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A lei das inelegibilidades e a detração ambivalente

A importância da temática repousa em uma construção de pensamento que teve por escopo interpretar a lei das inelegibilidades a partir da moldura constitucional em virtude da qual emergem o Estado Democrático e os direitos fundamentais com o necessário relevo para os direitos políticos.

30/5/2018

1. Introdução

O resultado pretendido com esta abordagem é apontar que as hipóteses de inelegibilidades contidas nas alíneas "e" e "l", da lei complementar 64/901, com a redação da lei complementar 135/102 - lei da ficha limpa – produziram uma modalidade específica de inelegibilidade processual, que pressupõe a restrição da capacidade eleitoral passiva por prazo indeterminado, o que colide com o conteúdo normativo e principiológico da Constituição Federal de 1988.

Em tal sentido, o que se propõe neste artigo é que se estabeleçam premissas mais consentâneas ao comando constitucional estatuído no § 9º, do art. 14 da Constituição Federal3 e como tal, motivem uma discussão mais ousada, mas também muito oportuna aos operadores do direito, com destaque para o atual período pré-eleitoral.

Com tal desiderato, visa-se demonstrar no decorrer deste texto que há três formas de restrição de direitos políticos advindas do mesmo conteúdo normativo infra-constitucional: inelegibilidade processual e inelegibilidade material, que afetam a capacidade eleitoral passiva e a suspensão dos direitos políticos, que suprime a capacidade eleitoral ativa e passiva conjuntamente.

Propõe-se, a partir disso, a aplicação de uma detração ambivalente, através da qual é possível compensar o prazo de inelegibilidade processual, inelegibilidade material e suspensão dos direitos políticos.

Nas conclusões são apontadas a utilidade e aplicação deste estudo.

2. Inelegibilidades no direito pátrio

A concepção do Estado Democrático de Direito estriba-se em uma espécie de conciliação do individual com o social, da legalidade com a igualdade e da máxima legitimação do poder, e em cujo conteúdo à função do Estado, estabelece-lhe também limites de sua atuação.

Repousam assim, nos direitos fundamentais de primeira geração, os direitos civis e políticos que compreendem um sistema de garantias aptas a assegurar as liberdades individuais, no qual estão inseridos princípios e normas que garantem as eleições livres, mediante o exercício da vontade soberana do povo, a partir da participação no voto secreto, direto e universal.

Elemento nuclear dos direitos políticos é o direito ao sufrágio que se consuma pela capacidade eleitoral ativa – de votar, e pela capacidade eleitoral passiva – direito de ser votado. A elegibilidade, como capacidade eleitoral passiva traduz-se pelo direito do cidadão de receber votos e ser eleito. No escólio de BARROS, "a elegibilidade é o direito subjetivo público de submeter alguém – o seu nome – ao eleitorado, visando à obtenção de um mandato"4.

Lado outro, por inelegibilidade se compreende a impossibilidade de ser candidato, consubstanciado no "impedimento temporário da capacidade eleitoral passiva do cidadão, que consiste na restrição de ser votado, não atingindo, portanto, os demais direitos políticos, como, por exemplo, votar e participar de partidos políticos"5.

A distinção conceitual de inelegibilidade comporta, dentre outras, a classificação em inelegibilidade absoluta e relativa. Por inelegibilidade absoluta compreende-se o impedimento para candidatar-se a qualquer cargo eletivo e vem estabelecida de forma taxativa pela Constituição Federal (inalistáveis e analfabetos). Já por inelegibilidade relativa compreendem-se restrições decorrentes de situações específicas nas quais encontra-se o cidadão no momento do pleito eleitoral e pode decorrer de motivos funcionais, de casamento ou parentesco, de condição de militar ou de previsões em lei complementar.

Assim, dentro da moldura constitucional estatuída no capítulo destinado aos direitos políticos, a Constituição Brasileira de 1988 determina que lei complementar estipulará os casos de inelegibilidade e o prazo de sua duração. Extrai-se do art. 14, § 9º da Constituição que, para proteção da probidade e da moralidade administrativa, o postulante a cargo eletivo não poderá incorrer em determinadas condutas que o tornem inelegível6.

Para atender tal comando constitucional, em 18 de maio de 1990 foi sancionada a lei complementar 647, denominada lei de inelegibilidades que fixa pois, as condutas nas quais, incurso, estará o cidadão inelegível, perdendo temporariamente a sua capacidade eleitoral passiva.

Referida legislação contém normas de Direito Material e de Direito Processual, estabelecendo no artigo 1º, inciso I, alínea "a" até a alínea "q", as condutas e causas de inelegibilidade. Trata igualmente, em vários dispositivos, acerca do processo e do procedimento de impugnação da candidatura, prazos e atos processuais, dentre outros. E ao final cuida de revogar expressamente a lei complementar 5, de 5 de abril de 1970, advinda do regime de exceção decorrente da emenda constitucional 1, de 1969.

Não é objeto desta abordagem pormenorizar todas as hipóteses de inelegibilidades, mas proceder a interpretação e mensurar o efeito jurídico decorrente das premissas estabelecidas nas alíneas "e" e "l", da lei complementar 64/90, após as alterações implementadas pela lei complementar 135, de 4/6/10, alcunhada de "Lei da Ficha Limpa"8 e que, a despeito de já decorridos cerca de oito anos de sua vigência, ainda é fonte de uma série de indagações e perplexidades pela comunidade jurídica.

Com efeito, sob o comando normativo da lei das inelegibilidades, especificamente quanto aos casos de condenação criminal e condenação por ato de improbidade administrativa (alíneas "e" e "l" do diploma em comento), deflui um outro fenômeno ao qual se denomina aqui de inelegibilidade processual9.

Assim, se compreende por inelegibilidade processual, a supressão da capacidade eleitoral passiva pela interposição de recurso para combater decisão colegiada condenatória, nos moldes especificados nas alíneas "e" e "l" da lei complementar 64/90 passando a vigorar uma modalidade de supressão da capacidade eleitoral passiva até o trânsito em julgado do gravame colegiado ou sua reversão em sede recursal.

3. As modalidades inelegibilidade: inelegibilidade material e inelegibilidade processual

Desde que foi introduzida a lei complementar 135/10, conhecida popularmente como "Lei da Ficha Limpa", as dúvidas e a falta de parâmetros interpretativos sobre sua aplicação, torna premente a tentativa de equacionar de forma objetiva os reflexos práticos criados pelo legislador.

A partir da leitura do comando do mencionado art. 14, § 9 da Constituição Federal, se infere que a ordem jurídica infraconstitucional não está autorizada a criar um modelo, ainda que transverso, que contorne a estipulação constitucional na contagem de prazo para cessação da inelegibilidade.

A inelegibilidade em sentido lato, como estabelecida na mencionada lei complementar 135/10, que alterou a lei complementar n. 64/90, no que concerne condenações previstas nas alíneas "e" e "l", da lei em referência, distingue as condenações que podem gerar inelegibilidade antes do trânsito em julgado (inelegibilidade processual), das que somente produzem efeito após o trânsito (inelegibilidade material).

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.578/DF10 aforada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL, foi requerida a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º., inciso I, alínea "m" da lei complementar 64/90, inserido pela lei complementar 135/10. Em julgamento conjunto das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30, procedeu o STF o exame da constitucionalidade dos dispositivos da mencionada lei complementar 135/10 e da validade jurídica da aplicação das hipóteses de inelegibilidade a fatos tenham ocorrido anteriormente à edição desta.

Em necessário recorte daquele extenso julgado, e no que pertine ao estudo aqui proposto, colhe-se do voto proferido na referida Ação Direta de Inconstitucionalidade 4578, de relatoria do ministro Luiz Fux, que as causas de inelegibilidades "previstas nos §§ 4º. a 9º. do art. 14 da Carta Magna de 1988 não se confundem com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (iushonorum), mas também ao direito de voto (iussufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos"11.

Nessa moldura, merecem destaque as causas de inelegibilidade previstas na alínea "e", que traz alguns casos de condenações criminais, e na alínea "l", que aborda condenações por ato de improbidade administrativa, todas previstas na lei complementar 64/90, que condiciona o início da inelegibilidade após o cumprimento da pena, situação detectada como a de maior relevância ao estudo ora proposto.

Em tal perspectiva, o STF, ao julgar a mencionada ADI 4578/DF, destacou a coexistência em nosso ordenamento jurídico de inelegibilidade e suspensão dos direitos políticos. Assim, é possível nos casos das alíneas "e" e "l", da lei das inelegibilidades, cumular o prazo da inelegibilidade material com o prazo previsto de suspensão dos direitos políticos fixados na decisão condenatória.

Dessa maneira, ficou decidido pelo STF que, tão logo termine a suspensão dos direitos políticos decorrentes da condenação penal ou por improbidade administrativa, iniciará a inelegibilidade prevista da lei complementar 64/90.

A Corte Suprema definiu assim, como constitucional a inelegibilidade provisória que advém de uma condenação colegiada e se amolda às previsões das alíneas "e" (condenação criminal) e "l" (improbidade administrativa), da lei das inelegibilidades.

Diante de tais conclusões, percebe-se que deve ser enfrentado se a inelegibilidade advinda da interposição de um recurso pela parte que sucumbiu em qualquer das condenações abarcadas pelas alíneas referidas pode ser compensada do prazo previsto na lei de regência, visto que seu início somente se dará após o cumprimento da pena.

Ora, se as mencionadas causas de inelegibilidade somente terão efeito após o cumprimento da pena, estar-se-ia falando na existência de três momentos distintos que serão computados automaticamente e alargarão a incapacidade passiva eleitoral da parte condenada (iushonorum), os quais (I) a decorrente da decisão condenatória; (II) a prevista na lei complementar 64/90, que nas alíneas aqui destacadas, incidirá após o cumprimento da pena; (III) processual, que vigorará desde a interposição de recurso para combater o acórdão condenatório até o trânsito em julgado.

Nessa toada, um clássico exemplo pode ser observado quando a parte sofre condenação por ato de improbidade administrativa no qual foi fixado o prazo de 08 (oito) anos de suspensão dos direitos políticos.

De acordo com a legislação vigente, o recorrente terá uma inelegibilidade imediata advinda do recurso interposto para combater o gravame colegiado. Registre-se ainda que tal inelegibilidade não tem limitação temporal, visto que vigorará até o trânsito em julgado da decisão combatida.

Logo após, começaria a vigorar a suspensão dos direitos políticos decorrente do acórdão condenatório por 08 (oito) anos. Ao final, restariam ainda mais 08 (oito) anos de restrição da capacidade eleitoral, pois em relação às alíneas apontadas, a inelegibilidade somente começa a fluir após o cumprimento da pena.

Assim, estar-se-ia falando em uma média de vinte anos de supressão da capacidade de o cidadão participar do processo eleitoral, seja na forma passiva ou ativa, a depender do momento em que o processo transite em julgado, haja vista que a inelegibilidade suprime apenas a capacidade passiva eleitoral enquanto a suspensão dos direitos políticos suprime tanto a capacidade passiva quanto a ativa.

A estimativa de 20 (vinte) anos da casuística abordada, se exemplifica porque de imediato se poderiam somar 08 (oito) anos da decisão condenatória, mais 08 (oito) anos da previsão contida na lei das inelegibilidades, estimando-se ainda uma média de 04 (quatro) anos para o trânsito em julgado.

4. Detração ambivalente

Não obstante o propósito moralizador da lei complementar 135/2010, não há como reconhecer que, em um ordenamento jurídico democrático, se suprima a participação política do indivíduo na sociedade de forma permanente ou torne o afastamento do cidadão nos pleitos eleitorais tão duradouro e imprevisível.

O STF ao tratar do tema, na mencionada ADI, não fixou qualquer tipo de solução para a problemática evidenciada, postergando a análise da matéria de forma difusa.

Sobre o tema, Moura12 comenta que a proposta inicial do Relator da já mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade 4578/DF, era possibilitar a compensação entre a inelegibilidade processual e a inelegibilidade material, não tendo havido adesão suficiente:

"A proposta do min. Fux de declaração de inconstitucionalidade parcial das alíneas "e" e "l" para o fim de interpretar conforme a Constituição e admitir a dedução, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado não recebeu votos suficientes (0 x 5) para assentamento de questão. Votos a favor da inconstitucionalidade: Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso. Contra: 0. Não se manifestaram: Dias Toffoli, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa”.

Contudo, ao confrontar a problemática instituída na mencionada "lei da ficha limpa" com outros institutos de natureza constitucional, premente extrair uma solução que albergue tanto o espírito moralista do legislador quanto a incolumidade de dispositivos e princípios previstos na Constituição Federal.

Nesse passo, seria mais coerente que se modificasse a legislação em tela quanto à inelegibilidade por decisão de órgão colegiado, para fixá-las apenas às decisões condenatórias que se encaixem em precedentes como recurso repetitivo, súmula vinculante ou mesmo jurisprudência sedimentada em corte superior.

Na hipótese de a regulamentação aqui destacada se dar pelos Tribunais, a implementação poderia ser consolidada por intermédio de enunciado sumular, saneando a problemática em debate.

Cediço que a atual redação da lei complementar 64/90 possui dispositivo que permite a subsunção da modalidade de inelegibilidade, a depender do conteúdo da decisão condenatória, como no caso da alínea "g", em que é exigido o elemento constitutivo quanto à "irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa".

A criação de requisito apto a direcionar com maior objetividade a subsunção da condenação à lei das inelegibilidades por certo conferirá segurança jurídica, porque teria como pressuposto um juízo de probabilidade incidindo sobre a pretensão de modificação do julgado.

Portanto, nenhum retrocesso em relação ao que existe atualmente ocorreria, posto que, na forma que se apresenta, ao analisar a condenação de qualquer das hipóteses previstas nas alíneas "e" e "l" do diploma legal em tela, a corte eleitoral deverá externar se a causa julgada se amolda a recurso repetitivo, súmula vinculante ou mesmo decisão reiterada em corte superior, em um exercício de subsunção.

Tal interpretação não seria novidade, vez que já ocorre tal esforço na subsunção de alguns pontos referentes à matéria13.

De outro lado, nos casos em que a decisão condenatória começasse a surtir efeitos antes do trânsito em julgado da sentença, quando a condenação pudesse ser enquadrada com recurso repetitivo, súmula vinculante ou decisão reiterada em Corte Superior e atrair a inelegibilidade a partir da condenação colegiada, há outro imbróglio a ser dirimido.

Como se observa na redação atual das alíneas "e" e "l", da LC 64/90, a inelegibilidade também flui após o cumprimento da pena consumada com o trânsito em julgado. Nesse interregno, caso a decisão condenatória tenha ocorrido em julgamento colegiado, já se pode dizer que a parte vinha sofrendo restrição na capacidade eleitoral passiva, tudo em razão da inelegibilidade processual prevista na lei de regência.

Assim, o lapso temporal decorrido entre a condenação colegiada, quando se inicia a inelegibilidade advinda da interposição do recurso e a imutabilidade da decisão, que se opera com o trânsito em julgado, deverá ser compensado do prazo previsto na lei das inelegibilidades.

Pensar diferente seria possibilitar um alargamento dos efeitos da condenação de modo a atingir direito fundamental previsto na Carta da República. Não se pode olvidar que grande parte do que foi incorporado em nossa legislação acerca de direitos políticos, no escólio de Norberto Bobbio14, se qualificam como "direitos históricos" pertencentes à primeira geração dos direitos humanos fundamentais, tamanha a sua magnitude.

A coexistência entre inelegibilidade e suspensão dos direitos políticos não elide a detração do tempo de inelegibilidade material com o tempo de inelegibilidade processual decorrente do próprio comando constitucional estatuído no art. 14, § 9, da Constituição Federal, sob pena de se punir o cidadão com a supressão de direitos fundamentais por prazo indeterminado ou mesmo estender tal período de forma absolutamente vedada pela ordem constitucional.

Assim, extrai-se que o fenômeno jurídico da detração, tal qual previsto no art. 387 do Código de Processo Penal, teria lugar, mudando o que precisa ser mudado, na ambiência do processo eleitoral.

Gize-se ainda que o intérprete, ao se deparar com um conflito de normas e princípios de natureza polissêmica, deverá sempre perseguir uma solução que se harmonize com a Constituição Federal.

Nesse sentido, SCHWABE ressalta que

"A decisão pela interpretação de leis conforme a Constituição (verfassungskonformeAuslegung) persegue o escopo de poupar a decisão legislativa, evitando a declaração de sua inconstitucionalidade ou até de nulidade da regra fixada pelo legislador, na medida em que, em havendo mais de uma interpretação possível, há de se dar prevalência àquela que for mais correspondente às normas constitucionais"15.

Como se asseverou, na oportunidade em que o STF apreciou a matéria, no julgamento da citada ADI 4578, a questão teve seu exame afastado, ficando o Relator vencido neste ponto, segundo se extrai da ementa daquele julgado:

"Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas "c", "d", "f", "g", "h", "j", "m", "n", "o", "p" e "q" do art. 1º, inciso I, da lei complementar 64/90, introduzidas pela lei complementar 135/10, vencido o relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado".

Assim, muito embora o Supremo tenha acenado pela futura análise da matéria, o postergo mantém a incongruência legal em tela e cria ao jurisdicionado um deslinde irracional no qual a inelegibilidade aqui denominada processual poderá vigorar por mais tempo que a material, conclusão inaceitável ao Estado Democrático de Direito e seu direito fundamental de primeira geração, que dá envergadura ao direito de votar e ser votado.

Registre-se que tramita no Congresso Nacional o PL 452/1416 que tem como escopo permitir a detração do tempo de inelegibilidade transcorrido entre a condenação por órgão colegiado e seu trânsito em julgado tanto por crimes contra a administração pública quanto por atos de improbidade administrativa, o que aqui se defende como possível por construção jurisprudencial.

Ademais, o ordenamento jurídico vigente permite que se estabeleçam premissas mais ousadas quanto à compensação da inelegibilidade nas diferentes fases previamente estabelecidas: (I) inelegibilidade processual; (II) suspensão dos direitos políticos e (III) inelegibilidade material.

Em tal viés, foi consignado que há na legislação de regência a previsão de dois institutos que limitam a capacidade eleitoral: inelegibilidade (passiva) e a suspensão dos direitos políticos (ativa e passiva).

Noutro horizonte, é possível inferir que quem está com os direitos políticos suspensos, tem suprimida a capacidade eleitoral passiva e ativa. Logo, forçoso concluir que durante a vigência de tal suspensão, poder-se-á detrair também o prazo pelo qual a inelegibilidade operará, já que com os direitos políticos suspensos, não há capacidade eleitoral passiva.

Por razões lógicas, o inverso não se aplica, uma vez que a inelegibilidade suprime apenas a capacidade eleitoral passiva, permanecendo em vigor a ativa.

Dessas premissas, delimita-se tal princípio como detração ambivalente que se dá com a possibilidade de se compensar o prazo de inelegibilidade imposto pelas leis de regência com a inelegibilidade processual, inelegibilidade material e suspensão dos direitos políticos e da qual é possível criar um microssistema de contagem a vigorar sob os seguintes preceitos:

(I) A inelegibilidade material pode ser detraída do prazo em que vigorar a suspensão dos direitos políticos;

(II) O lapso temporal decorrido da inelegibilidade processual será detraído do prazo de 08 (oito) anos previsto para a inelegibilidade material;

(III) O prazo em que vigorar a inelegibilidade processual e a suspensão dos direitos políticos será somado e detraído da inelegibilidade material.

Antes de qualquer confronto da tese lançada com o espírito moralizador da lei complementar 135/10, é importante esclarecer que inelegibilidade e suspensão dos direitos políticos não possuem natureza de sanção, mas de efeito da condenação.

Assim, se há uma vontade de alongar os prazos de supressão da capacidade eleitoral do condenado por improbidade administrativa e por modalidade de crime positivado na Lei das Inelegibilidades, o intento deve obrigatoriamente ser alcançado mediante alteração legal das penas punitivas.

A subversão dos institutos jurídicos em prol de uma proposta moralizadora do direito se revela em uma fonte deletéria de negativa de vigência da norma constitucional estatuída nos direitos políticos da Constituição Brasileira.

5. Conclusão:

O estudo delineado teve como propósito fomentar o debate em uma específica abordagem da lei de inelegibilidades e, de forma despretensiosa, quiçá contribuir com a construção da doutrina pátria. A repercussão de tal análise no processo eleitoral que se avizinha, por si só, se justifica e se demonstra relevante.

A importância da temática repousa em uma construção de pensamento que teve por escopo interpretar a lei das inelegibilidades a partir da moldura constitucional em virtude da qual emergem o Estado Democrático e os direitos fundamentais com o necessário relevo para os direitos políticos.

Consoante asseverado, o ordenamento jurídico vigente permite que se reconheça a compensação de diferentes modalidades de inelegibilidades, sob a análise dos seguintes marcos: (I) inelegibilidade processual; (II) suspensão dos direitos políticos e (III) inelegibilidade material.

Assim, proclama-se no cenário delineado, a detração ambivalente, a qual pressupõe que o prazo das alíneas "e" e "l", da lei complementar 64/90 – em virtude das quais se fixará a inelegibilidade material – seja compensado do tempo em que vigorar a suspensão dos direitos políticos e do prazo que perdurar a inelegibilidade processual.

Nessa senda, as implementações legais advindas dos dispositivos trazidos na lei complementar 135/10 (alíneas "e" e "l"), não podem ser interpretadas apenas sob a influência de um espírito moralizador objetivado pelo legislador, pois o aludido diploma legal não é um fim em si mesmo, e precisa se ajustar aos demais institutos consolidados no ordenamento jurídico vigente.

O sistema democrático perseguido por todos tem como signo um ordenamento jurídico imune a qualquer tipo de vassalagem ou tutela meta-jurídica. A probidade intelectual exige do operador do direito uma postura hígida quanto ao conteúdo axiológico-normativo haurido do texto constitucional.

Conforme defendido, aplica-se a detração ambivalente nos moldes propostos; afinal, não se pode ora pregar uma emancipação da razão jurídica e depois recuar sob alegações casuísticas de redenção moral.

Em tal desiderato, vale aqui o que expressa NIETZSCHE como um necessário desafio:

"Precisamos de uma crítica dos valores morais, e antes disso precisamos questionar o próprio valor desses valores – e para isso é necessário o conhecimento das condições e circunstâncias das quais eles surgiram, sob as quais eles se desenvolveram e se deslocaram (a moral como consequência, como sintoma, como máscara, como tartufaria, como doença, como mal-entendido; mas também como causa, como remédio, como estimulante, como repressão, como veneno)"17.

Portanto, a concepção de detração ambivalente nasce como resultado do cotejo dos dispositivos referidos (alíneas "e" e "l", da LC 64/90), frente aos demais institutos, com o desiderato de albergar com justeza a coexistência da suspensão dos direitos políticos e da inelegibilidade em nosso ordenamento jurídico e constitucional.

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1 BRASIL. Lei complementar 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Disponível em clique aqui<_https3a_ www.planalto.gov.br="" ccivil_03="" leis="" lcp="" lcp64.htm="">. Acesso em 11 de maio de 2018.

2 BRASIL. Lei complementar 135, de 4 de junho de 2010. Altera a lei complementar 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Disponível em: Clique aqui<_https3a_ www.planalto.gov.br="" ccivil_03="" leis="" lcp="" lcp135.htm="">. Acesso em 11 de maio de 2018.

3 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: Clique aqui<_https3a_ www.planalto.gov.br="" ccivil_03="" constituicao="" constituicaocompilado.htm="">. Acesso em 8 de mai. de 2018.

4 BARROS, Francisco Dirceu. Direito eleitoral. 9 ed. Rio de Janeiro: Campus-Eslerier, 2010, p. 250.

5 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 4598/PI. Relator: min. Fernando Neves. Brasília, 3 de junho de 2004. Disponível em: Clique aqui<_https3a_ inter03.tse.jus.br="" inteiroteor="" pesquisa="" _actiongetbinary.do3f_...4598...4598="">. Acesso em 28 de abr de 2018.

6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: Clique aqui<_https3a_ www.planalto.gov.br="" ccivil_03="" constituicao="" constituicaocompilado.htm="">. Acesso em 8 de mai. de 2018.

7 BRASIL. Lei complementar 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Disponível em clique aqui<_https3a_ www.planalto.gov.br="" ccivil_03="" leis="" lcp="" lcp64.htm="">. Acesso em 11 de maio de 2018.

8 BRASIL. Lei complementar 135, de 4 de junho de 2010. Altera a lei complementar 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Disponível em: Clique aqui<_https3a_ www.planalto.gov.br="" ccivil_03="" leis="" lcp="" lcp135.htm="">. Acesso em 11 de maio de 2018.

9 A terminologia, já vem sendo adotada pela doutrina, a exemplo de COSTA, Adriano Soares (clique aqui).

10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4578. Relator: min. Luiz Fux. Brasília, 16 de fevereiro de 2012. Disponível em: Clique aqui<_https3a_ redir.stf.jus.br="" paginadorpub="" _paginador.jsp3f_doctp="TP&docID=2257978">. Acesso em 8 de maio de 2018.

11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4578. Relator: min. Luiz Fux. Brasília, 16 de fevereiro de 2012. Disponível em: Clique aqui<_https3a_ redir.stf.jus.br="" paginadorpub="" _paginador.jsp3f_doctp="TP&docID=2257978">. Acesso em 8 de maio de 2018.

12 MOURA, Fernando Quevem Cardozo. Comentários as inelegibilidades da lei complementar 135/10. JurisWay. Disponível em: Clique aqui<_https3a_ www.jurisway.org.br="" v2="" _dhall.asp3f_id_dh="7511">. Acesso em 28 de abr. 2018.

13 BRASIL. Tribuna Superior Eleitoral. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral 32580. Relator: min. Joaquim Benedito Barbosa Gomes. Brasília, 11 de novembro de 2008. Disponível em clique aqui<_https3a_ www.tse.jus.br="" jurisprudencia="" _40_40_processrequest23___utma="260825096.2112285530.1525359317.1525359317.1526050505.2&__utmb=260825096.6.10.1526050505&__utmc=260825096&__utmx=&__utmz=260825096.1526050505.2.2.utmcsr=google|utmccn=(organic)|utmcmd=organic|utmctr=(not%20provided)&__utmv=-&__utmk=266289548">. Acesso em 28 de abr. de 2018.

14 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1992.

15 SCHWABE, Jürgen. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. MARTINS, Leonardo. (organizador). Tradução de Beatriz Henning, Leonardo Martins, Mariana Bigelli de Carvalho, Tereza Maria de Castro, Vivianne Geraldes Ferreira. Montevideo: Fundación Konrad-Adenauer, Oficina Uruguay. 2005, p. 113. Título original: Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts...

16 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei complementar PLC 452/14. Disponível em clique aqui<_https3a_ www.camara.gov.br="" proposicoesweb="" _prop_mostrarintegra3b_jsessionid="DC12A5835744CDC89CB5D0D8AB40F160.proposicoesWeb1?codteor=1295928&filename=Avulso+-PLP+452/20">. Acesso em 2 de maio de 2018.

17 NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. Tradução de Inês A. Lohbauer. São Paulo: Martin Claret, 2017. p. 34. Título original: Zur Genealogie der Moral.

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BARROS, Francisco Dirceu. Direito eleitoral. 9 ed. Rio de Janeiro: Campus-Eslerier, 2010.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1992.

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*Sandra Krieger Gonçalves é advogada, mestre e doutora em Ciência Jurídica, professora titular de Direito Processual e Direito Administrativo da Universidade Regional de Blumenau - FURB. Conselheira federal da OAB/SC, triênio 2015/2018. Representante institucional da OAB no CNMP.

*Emerson Luis Delgado Gomes é advogado, especialista em Direito Processual Civil e Direito Eleitoral. Conselheiro federal da OAB/RR, triênio 2015/2018. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB.

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