Tanto o cinema como a literatura puderam mostrar, diversas vezes, paralelos entre advogados e figuras divinas, ou até mesmo diabólicas. Vistos pela sociedade ora como heróis, ora como vilões, advogados exibem-se ao público nos trejeitos, na oratória e no vestir como personagens diferentes das demais pessoas.
Essa aura do bem, muitas vezes do mal, não pode transmudar-se em comportamentos descompassados da realidade simples da prestação de um serviço, bem como do dever de zelar, de modo primordial, pelos interesses do cliente. Em singelas palavras, a imagem criada em volta do advogado não pode lhe cegar os olhos, levando-o a pôr de lado a fiel missão de defender aquele que lhe confiou o patrocínio de uma causa.
Nem sucesso, nem fracasso apresentam-se aptos a nublar a visão límpida sobre qual papel desempenhamos no nosso ofício. Cumpre-nos dedicação a quem nos contrata e técnica no exercício da profissão. Advogados nada prometem além de usar todos os meios legítimos para justificar a razão que seu constituinte tem. Para isso, há de o ouvir, de o compreender nas suas circunstâncias, entender a causalidade dos fatos, compreender o direito em jogo e desenhar estratégia que o cliente consiga assimilar as etapas a serem ultrapassadas.
Esse limite de ação — usar todos os meios legítimos à proteção dos interesses do cliente — precisa de ser manifestado, de forma sincera, ao próprio cliente, vez ou outra, à família deste. Lidar com derrotas e frustrações a expectativas surge, pois, como tarefa acessória de quem sobrevive ao campo das batalhas judiciais.
Neste iniciar do ano judiciário, parece importante reafirmar essas obviedades, com o fito de aclarar as perspectivas do jovem advogado, em especial, do jovem criminalista. Não se percam na imagem, fixem-se na missão e no dom que o destino lhes proporcionou: saber defender, ter talento para trazer justiça à vida.
Enfim, em 2018, não nos afastemos do foco. Somos médicos, não curandeiros. Não intermediamos milagres, não conversamos com espíritos, não curamos pela fé. Para nosso dia a dia, o sobrenatural não subsiste, muito menos nos tribunais superiores. Quem crê na própria paranormalidade, como profissional do Direito, engana a si mesmo, ou pior, engana clientes ao cobrar pelo inexistente.
Deus protege os bons, eu prefiro acreditar.
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*Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo é sócio do escritório Moraes Pitombo Advogados, mestre e doutor em Direito Penal (USP) e pós-doutor no Ius Gentium Coninbrigae (Universidade de Coimbra).