se via forçada a desistir da representação e fazer acordo, revelavam a absoluta falta de consciência de que a violência intrafamiliar merece um tratamento diferenciado. A vítima, ao veicular a queixa, nem sempre quer separar-se do agressor. Também não quer que ele seja preso; só quer que a agressão cesse. Assim, vai em busca de um aliado, pois as tentativas que fez não lograram êxito. Aliás, este é o motivo de não ser denunciada a primeira agressão. A mulher, quando procura socorro, já está cansada de apanhar e se vê impotente. A esta realidade deve atentar a Justiça, que não pode quedar-se omissa, achando que a mulher gosta de apanhar. Pelo contrário, a submissão que lhe é imposta a e a falta de auto-estima é que a deixam cheia de medo e vergonha.

 

Chegou o momento de resgatar a cidadania feminina. Para isso, se fazia urgente a adoção de mecanismos de proteção que coloque a mulher a salvo do agressor. Só assim ela terá coragem de denunciar sem temer que sua palavra não seja levada a sério, que sua integridade física nada valha e que o único interesse do juiz seja, como forma de reduzir o volume de demandas em tramitação, não deixar que se instale o processo.

 

A Justiça deve, sim, botar mais do que a colher na briga entre marido e mulher, deve assumir a posição de pacificadora, o que significa muito mais do que forçar acordos e transações. Deve impor medidas de proteção como a freqüência a grupos terapêuticos, única forma de conscientizar o agressor de que o LAR é um Lugar de Afeto e Respeito.

 

___________

 

LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

 

TÍTULO I

 

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

 

Art. 1 º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

 

Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

 

Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

 

§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

§ 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

 

Art. 4º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

 

TÍTULO II

 

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

 

CAPÍTULO I

 

DISPOSIÇÕES GERAIS

 

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

 

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

 

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

 

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

 

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

 

Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

 

CAPÍTULO II

 

DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

 

CONTRA A MULHER

 

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

 

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

 

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

 

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

 

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

 

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

 

TÍTULO III

 

DA ASSISTÊNCIA À MULHER <_st13a_personname productid="EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA" w:st="on">EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

 

CAPÍTULO I

 

DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

 

Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

 

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

 

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

 

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

 

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

 

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

 

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

 

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

 

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

 

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

CAPÍTULO II

 

DA ASSISTÊNCIA À MULHER <_st13a_personname productid="EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA" w:st="on">EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

 

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

 

§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

 

§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

 

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

 

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

 

§ 3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

 

CAPÍTULO III

 

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

 

Art. 10.  Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

 

Parágrafo único.  Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

 

Art. 11.  No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

 

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

 

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

 

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

 

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

 

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

 

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

 

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

 

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

 

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

 

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

 

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

 

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

 

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

 

§ 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

 

I - qualificação da ofendida e do agressor;

 

II - nome e idade dos dependentes;

 

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

 

§ 2º A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

 

§ 3º Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

 

TÍTULO IV

 

DOS PROCEDIMENTOS

 

 CAPÍTULO I

 

DISPOSIÇÕES GERAIS

 

Art. 13.  Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

 

Art. 14.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

Parágrafo único.  Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

 

Art. 15.  É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

 

I - do seu domicílio ou de sua residência;

 

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

 

III - do domicílio do agressor.

 

Art. 16.  Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

 

Art. 17.  É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

 

CAPÍTULO II

 

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

 

 Seção I

 

Disposições Gerais

 

Art. 18.  Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

 

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

 

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

 

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

 

Art. 19.  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

 

§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

 

§ 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

 

§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

 

Art. 20.  Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

 

Parágrafo único.  O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

 

Art. 21.  A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

 

Parágrafo único.  A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

 

Seção II

 

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

 

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

 

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

 

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

 

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

 

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

 

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

 

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

 

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

 

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

 

§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

 

§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

 

§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

 

§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

 

Seção III

 

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida

 

Art. 23.  Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

 

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

 

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

 

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

 

IV - determinar a separação de corpos.

 

Art. 24.  Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

 

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

 

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

 

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

 

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

 

Parágrafo único.  Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

 

CAPÍTULO III

 

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Art. 25.  O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

Art. 26.  Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

 

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;

 

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;

 

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

CAPÍTULO IV

 

DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

 

Art. 27.  Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

 

Art. 28.  É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

 

TÍTULO V

 

DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

 

Art. 29.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

 

Art. 30.  Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.

 

Art. 31.  Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

 

Art. 32.  O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

 

TÍTULO VI

 

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

 

Art. 33.  Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

 

Parágrafo único.  Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

 

TÍTULO VII

 

DISPOSIÇÕES FINAIS

 

Art. 34.  A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.

 

Art. 35.  A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

 

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

 

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

 

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

 

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

 

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

 

Art. 36.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.

 

Art. 37.  A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.

 

Parágrafo único.  O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.

 

Art. 38.  As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

 

Parágrafo único.  As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

 

Art. 39.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

 

Art. 40.  As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

 

Art. 41.  Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

 

Art. 42.  O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:

 

“Art. 313.  .................................................

 

................................................................

 

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)

 

Art. 43.  A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

 

“Art. 61.  ..................................................

 

.................................................................

 

II - ............................................................

 

.................................................................

 

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

 

........................................................... ” (NR)

 

Art. 44.  O art. 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

 

“Art. 129.  ..................................................

 

..................................................................

 

§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

 

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

 

..................................................................

 

§ 11.  Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)

 

Art. 45.  O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

 

“Art. 152.  ...................................................

 

Parágrafo único.  Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR)

 

Art. 46.  Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.

 

Brasília,  7  de  agosto  de 2006; 185º da Independência e 118º da República.

 

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Dilma Rousseff

 

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006

 

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*Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e vice-presidente nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família

 







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