Natureza e Proteção jurídica dos websites no Direito brasileiro
Felipe Costa Fontes*
1 – Introdução
A revolução digital causou, entretanto, um grande impacto no paradigma social antes vigente, transformando toda uma estrutura funcional existente com a inserção, por exemplo, do uso do correio eletrônico, das compras on-line, das negociações via Internet, entre outros.
Todos os setores da sociedade, inclusive o Direito, sentiram essas alterações trazidas pela revolução acima mencionada, tendo que perseguí-las. Todavia, o setor tecnológico evolui dez vezes mais rápido do que os demais, dificultando, dessa forma, esse processo de acompanhamento e adequação.
No Brasil não é diferente, a legislação pátria e a proteção jurídica dada aos bens de Tecnologia da Informação, ainda, é muito escassa, e aliada às novidades e às inovações que a área emerge, usualmente, para nós, operadores do Direito, geram uma polêmica enorme dentro da comunidade.
Esse breve intróito traça o panorama jurídico atual referente à discussão existente na doutrina brasileira sobre a natureza jurídica e conseqüente proteção legal cabível para essas “invenções”, “obras intelectuais”, “programas de computador” ou, até, “obras multimídias”, pois não temos qualquer dispositivo legal específico que caracterize e proteja o website.
2 – Natureza jurídica e proteção do website
2.1. Website como invenção
Alguns doutrinadores acreditam e defendem que o website tenha a natureza jurídica de invenção, passível de patenteamento no Direito Brasileiro, entretanto, essa tese não é aceita pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) – órgão responsável pelo registro de marcas, patentes e programas de computador no Brasil – por faltar-lhe os pressupostos e os requisitos para a sua caracterização como invenção.
Invenção, de acordo com o INPI, é uma concepção resultante do exercício da capacidade de criação do homem, que represente uma solução para um problema técnico específico dentro de um determinado campo tecnológico e que possa ser fabricado ou utilizado industrialmente. "A invenção resulta do trabalho intelectual do seu criador. Trata-se de algo íntimo imaterial e personalíssimo, próprio do criador, que antecede ao invento, o produto acabado da invenção" (Domingues).
As invenções decorrem de forma mediata ou imediata das descobertas.
As patentes de invenção e de modelo de utilidade, assim consideradas, quando não incidentes nas exceções previstas nos Arts. 10 e 18 da Lei de Propriedade Industrial (LPI)1, que definem, expressamente, os objetos e atos que não são patentes e os que não são suscetíveis de patenteamento, devem atender aos requisitos de exigência de:
* Novidade: O Art.11 da LPI explicita que são novas as invenções não compreendidas pelo estado da técnica. O estado da técnica é definido como sendo constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior;
* Utilização ou aplicação industrial: O Art. 15 da LPI define expressamente o termo "suscetíveis de aplicação industrial" para o patenteamento das invenções ou criações. Por sua vez a Convenção da União de Paris (CUP), em seu Art 1º, estabelece que a Propriedade Industrial deve ser entendida na sua acepção mais ampla, aplicando-se não só à indústria propriamente dita, mas também às indústrias agrícolas e extrativas e a todos os produtos manufaturados e naturais. O termo indústria deve ser compreendido, pois, como incluindo qualquer atividade física de caráter técnico, isto é, uma atividade que pertença ao campo prático e útil, distinto do campo artístico. e
A invenção deve, portanto, pertencer ao domínio das realizações, ou seja, deve se reportar a uma concepção operável na indústria, e não a um princípio abstrato. Assim, uma invenção será considerada como suscetível de aplicação industrial se o seu objeto for passível de ser fabricado ou utilizado em qualquer tipo de indústria.
* Suficiência descritiva: O requisito de suficiência descritiva obriga que a invenção ou criação deva ser descrita de forma perfeitamente clara e completa de modo a permitir sua reprodução por um técnico no assunto. O Art. 24 da LPI, na Patente de Invenção, impõe que o objeto do pedido de patente seja descrito suficientemente de modo a possibilitar sua realização por um técnico no assunto.
Dado o exposto, acreditamos que o website não é e nem pode ser considerado uma invenção que possa ser patenteada no Brasil, pois foge, completamente, ao conceito de invenção e não preenche, absolutamente, o principal requisito para a concessão de uma patente que é o da novidade, devendo ser esta hipótese rechaçada pela parcela doutrinária que defende esta tese.
Para ratificar o raciocínio, podemos suscitar o recente caso da gigante Amazon que, infrutiferamente, tentou patentear, no Brasil, a tecnologia do 1click buy sob a alegação de se tratar de uma invenção e, assim sendo, ingressou com o pedido de concessão de patente, o qual foi negado pelo INPI.
2.2. Website como obra literária
Outro posicionamento defendido pelos juristas ”cibernéticos” é o de considerar o website uma obra intelectual protegida pelo direito autoral e sob a égide da Lei 9.610/98, Lei de Direitos Autorais - LDA, que em seu artigo 7º dispõe:
“São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro...”
O órgão responsável pelo registro das obras intelectuais é a Biblioteca Pública Nacional, onde o titular da obra a ser registrada tem que levá-la impressa e realizar uma série de procedimentos necessários a consecução do referido registro, ficando, assim, a sua obra mais protegida de eventuais contrafações causadas por terceiros.
Entenda-se por contrafação a reprodução não autorizada do conteúdo ou da forma de uma obra intelectual. A contrafação (reprodução não autorizada - art. 5, VII da LDA), caracteriza a violação de direito autoral, como ilícito civil e penal passível de punição.
Ocorre, todavia, que o autor tem sua obra protegida pelos direitos autorais, de acordo com o artigo 18 da LDA, independentemente, de registro, este não é elemento essencial da proteção. O titular da obra pode, mas não é obrigado a levar a registro sua criação. O registro é apenas uma forma de pré-constituir prova de originalidade ou de identidade de uma obra. Mesmo assim, caracteriza-se como prova juris tantum, ou seja, de eficácia relativa, capaz de ser contraditada por outra evidência de maior peso.
Dessa forma, podemos afirmar que o registro do website como obra intelectual na Biblioteca Pública Nacional, como mais uma forma de proteção dos direitos de autor pela falta de legislação e definição específica sobre a matéria, é uma possibilidade aceitável para fortalecer ainda mais os meios de prova em um eventual litígio apesar de aumentar os custos do titular deste e, concomitantemente, de não acreditarmos que o website seja apenas uma obra intelectual protegida pelo direito autoral.
A doutrina predominante no Direito da Tecnologia da Informação Brasileiro defende a tese de que o website é um programa de computador, ou seja, um software, assim sendo, este é protegido pela Lei 9.609/98, Lei de Software, e, subsidiariamente, pela Lei 9.610/98, Lei de Direitos Autorais, como obra intelectual também, de acordo com o já referido artigo 7º, XII, da LDA.
A definição de programa de computador é dada pelo artigo 1º da Lei de Software:
“Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza,de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-lo funcionar de modo e para fins determinados.”
Como podemos notar, a definição contida no dispositivo legal acima mencionado é aplicável ao website pois em nenhum momento o referido comando normativo menciona um conjunto de caracteres em linguagem de programação, mas sim “um conjunto organizado de instruções...”, o que vem a englobar o HTML, ou seja, a linguagem (de formatação textual) utilizada, em sua grande maioria, para se desenvolver um website.
Esse é o posicionamento defendido pela maior parte dos jurisconsultos brasileiros e a tese mais aceita, atualmente, na seara do Direito da Tecnologia da Informação.
2.3. Website como programa de computador
Existe, todavia, um posicionamento bastante interessante, porém, ainda questionado pela doutrina, que defende a idéia de que o website é uma obra multimídia, ou seja, que, muitas vezes, tem a natureza jurídica tanto de programa de computador como de obra literária, sendo regido tanto pela Lei do software como pela LDA.
Podemos citar um exemplo que é um famigerado website jurídico, o jus navigandi, que exerce tanto a função de periódico, obra literária regida pela LDA, como a de programa de computador por possuir todos os elementos caracterizadores deste e, assim sendo é regido pela Lei do software.
Essa tese defendida por alguns jurisconsultos, como os ilustres Renato Opice Blum e Rodrigo Colares, traz uma série de conseqüências jurídicas sobre o website, pois este terá, concomitantemente, a proteção da LDA como da Lei do software, sem haver prevalência de uma sobre a outra (não há subsidiariedade).
Dessa forma, haverá a aplicação de todos os princípios e regras inerentes a estas duas categorias jurídicas para o website, um exemplo claro dessa assertiva é a ampliação dos direitos morais do desenvolvedor de website, que se fosse considerado apenas um programa de computador seria restrita, todavia, como uma obra multimídia terá aplicação de todos os direitos morais previstos na LDA.
Acreditamos ser esse pensamento, adotado por parte dos cyberlawyers, muito interessante, entrementes, como já mencionado, não é pacífico entre os estudiosos do Direito da Tecnologia da Informação, necessitando, dessa forma, um maior aprofundamento científico e um aumento das discussões e debates sobre esse tema palpitante do Direito Cibernético.
3 – Conclusão
Entretanto, toda situação nova, nunca antes vislumbrada e vivida, que se torna comum e passa a ser regra na sociedade, após a euforia inicial, traz o ônus e o peso da mudança.
Para isso que o Direito existe, ou seja, para regulamentar ou organizar os fatos sociais com o fito de garantir a harmonia social, evitando os conflitos entre as pessoas. Foi o que tentamos demonstrar no presente estudo, todavia sem o intuito de exaurir o tema face à sua amplitude.
A criação e inserção de uma nova tecnologia, no caso o website, e as conseqüências trazidas por esta, assim como a proteção jurídica conferida pelo Direito, foi o alvo de nossa pesquisa e tentativa de exposição da forma mais clara e pragmática possível.
As grandes discussões e incursões, a devida caracterização e adequada proteção do website, como um novo instituto ou bem jurídico, no panorama atual do Direito Brasileiro são temas bastante interessantes e efervescentes devido à sua importância para a área de Tecnologia da Informação, assim como para o Direito.
4 – Bibliografia
a. Lei de Propriedade Industrial – Lei nº 9.279/96
b. Lei do Software – Lei nº 9.609/98
c. Lei de Direitos Autorais – Lei nº 9.610/98
d. Site do Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI – www.inpi.gov.br
e. Lista de discussões “cyberlawyers” – www.cyberlawyers.yahoogrupos.com.br
f. World Intellectual Property Organization – WIPO - https://www.wipo.org/about-ip/en/index.html?wipo_content_frame=/about-ip/en/copyright.html
g.
h. World Intellectual Property Organization – WIPO - https://www.wipo.org/about-ip/en/index.html?wipo_content_frame=/about-ip/en/copyright.html
i. US Copyright Office - https://www.loc.gov/copyright
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1 Lei nº 9.279/96.
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* Advogado do escritório Martorelli Advogados
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