Diz-se que o conflito é inerente ao ser humano. Onde quer que haja a convivência de uma coletividade de pessoas, haverá também disputas que necessariamente precisarão ser sanadas através de algum método.
Com isto em mente, é cabível afirmar que o instituto da mediação, em certo nível, existe desde os primórdios das civilizações, apresentando-se com as mais variadas roupagens em cada cultura particular1.
Todavia, conforme os enlaces sociais tornaram-se complexos, a distribuição da justiça foi centralizada no Poder Judiciário, passando ao mesmo a hegemonia da resolução de disputas.
É seguro dizer que com o aumento maciço do número de demandas a serem resolvidas pelo judiciário, o mesmo deixou de apresentar soluções satisfatórias a grande quantidade de conflitos que lhe são diariamente submetidos.
O judiciário não possui o condão de oferecer soluções adequadas em tempo hábil, respostas estas que no meio empresarial se fazem ainda mais imperiosas, em função do dinamismo que é característica essencial da atividade.
Em face deste cenário, passou-se a buscar meios alternativos de solução para os mais diversos conflitos, aqui incluídos os de cunho empresarial.
1. Mediação no ordenamento jurídico brasileiro
A aplicação do instituto da mediação é notória em principal no que tange aos conflitos familiares, mas pode se mostrar eficaz na maioria dos conflitos que envolva relações interpessoais continuadas, o que é o caso, muitas vezes, dos conflitos que surgem no seio das atividades empresariais.
Apesar de sua regulamentação ser recente, o estudo e a aplicação do instituto da mediação no Brasil ocorria antes mesmo da publicação da lei 13.140 de 2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares2.
Isto porque a sobrecarga do poder judiciário tornava imprescindível que se buscasse outros meios de solução de conflitos mais eficazes, céleres e confiáveis, principalmente na esfera extrajudicial.
Com o advento do novo Código de Processo Civil3, deu-se a tentativa de sedimentar uma mudança de mentalidade de administração de conflitos também no âmbito judicial.
Neste intuito, preceitua o Código de Processo Civil, já no capítulo que disciplina as normas fundamentais do processo civil, em seu artigo 3º, §3º, que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público4.
Conceitualmente, a mediação vem definida no artigo 1º, parágrafo único da lei 13.140 de 2015, que dispõe:
Art. 1º. Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia5.
Ademais, importante ressaltar que a mediação, muito mais do que uma definição teórica, é "um conjunto de técnicas, experiências e hábitos culturais, que vão se estabelecendo"6, e que tem por objetivo precípuo redimensionar conflitos, uma vez que estes nunca desaparecerem, e, portanto, deve se almejar a transformação e gerenciamento dos mesmos7.
A mediação poderá ser extrajudicial, judicial ou, ainda, incidental. No âmbito extrajudicial, a mediação será estabelecida por disposição de vontade das partes envolvidas no conflito, quer em um momento anterior, quer após o nascimento do conflito, a mais das vezes decorrendo de um processo fracassado de negociação8.
Em que pese a flagrante relevância da aplicação da mediação nas searas judicial e incidental, o presente artigo se ocupa da análise da mediação extrajudicial na esfera das relações empresariais, por entender ser este um campo fértil de aplicação desta forma de solução alternativa de conflitos.
2. Conflitos empresariais e mediação
Uma das características fundamentais da mediação é que se trata de uma autocomposição assistida9 que reestabelece os vínculos que foram fragilizados pelo conflito, possibilitando que relações pré-existentes não sejam aniquiladas em função daquela questão.
Importante notar que não é todo e qualquer conflito que poderá ser objeto de mediação, não apenas em função das disposições legais, mas também porque muitos conflitos se mostram inviáveis de serem ressignificados mediante o procedimento da mediação.
Tal cenário ocorre principalmente quando a via consensual entre os envolvidos está "irremediavelmente obstruída, por conta de uma relacionamento já desgastado pelo tempo, pelas intempéries de uma ou de ambas as partes e ainda pela falta de habilidade de lidar com o conflito"10, sendo, nestes casos, impossível escapar da adjudicação forçada via arbitragem ou jurisdição.
Atribui-se o nome de mediação empresarial a toda e qualquer mediação que tenha sede no seio da empresa, seja ela entre empresas ou, ainda, intra-organizacional11.
Desta forma, poderá ocorrer para a resolução de conflitos entre diferentes empresas, entre sócios, entre equipes e departamentos, entre empresa e seus colaboradores12, etc.
Mesmo neste meio, urge ressaltar que o processo de mediação será trabalhoso a sua maneira, exigindo esforço, tempo, preparação e engajamento de todos os envolvidos. Trata-se, nas palavras de Humberto Pinho, de um trabalho artesanal13 que requerá esmero.
Ainda assim, mostrar-se-á mais celere do que recorrer à arbitragem ou ao judiciário, pois sua resolução dependerá do engajamento e dos interesses dos envolvidos, e não da agenda de terceiros14.
Quando se prevê de forma preventiva a aplicação deste meio alternativo de resolução de conflitos no seio de uma empresa, seja ela uma pequena sociedade familiar ou uma grande Companhia, tem-se uma flagrante busca de implementação de mecanismos com o intuito de estabelecer um nível apurado de governança, melhorando os processos de gestão, análises e resultados.
Não é por acaso que a aplicação de mediação é, inclusive, sugerida pelo manual de melhores práticas de governança corporativa, que dispõe ser "fundamental prever formas ágeis e eficazes de resolução de controvérsias e divergências entre sócios e administradores e entre estes e a própria organização, para evitar prejuízos ao desempenho ou redução do valor da organização"15.
Trata-se de um mecanismo que tem o potencial de proporcionar à empresa uma otimização no que tange à avaliação e controle de riscos, agilidade na gestão de conflitos pontuais, revestido de confidencialidade, além de proporcionar a manutenção das relações interpessoais dentro da empresa16.
Dentre os princípios que norteiam a prática da mediação, quais sejam imparcialidade do mediador, da isonomia entre as partes, da oralidade, da informalidade, da autonomia da vontade das partes, da busca do consenso, confidencialidade e da boa-fé17, merece destaque no campo das relações empresariais o papel da confidencialidade.
A confidencialidade do processo se mostra como um fator impulsionador do emprego da mediação no âmbito empresarial, pois permite que um foco de animosidade seja sanado sem que a informação sobre isso se espalhe ao mercado, ao contrário do que ocorre quando se faz necessário recorrer ao poder judiciário, o que, muitas vezes, gera uma imagem de fragilidade e instabilidade da empresa18, ocasionando, portanto, um inconveniente as suas atividades.
A aplicação de mediação aos conflitos empresariais pode, acima de tudo, gerar oportunidades. Quando empregada, por exemplo, para a resolução de um conflito societário, poderá ocasionar na alteração de um contrato social ou estatuto, ou, ainda, na elaboração de novos documentos societários, podendo, até mesmo, culminar no germinamento de uma nova empresa, onde em um primeiro momento haveria tão e somente uma dissolução19.
Neste sentido, convém destacar o caso concreto ilustrado pelo Professor Adolfo Braga Neto:
"Foi o que ocorreu em num caso em que atuamos em que um sócio desejava sair da sociedade por considerar que o relacionamento com os demais sócios estava desgastado de maneira irreversível. A mediação neste caso levou todos a repensarem a inter-relação existente diante da economia em permanente mutação, o que resultou na elaboração de um novo contrato social, com a continuidade de todos os sócios em suas participações societárias na proporção iniciada há mais de 30 anos"20.
Outro fator que costuma ser apontado como positivo quando do emprego na mediação empresarial, é o fato de que se pode escolher um mediador com experiência na área empresarial, ou, ainda, que apresente expertise em matéria determinada que, no entendimento dos envolvidos, seja imprescindível para a melhor resolução da questão.
3. Considerações finais
O mundo empresarial é marcado por ser um ambiente que exige agilidade, respostas rápidas e efetivas e constante adaptação ao seu dinamismo.
Assim sendo, nada mais adequado do que se buscar soluções alternativas as suas demandas que não passem pela dependência do moroso judiciário, e que, ainda, possam oferecer uma visão construtiva ao conflito, dissociando-se da noção litigiosa de combate entre partes com interesses distintos, em que um sairá vencedor e o outro perdedor.
Trata-se de ressignificar e se reapropiar do conflito, encarando-o como um processo construtivo ao final do qual haverá o fortalecimento da relação preexistente à disputa21.
Evidente, portanto, que a utilização da mediação no meio empresarial pode ser encarada como uma estratégia inteligente para tornar empresas mais eficientes, competitivas, coesas, solidificadas ante ao mercado, efetivas, articuladas, dentre outras tantas vantagens da adoção do processo22.
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1 FALECK, Diego. TARTUCE, Fernanda. Introdução história e modelos e mediação. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 3/6/18. p. 4 e 5.
2 BRASIL, República Federativa. Lei 13.140 de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a lei 9.469, de 10 de julho de 1997, e o decreto 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o §2º do art. 6º da lei 9.469 de 10 de julho de 1997. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 4/6/18
3 BRASIL, República Federativa. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 4/6/18
4 BRASIL, República Federativa. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 4/6/18
5 BRASIL, República Federativa. Lei 13.140 de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a lei 9.469, de 10 de julho de 1997, e o decreto 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o §2º do art. 6º da lei 9.469 de 10 de julho de 1997. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 4/6/18
6 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. O novo CPC e a mediação, reflexões e ponderações. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 48, n. 190. Abr/Jun 2011. P. 223.
7 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. O novo CPC e a mediação, reflexões e ponderações. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 48, n. 190. Abr/Jun 2011. P. 223.
8 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. O novo CPC e a mediação, reflexões e ponderações. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 48, n. 190. Abr/Jun 2011. P. 223.
9 BEZERRA, Tássio. A mediação enquanto instrumento de emancipação da cidadania e de democratização da justiça e do direito. Revista Direito & Sensibilidade. 1ª ed., 2011. P. 211 a 225.
10 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. O novo CPC e a mediação, reflexões e ponderações. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 48, n. 190. Abr/Jun 2011. P. 224.
11 NETO, Adolfo Braga. A mediação de conflitos no contexto empresarial. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 2/6/18
12 ISOLDI, Ana Luiza. Mediação empresarial, procedimento e técnicas. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 2/6/18
13 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. O novo CPC e a mediação, reflexões e ponderações. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 48, n. 190. Abr/Jun 2011. P. 225.
14 NETO, Adolfo Braga. A mediação de conflitos no contexto empresarial. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 2/6/18
15 BRASIL, Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. – IBGC. Código das melhores Práticas de Governança Corporativa. 5ª ed. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 4/6/18
16 ISOLDI, Ana Luiza. Mediação empresarial, procedimento e técnicas. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 2/6/18
17 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. O novo CPC e a mediação, reflexões e ponderações. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 48, n. 190. Abr/Jun 2011. P. 227.
18 AYRES, Stephany. Mediação Empresarial. São Paulo, 2016. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 2/6/18. p. 7
19 AYRES, Stephany. Mediação Empresarial. São Paulo, 2016. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 2/6/18. P. 13
20 AZEVEDO, André Gomma de. Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas: uma análise sob a perspectiva construtivista. In Mediação de conflitos: novo paradigma de acesso à justiça. Souza, Luciane Moessa de. (coord.). Santa Cruz do Sul. Essere nel Mondo. 2ª ed. 2015. p. 19
21 LEITE, Gisele. PEREIRA, Edivaldo Alvarenga. Considerações sobre a mediação empresarial no Brasil. Disponível em: Clique aqui. Acessado em: 2/6/18
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*Paola Pereira Martins é advogada no escritório Cauê Vieira Advocacy & Consulting.