A função da lei não é outra senão modular as condutas sociais, preservando direitos e garantias fundamentais. Por esta razão, não há como manter uma norma jurídica inalterada com o passar dos tempos e diante das mudanças enfrentadas pela sociedade.
Pela legislação trabalhista atual, enquanto as mães têm entre quatro e seis meses garantidos para se dedicar aos filhos recém-nascidos, a maior parte dos pais têm apenas cinco dias.
Esses prazos diversos, onde se concede dias aos pais e meses às mães acabam por criar verdadeira situação de desigualdade em total afronta a princípios balizadores de nossa Constituição.
Esta situação já imprime no subconsciente das crianças - e também da sociedade - a ideia de que quem tem que cuidar é a mãe, enquanto o papel do pai é prover financeiramente. Daí decorrem também as distorções entre homens e mulheres no mercado de trabalho: nas questões como função, salário, cargo ocupado, etc.
A legislação trabalhista também se mostra equivocada para os dias atuais ao distribuir os períodos de licença com base no sexo dos pais, uma vez que diversas famílias são formadas por casais homossexuais ou até mesmo multiparentais.
Conforme artigo 226, parágrafo 4º da CF, a entidade familiar é formada por qualquer dos pais e seus descendentes. O parágrafo 7º do mesmo artigo, fundado na dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, concede aos pais a livre decisão do planejamento familiar.
Casos de crianças frutos de relacionamentos homoafetivos deram origens a processos diversos, sempre com o objetivo de assegurar o período de entrelaçamento familiar pós-nascimento ou adoção.
O Relator Marrey Uint do TJ/SP, ao julgar o Agravo de Instrumento 2209274-48.2015.8.26.0000, reconheceu que a igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Segundo Marrey, "ideal seria um período de licença-parental mais largo para que o casal, tanto o homoafetivo, como para o heteroafetivo, a fim de que pudessem escolher como vão dividir o período de gozo, afastando-se de fórmulas estanques".
Seja em razão da luta pela igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho ou no reconhecimento da corresponsabilidade nos afazeres domésticos e/ou em razão de famílias homoafetivas ou multiparentais, se faz urgente uma alteração das regras que preveem as licenças paternidade e maternidade, substituindo por uma "licença-família", que deve ser igual para todos, independente do sexo, garantindo a isonomia e igualdade de tratamento e, mais do que isso, garantindo a liberdade de decisão no planejamento familiar sem qualquer prejuízo para os filhos.
Em Países como Austrália, Noruega, Suécia e Finlândia, o compartilhamento do período de licença já é uma realidade. Homens e mulheres podem se alternar durante o período de licença como melhor lhes convier sem prejuízo de seus rendimentos.
No Brasil é possível que em caso de adoção (ou guarda conjunta), os responsáveis decidam quem gozará da licença maternidade, independente do sexo.
É essencial, diante da nova realidade das constituições familiares, que se reconheça o direito dos filhos ao convívio com sua família, autorizando aos responsáveis, sejam eles um pai e uma mãe; dois pais; duas mães; ou até mesmo mais do que dois, decidirem quem e por quanto tempo, respeitado o limite legal, ficarão em casa para receber um novo membro.
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*Bruna Esteves Sá é advogada no escritório Esteves Sá Advocacia e Assessoria Jurídica.