Cartas de conforto (“comfort letters”) no âmbito de uma oferta pública de valores mobiliários
Daniela P. Anversa Sampaio Doria*
Fabiana Falcoski Ferreira*
No passado, as normas com relação à emissão de carta de conforto divulgadas por órgãos que regulamentam a profissão de auditoria independente em outros países, como por exemplo, o AICPA nos Estados Unidos da América (American Institute of Certified Public Accountants) através das normas denominadas SAS (Statement on Auditing Standards) Nos. 72 e 76, foram aceitos e reconhecidos pelo Instituto dos Auditores independentes do Brasil (“IBRACON”). Porém, com o crescente número de ofertas públicas no mercado brasileiro, uma norma brasileira se fazia necessária para que houvesse adaptação das normas internacionais às condições e às circunstâncias legais brasileiras. Além disso, não havia normas que regulassem, no Brasil, a consistência dos procedimentos realizados pelos auditores independentes, dos formatos adotados na preparação das cartas de conforto, e dos aspectos relacionados à carta de contratação e às declarações exigidas da administração da companhia emissora para a emissão das cartas de conforto. Em 7 de março de 2006, o IBRACON emitiu a NPA - Normas e Procedimentos de Auditoria - 12 (“NPA <_st13a_metricconverter productid="12”" w:st="on">12”), que estabeleceu os procedimentos que devem ser observados pelos auditores independentes quando da emissão de uma carta de conforto no âmbito de uma oferta pública.
Com o advento da Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003, que reformulou as regras sobre ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, a responsabilidade legal da instituição líder de uma oferta pública, que já existia na regulamentação anterior, foi revista e ampliada. Em seu artigo <_st13a_metricconverter productid="56, a" w:st="on">56, a nova Instrução estabelece que a instituição líder deve assegurar (i) que as informações prestadas pelo ofertante são verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes; e (ii) que o prospecto contém todas as informações necessárias ao conhecimento da Oferta Pública, dos valores mobiliários, da emissora e da situação financeira, alem dos riscos associados à sua atividade e qualquer outras informações relevantes à tomada de decisão pelos investidores. É importante ressaltar que não se pode confundir a responsabilidade da companhia emissora com o dever de diligência de uma instituição líder. Cabe à instituição líder tomar todas as cautelas e agir com elevados padrões de diligência para assegurar que as informações do prospecto sejam consistentes, corretas e suficientes, respondendo pela falta de diligência.
Muitos perguntam o que seria um processo de diligência (due diligence). O processo de diligência deverá ser um procedimento detalhado, rigoroso de investigação, exame e coleta de informações, devendo reunir elementos para evidenciar a independência e extensão da análise. No mercado norte americano, aplica-se o teste de due diligence, através do qual o underwriter deverá reunir os seguintes 4 elementos: (i) o underwriter deve acreditar que as informações prestadas pela companhia emissora (e seu auditor) são verdadeiras; (ii) a existência da premissa de que as informações verdadeiras devem ser razoáveis, baseada em investigação cuidadosa; (iii) uma investigação cuidadosa é aquela que qualquer homem prudente realizaria; e (iv) o underwriter, não pode simplesmente basear-se nas declarações de veracidade e precisão da companhia emissora.
O objetivo da emissão de uma carta de conforto pelo auditor independente é o de auxiliar o underwriter envolvido com a emissão dos valores mobiliários, no seu processo de diligência. Trata-se de um dos procedimentos, dentre vários, que permite ao underwriter atestar que conduziu uma investigação, independente, razoável e cuidadosa. O underwriter possui uma defesa de diligência (diligence defense), através do qual ele pode demonstrar que, após uma diligência razoável, o underwriter não tem razões para acreditar que as informações contidas no prospecto estavam incorretas.
Para que os auditores emitam uma carta de conforto, é necessário que seja celebrada, previamente, uma carta de contratação que definirá claramente as funções e responsabilidades do auditor independente. A carta de contratação é assinada pela companhia emissora, pelo auditor independente e o underwriter, e tem por objetivo limitar a finalidade da carta de conforto à prestação de suporte no processo de due diligence do underwriter. Além disso, a carta de contratação deverá esclarecer que o underwriter é responsável pela definição do escopo do trabalho que o auditor independente executará.
Para fins de emissão da carta de conforto, o auditor independente somente pode expressar conforto sobre determinadas informações financeiras incluídas no prospecto da Oferta Pública na medida que essas informações: (i) forem obtidas diretamente das demonstrações contábeis da entidade auditada ou sujeitas aos procedimentos de revisão consoante as normas de auditoria aplicáveis no Brasil; ou (ii) forem obtidas
A carta de conforto deverá ser datada do dia de início da oferta pública, devendo ser mencionado que os procedimentos descritos nela não cobrem o período entre o “corte” ou “cutoff” e a data de sua emissão, que normalmente não excede a 5 dias. Uma carta de conforto adicional, conhecida como bring-down comfort letter, é usualmente emitida na da data de liquidação da oferta pública, para que o auditor independente ateste que o teor da carta de conforto emitida da data do início da oferta pública permanece verdadeiro, correto e válido na data da liquidação financeira.
Em reunião da Comissão de Finanças Corporativas da ANBID realizada em 14 de junho de <_st13a_metricconverter productid="2006, a" w:st="on">2006, a Comissão de Finanças Corporativas da ANBID manifestou entendimento de que, para o cumprimento da exigência do Código de Auto-Regulação da ANBID para Ofertas Públicas de Distribuição e Aquisição de Valores Mobiliários, que estabelece a obtenção de manifestação escrita acerca das informações financeiras constantes do prospecto da oferta pública pelos auditores independentes, basta a confirmação da consistência das informações prestadas na seção de "análise e discussão da administração das demonstrações financeiras da emissora" do prospecto em comparação às demonstrações financeiras publicadas.
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1Associação Nacional dos Bancos de Investimento.
2Código de Auto-Regulação da ANBID para Ofertas Públicas de Distribuição e Aquisição de Valores Mobiliários define Instituições Participantes, <_st13a_personname productid="em seu Glossário" w:st="on">em seu Glossário, como “as instituições filiadas à ANBID, todos os integrantes do seu conglomerado ou grupo financeiro que estejam autorizados no Brasil a praticar qualquer ato relacionado a ofertas públicas, bem como as instituições que, embora não filiadas à ANBID, expressamente aderirem ao Código de Auto-Regulação por meio da assinatura do competente Termo de Adesão.”
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*Advogadas do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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