Fraudes à licitação pública e o papel do poder legislativo
Renato Poltronieri*
Embora a Lei 8.666/93 (clique aqui), que rege as licitações e os contratos públicos, tenha pecado sobremaneira na organização de seus dispositivos, acabou renovando de certa forma a cultura
Além dos órgãos da administração direta, estão subordinados ao regime dessa lei os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pelo poder público.
Toda essa estrutura normativa e abrangência da lei não garantiram que seus dispositivos fossem plenamente respeitados, bem como não evitou que surgissem desrespeitos e fraudes ao procedimento e princípios licitatórios e às contratações públicas.
Ao longo dos anos, diante das irregularidades e "deslizes" que se tornaram de conhecimento geral, sempre surgem críticas à lei e propostas à sua alteração.
A última dessas propostas – o Projeto de Lei 5440/05 – corre o risco de, se aprovado pelo Congresso, não alcançar seu objetivo de evitar fraudes durante o processo licitatório.
O projeto, já aprovado na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, acrescenta um dispositivo à Lei de Licitações, proibindo que sociedades coligadas participem simultaneamente de licitações. A vedação alcançaria, igualmente, empresas cujos sócios ou cotistas majoritários, ou diretores, sejam as mesmas pessoas ou seus cônjuges ou parentes em primeiro grau.
A simples redação do novo dispositivo que se pretende acrescer ao atual texto da Lei 8.666/93 já merece críticas, pois é amplo e duvidoso, já que não define se simultaneidade se aplica somente a um mesmo procedimento licitatório ou também será impeditivo para diferentes processos e órgãos públicos licitantes, como a redação atual permite se entender.
De toda forma, o propósito do poder legislativo, segundo informa, é garantir a lisura do processo licitatório que muitas vezes seria prejudicada por conluios nas concorrências, proporcionando contratos extremamente prejudiciais e onerosos para a administração pública e o interesse da população em geral.
Várias alterações dessa natureza foram apresentadas ao texto da lei de licitação nos últimos dez anos, algumas sem sucesso legislativo ou prático, especialmente pela falta de aplicação dos dispositivos de punição às infrações que são apuradas contra a lei de licitação.
O texto original da lei traz ampla disposição para cobrar a aplicação da lei e punir seus fraudadores. A punição dos infratores da norma, dentro de sua competência, é que deveria ser o centro da atenção do poder legislativo. A rigor, não são necessárias mais limitações de procedimento nas licitações para atacar situações que já recebem tratamento pela atual redação da lei. Basta que façam respeitar e aplicar os atuais dispositivos da Lei 8.666/93.
Embora toda modificação e aperfeiçoamento do ordenamento jurídico brasileiro sejam bem vindos, especialmente em se tratando de contratos administrativos, custeados por recursos públicos, não é oportuno sempre legislar, em tese, para resolver um problema de conduta (prático). A defesa do interesse público em geral é o objetivo da norma. Propor alterações no texto da lei, sempre que alguma prática irregular é detectada não garante a lisura do procedimento de contratação pública.
O objetivo que se espera alcançar com a alteração do texto da lei de licitação, segundo a justificativa ao Projeto de Lei 5440/05, pode ser atualmente alcançado pela aplicação, prática, do disposto no artigo 89 da Lei 8.666/93 que considera crime frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório.
O intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem nos processos licitatórios não pode ser combatido meramente pelo texto da norma, é necessário que se apliquem as sanções. Somente há lesão aos interesses do poder público quando o resultado do procedimento não se concretiza em uma situação vantajosa para ente administrativo contratante. Assim, em tese, a participação concomitante de sociedades coligadas não gera para elas qualquer benefício em relação às concorrentes ou em relação ao ente público, desde que aplique os dispositivos e princípios licitatórios.
É importante lembrar que a existência de um único licitante, objetivamente, não significa irregularidade no procedimento licitatório. O contexto, as condições do contrato, seu objeto e preço, é que caracterizam ou não a regularidade do ato de contratação. Ao mesmo tempo em que a administração pública precisa adquirir produtos ou serviços essenciais às suas funções ou ao atendimento do interesse público, não pode obrigar a concorrência, mas apenas incentivá-la. Simplesmente por deixar de criar condições para a ampla concorrência ou obtenção das melhores vantagens nos contratos que firma, a administração já desrespeita a lei de licitação.
A falsa concorrência, e as conseqüentes fraudes às licitações e contratos públicos, somente serão combatidas com a apuração e punição exemplar dos envolvidos nas irregularidades, como está atualmente previsto na lei de licitação. O poder legislativo pode e deve colaborar para que isso ocorra, dando o exemplo, especialmente quando tratar de qualquer ato incompatível com a função pública envolvendo seus membros. O "pote de doce" público é o mesmo. No presente momento, a receita para a lisura dos procedimentos licitatórios necessita mais de prática do que de mais ingredientes.
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*Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados
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