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Qual o rumo a tomar?

Se de um lado existe o princípio constitucional de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, de outro foi assentado que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem fundamentada da autoridade judiciária competente.

16/4/2018

No regime do CPP de 1941 a prisão preventiva era obrigatória pelos crimes mais graves. Condenado em primeira instância, o réu tinha que se recolher à prisão para poder apelar. Nos crimes de homicídio, de competência do tribunal do júri, se autoria e materialidade fossem reconhecidas pelo juiz, decretava-se a prisão do réu ao enviar o processo para julgamento pelo júri.

Durante o período de exceção, entre 1964 e 1988, quando se fez necessário socorrer um dos mais notórios personagens à época, o conhecido delegado Sérgio Fleury, membro do chamado Esquadrão da Morte, foi que se flexibilizou o processo penal, eliminando-se a prisão preventiva obrigatória, a prisão por pronúncia no homicídio e a exigência de o réu se recolher à prisão para apelar.

Nessa linha, o constituinte de 1988 estabeleceu no inciso LVII do artigo 5º da Carta Magna que ninguém será considerado culpado sem sentença condenatória transitada em julgado e, no inciso LXI do mesmo artigo, que a prisão pode decorrer do flagrante delito ou de ordem escrita por autoridade competente.

Daí em diante, ou seja, de 1988 a 2009, na aplicação do dispositivo do inciso LVII, juízes e tribunais reconheceram que não se poderia caracterizar o estado de culpa do réu sem o trânsito em julgado da sentença, mas que esse trânsito em julgado não seria necessário para a execução da pena, já findo o exame de mérito.

Em 2009, o STF passou a exigir trânsito em julgado para a execução da pena, permitido que condenados em segunda instância passassem a interpor recursos sabidamente descabidos com o fito de adiar a execução do veredicto condenatório. Tal situação levou o STF, em 2016, embora por escassa maioria, a reverter aquele entendimento, permitindo que réus condenados por tribunal de segunda instância fossem recolhidos à prisão. E é esse o entendimento que, agora e de novo, se pretende revogar.

A nação se vê, pois, frente a um dilema cuja solução pode acelerar sua caminhada em direção ao mundo mais desenvolvido, que privilegia o respeito à ordem pública, a observância da lei e a segurança dos cidadãos, ou permanecer estagnada num ambiente sombrio e inseguro, marcado pela corrupção, pela violência e pela sensação geral de impunidade.

Esse dilema certamente transcende a simples discussão objetiva se a CF deve ser interpretada com maior rigor formal, considerando a frieza do texto normativo, ou de maneira mais flexível, ajustado à realidade temporal, como adotado em grande parte das nações mais avançadas.

Sobrepõe-se ainda a essa discussão a questão ética e moral que se fundamenta nos valores que orientam o comportamento humano em sociedade, e se destinam a estabelecer as bases que guiarão a conduta de cada indivíduo, determinando, assim, seu caráter, seu altruísmo e suas virtudes. Nesse contexto, o julgamento do STF no tocante à possibilidade ou não de início de cumprimento de pena depois de esgotados os trâmites na segunda instância, face ao princípio da presunção de inocência contido no art. 5º da CF, fatalmente trará em seu bojo essa questão.

Mas, se de um lado existe o princípio constitucional de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, de outro foi assentado que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem fundamentada da autoridade judiciária competente, princípio este fortemente invocado para fundamentar a decisão do STF que prevalece desde 2016.

É certo que a possibilidade de início de cumprimento de pena depois de esgotados os trâmites na segunda instância tem-se mostrado como medida importante e efetiva no combate à corrupção e à criminalidade em geral, sendo de se temer, justificadamente, que a reversão de tal decisão possa colocar em cheque a eficácia do sistema penal em razão da morosidade da justiça e do risco de prescrição das penas.

Não se pode desconhecer, por outro lado, a preocupação com a defesa dos direitos humanos frente à realidade de um sistema prisional obsoleto e caótico que afronta a dignidade do indivíduo no cumprimento de sua pena, o que, contudo, não pode servir para obstar a administração da justiça, em prol de toda a sociedade.

E permeando todas essas questões é imprescindível ter presente o sentimento social que hoje enfaticamente reclama das autoridades o combate efetivo à corrupção e a solução imediata do problema da violência urbana que atingiu níveis inimagináveis.

Se razão houve para a decisão tomada em 2016, que restabeleceu a prática vigente anteriormente a 2009, e tendo permanecido inalterado o texto constitucional desde sua promulgação em 1988, por via de consequência é de se concluir que a interpretação mais elástica da Carta Magna é perfeitamente admitida.

Por tudo isso, impõe-se que os ministros do STF, ainda que se vejam eventualmente forçados a abrir mão de convicções técnicas pessoais, tenham um olhar mais alargado e republicano no julgamento dessa grave e crucial questão constitucional, que será determinante para orientar os rumos do país, tanto no seu desenvolvimento econômico e social, quanto na consolidação de princípios éticos e morais que serão seguidos pelas futuras gerações.

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*Antônio Fernando Guimarães Pinheiro é sócio-fundador do escritório Pinheiro, Mourão, Raso e Araújo Filho Advogados.

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