Na sessão de ontem, o STF fez valer a bem-humorada representação de que as sessões do Tribunal estão mais emocionantes do que séries de televisão. Na rodada da semana, não faltou emoção, algum drama e, sobretudo, suspense: apesar de cinco manifestações, apenas duas foram na forma de votos formais.
O STF iniciou ontem, dia 10/5/18, o julgamento da ADIn 5766, que investe contra o estabelecimento, no Processo do Trabalho, da condenação do sucumbente em honorários advocatícios e de perito, ainda que beneficiário da gratuidade de justiça. Alega a PGR que permitir a imposição de tais despesas a hipossuficientes, ainda que limitada a créditos que vierem a perceber em ações judiciais, violaria as garantias constitucionais ao acesso à justiça e à assistência judiciária, nos termos dos incisos XXXV e LXXIV do art. 5º da Carta.
O relator, ministro Roberto Barroso, propôs a procedência parcial do pedido. Em seu voto, demonstrou preocupação com aspectos pragmáticos de política judiciária. Examinou, portanto, sob tal perspectiva, problemas como excesso de judicialização e litigância de má-fé, bem como externalidades negativas daí advindas; custos sociais em proveito privado, em citação da figura da tragédia dos comuns; e razoabilidade de imposição de custos como meio de se equilibrar o exercício regular do direito de ação. Em síntese, analisou a questão sob o prisma da alocação de incentivos e riscos, como meio de se buscar que atuação individual seja compatível com os valores que enunciou. Na equação, os honorários surgem como meio de instituição de certos riscos, a serem considerados na análise estratégica individual. Apesar da validade, estabeleceu limites ao pagamento: apenas 30% das verbas de natureza salarial que ultrapassarem o teto de benefícios da previdência social poderiam ser utilizados para o pagamento dos honorários.
Concluído o voto do relator, o min. Luiz Fux solicitou vista regimental, para devolução em prazo razoável, tendo em vista a breve vacatio legis que teve a lei. Ao que parece, a novidade da lei não recomendaria o pronunciamento tão imediato do Supremo.
O ministro Edson Fachin, no entanto, voluntariou-se para proferir seu voto, já que oposto à manifestação do relator. Em seu voto, o ministro adotou posição bastante distinta. Em perspectiva normativa, elegeu a figura do custo do processo como núcleo do exame. Assim, a questão seria verificar se a Constituição permitiria impor custos processuais àqueles que são beneficiários da gratuidade da justiça. Para ele, o valor da assistência judiciária gratuita, principalmente no âmbito de disputas trabalhistas, na qual há desigualdades materiais entre os litigantes, se presta a garantir o reequilíbrio da relação jurídica material. Assim, os ônus sucumbenciais estabelecidos pela lei 13.467/17 criariam restrições à garantia constitucional, precisamente por esvaziar o interesse econômico do trabalhador de postular judicialmente, já que parte dos ganhos seriam vertidos a terceiros como honorários. No voto divergente, portanto, empreendeu-se a invocação de que a nova legislação importaria em uma barreira legal, a restringir a ampla fruição do direito constitucional do acesso à justiça.
Até aqui, o julgamento estaria empatado, em 1 a 1. É possível supor, por especulação, que a intenção do ministro Fachin tenha sido garantir que a interrupção do julgamento não passasse a impressão para a comunidade jurídica de que o STF, neste primeiro momento, posicionava-se a favor da inovação.
Correta ou não a impressão, o fato é que, após o voto do min. Fachin, outros ministros entenderam adequado proferir algumas rápidas palavras. Assim, o min. Ricardo Levandowski aproveitou para tecer críticas à escola do Direito e Economia, em direta referência ao voto do ministro relator. A plateia, então, se apressou a anotar: 2x1 para a inconstitucionalidade.
Ao que parece, não foi só a audiência que tomou a nota. Em seguida, o ministro Fux retomou a palavra para, rapidamente, defender que a figura da teoria do Direito e Economia visa à análise da norma sob o crivo do princípio da eficiência, sendo consentâneo com a hermenêutica voltada à prevalência das próprias normas jurídicas. Ao fim do rápido aparte, o expectador ansioso já anotara: 2x2. Tudo igual!
Foi quando se ouviu a voz do ministro Gilmar Mendes pedindo para usar a palavra. Para o ministro, a discussão não era apenas de análise econômica do direito, mas de efetiva análise normativa. Segundo mencionou, a figura do abuso de direito é índole jurídica, e não econômica. Toda utopia deve ser dosada com responsabilidade, mencionou, sendo de principiologia legal. Foi o que faltava para nova retificação no bloco de notas: 3x2!
Com alguma frustração, percebeu o expectador que a sessão caminhava para fim. Nenhum outro voto, quase voto, ou aparte seria feito. Na contagem deste aflito observador, ficamos assim: 3 votos a favor da reforma, ainda que modulada pelo voto do min. relator (alocação de incentivos e riscos; princípio da eficiência e prevenção a abusos) contra 2 votos por sua inconstitucionalidade (invalidade de restrições normativas e impossibilidade de utilização da teoria do Direito e Economia para exame da questão).
Agora é aguardar o retorno da vista do min. Fux, o que pode muito se dar apenas em uma outra temporada.
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