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Os investidores são os responsáveis pelo desenvolvimento (in) sustentável da economia? – o ativismo dos acionistas

Esperemos que os investidores possam ser mais ativistas e defensores do futuro das próximas gerações.

26/4/2018

Antes de falar sobre como o mercado de capitais funciona ou, ainda melhor, como ele é disfuncional a ponto de minar a própria economia e ameaçar um desenvolvimento sustentável, vale a pena relembrar as velhas promessas feitas pelo capitalismo para sociedade como um todo.

O capitalismo deveria nos libertar, como diz Charles Handy na obra Hungry Spirit, e ser colocado a serviço dos mais necessitados, no entanto, ao longo dos anos fomos aprisionados por efeitos colaterais involuntários: (i) conseguir o lucro tornou-se a prioridade tanto para as empresas como para os acionistas; (ii) os stakeholders não foram tratados como parte de uma comunidade e nenhum cuidado foi de fato demonstrado para verdadeiramente engajá-los; (iii) os acionistas ainda detém grande poder enquanto aqueles que realmente geram a riqueza, como os trabalhadores, foram deixados de lado; (iv) as corporações, por sua vez, não estão usando seu poder para disseminar conhecimento e distribuir riqueza para aqueles que precisam de uma oportunidade para desenvolver ações que um dia beneficiarão o todo, como Handy enfatiza.

Além disso, (v) nem os investidores nem o público em geral estão cientes de qual é a performance das empresas nos aspectos não financeiros uma vez que não conhecemos a verdade no que diz respeito a relacionamento com clientes, funcionários e o Governo. O fato de tais aspectos não terem sido contemplados nos relatórios financeiros não significa que sejam irrelevantes; pelo contrário: eles são extremamente importantes para fins de avaliação, como veremos a seguir.

Finalmente, (vi) vale a pena mencionar o papel dos bancos: as instituições financeiras podem não estar realizando sabiamente os trade offs - prioridades de curto prazo e novas oportunidades x riscos de longo prazo e ineficiência em pensar sobre o legado para as gerações futuras.

Eu tenho que concordar com Handy quando ele diz que "temos uma conexão patológica com o dinheiro e com a visão de curto prazo". Infelizmente, o lucro é a prioridade e a promessa libertadora não foi cumprida.

A mudança deve emergir daqueles que oferecem exemplos vivos de um uso sustentável da economia. Estamos falando de líderes; não apenas de indivíduos, mas também de organizações que estão genuinamente preocupadas com um propósito maior além de ganhar dinheiro e obter lucros.

Trata-se da procura de um significado e de imprimir uma dimensão de cuidado nas atividades econômicas que engaja, empodera e possibilita oportunidades, serviços e benefícios para os mais necessitados ao mesmo tempo em que gera lucros para a corporação. Essa é a abordagem de valor compartilhado que irá reinventar o capitalismo.

Retomando o comentário original sobre os mercados disfuncionais incapazes de promover o desenvolvimento sustentável, Steve Waygood apresenta uma visão muito clara sobre o assunto explicando como os investidores não estão expressando suas expectativas com relação à demonstração dos resultados empresariais, o que prejudica a evolução do mercado de capitais.

Se eles exercessem esta prerrogativa e exigissem mais transparência no que concerne aos resultados não financeiros, eles poderiam contribuir no fomento de uma cultura inclusiva de valores sustentáveis. O próprio mercado, por seu lado, também é inábil em sinalizar punições ou recompensas para os comportamentos até que os efeitos de ações não justas ou equitativas sejam visíveis nos relatórios, momento em que os investidores poderão adotar alguma atitude.

Paralelamente e colaborando para tal situação, o Governo não intervém como deveria ao promulgar regras que obrigassem a divulgação de aspectos não financeiros das atividades da empresa que poderiam prejudicar o retorno de longo prazo do investidor e o desempenho de longo prazo da empresa.

Esperemos que os investidores possam ser mais ativistas e defensores do futuro das próximas gerações. Se eles pudessem votar nas assembleias gerais com base em informações completas sobre aspectos ambientais, sociais e de governança que afetam os stakeholders talvez as empresas estivessem se portando de forma diversa.
A questão central reside no fato de que todos esses aspectos normalmente não são totalmente divulgados, uma vez que este tipo de transparência não é obrigatória, o que significa que as decisões do investidor eventualmente não estão sendo tomadas com base em premissas verdadeiras.

A PwC publicou uma pesquisa em maio de 2014 ("Sustainability goes mainstream: Insights into investor views") na qual observou que as maiores instituições são as mais propensas a valorizar aspectos de sustentabilidade como parte de suas estratégias de investimento e que a motivação desses investidores era o desejo de mitigar riscos e evitar condutas não éticas.

Interessante notar ainda nesta pesquisa que 2/3 dos entrevistados disseram que seria mais provável que considerassem dados não financeiros quando tomassem suas decisões de investimento se existissem padrões comuns para avaliar a materialidade de questões ambientais ou sociais. Em outras palavras, querem informações melhores e padronizadas das empresas e estão de uma forma geral insatisfeitos com os atuais relatórios sobre dados relacionados à sustentabilidade.

A falta de conhecimento, transparência e padrões comuns entre os players do mercado de capitais é uma fragilidade que inibe o crescimento sustentável.

Os desafios adicionais residem em conseguir o reconhecimento de investidores e empresas de que suas estratégias de longo prazo serão diretamente afetadas pelas questões referentes à sustentabilidade, o que significa dizer que o capital da empresa está hoje em risco.

No entanto, parece que os temas de desenvolvimento sustentável estão começando a influenciar o poder decisório de instituições no que diz respeito à oferta de capital para financiamento e que os investidores despertaram para desempenhar de uma forma mais efetiva o seu dever fiduciário em relação aos ativos sob gestão.

Igualmente importante, porém, é convencer os reguladores de que as obrigações de divulgação de informações atendam ao mercado de capitais e sejam seriamente elaboradas, implementadas e exigidas. Da mesma forma, os legisladores assumem uma grande responsabilidade neste cenário, uma vez que poderiam impor às empresas aquelas mesmas obrigações em todas as dimensões de um negócio, fazendo com que os investidores estivessem em melhores condições de expressar suas decisões.

Eu concordo com a regra de "cumprir ou explicar" como um passo inicial para a transformação que ambicionamos, o que mostra que a intervenção do regulador é realmente necessária no instante em que o mercado demonstra estar impossibilitado de seguir sozinho. Feita de uma forma pontual levaria a uma transparência obrigatória sobre todas as perspectivas da sustentabilidade de um negócio e o endereçamento de todas as externalidades, o que encorajaria o início da busca por algo muito mais significativo do que meramente o lucro.

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*Ana Paula P. Candeloro é professora do Insper.


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