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Breves considerações sobre o sigilo bancário no Brasil

Os direitos civis ou individuais dos correntistas devem ser mais respeitados em face dos interesses do Estado.

15/1/2018

O sigilo bancário é um assunto sobre o qual há necessariamente palpitantes debates no cenário jurídico. As divergências existentes apresentam grande relevância, pois o que está em discussão é o direito à intimidade, um direito fundamental dos cidadãos.

Desde logo, cumpre enfatizar que o sigilo bancário não tem uma proteção autônoma na Constituição brasileira. É, com efeito, um desdobramento do direito à privacidade (art. 5º, X). Contudo, não é um direito absoluto e deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da Justiça. Certo é também que ele deve ceder com observância do principio da razoabilidade (STF, RE 219.780, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ, 10 set. 1999, p. 23, JUIS, n. 19).

Quanto ao mais, a praticidade da quebra do sigilo bancário deve ser justificada, eis que o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese segundo a qual não é a hipótese de, para a localização de bens a serem penhorados, oficiar ao Banco Central, cuidando se apenas de situações especiais, nas quais se evidencie relevante interesse da administração da Justiça (AgRg no AgI 469.275-DF, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 25-2-2003, DJU, 28 abr. 2003, RT, 818: 185-6, dez. 2003).

O STJ, no REsp 115.063/DF, entendeu a quebra do sigilo bancário como medida excepcional e determinada pelo Judiciário, mas não pelo Fisco em processo administrativo. Contudo, recentemente, o Supremo Tribunal Federal examinou a constitucionalidade da lei que cuida do sigilo bancário (Lei Complementar 105 de 2001) no julgamento de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade de relatoria do ministro Dias Toffoli (ADIs 2.310, 2.397, 2.386 e 2.859) e um Recurso Extraordinário de relatoria do ministro Edson Fachin, com repercussão geral reconhecida (RE 601.314). Nesses julgados, o STF declarou a constitucionalidade da lei e reconheceu a prerrogativa da Administração Tributária para requisitar diretamente às instituições financeiras os dados bancários de seus correntistas a fim de cobrar-lhes tributos.

Obviamente, a decisão do STF não pôs fim ao sigilo bancário. Todavia, reconheceu o fim desse direito frente ao Fisco. Ainda assim, permanece o dever de guarda e sigilo em relação aos dados obtidos, nos termos do parágrafo único do artigo 6º da LC 105/01. Por isso, afirmou-se, no julgamento, que o sigilo não seria, de fato, "quebrado", mas "transferido" ao Fisco, com o compromisso de mantê-lo.

Deveras, a LC 105/01 dispõe que o sigilo bancário pode ser quebrado por determinação judicial (art. 3º), por determinação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (art. 4º) ou por agentes fiscais tributários (art. 6º). Essas hipóteses têm dupla finalidade: repressão ao crime organizado, incluindo lavagem de dinheiro e tráfico de drogas; bem como coibir delitos contra a ordem tributária e previdência social.

Antes da quebra, todavia, é salutar invocar a proporcionalidade: um sopesamento entre os interesses individuais e o interesse público, é dizer, um exame necessário da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito da medida.

São dois momentos. Primeiro, faz-se um juízo abstrato de proporcionalidade quanto à própria decisão legislativa. Quer-se saber se a norma reguladora do sigilo bancário impõe medidas adequadas e necessárias ao interesse do Fisco sem restrição excessiva aos direitos dos contribuintes. Posteriormente, faz-se um juízo concreto de proporcionalidade quanto à pertinência da quebra ou do uso das informações no caso concreto1.

Duas principais correntes doutrinárias debatem o assunto. Por um lado, a quebra do sigilo bancário pode ser determinada pelo Poder Judiciário e por uma CPI, que, nos termos do art. 58, § 3º, da CF/88 possui poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Todavia, em relação aos agentes fiscais ou quaisquer outros do Poder Executivo, a conclusão não pode ser a mesma.2 Ou ainda, a quebra não pode ser feita por quem não tem o dever de imparcialidade, pois se trata de direito com status constitucional.3

Noutra banda, o art. 37 da CF/88 impõe à Administração Pública os princípios da impessoalidade (ou finalidade) e da moralidade, o que implica na sua imparcialidade.4 Sob esta ótica, a quebra do sigilo bancário pode ser determinada pela Administração Pública.

Ante o exposto, no Brasil o direito ao sigilo bancário não é absoluto, pois cede aos imperativos do interesse público, da ordem pública, do interesse social e da Justiça. Preocupa-nos, entretanto, o recente posicionamento do STF (que não declarou o fim do sigilo bancário, mas reconheceu o fim desse direito em relação ao Fisco), eis que o sigilo bancário se coloca no rol dos chamados direitos civis ou individuais, cuja razão de existir consiste exatamente em opor limites à atuação do Estado perante o indivíduo.

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1 MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar. Sigilo bancário, direito de autodeterminação sobre informações e principio da proporcionalidade. IOB - repertório de jurisprudência: tributário e constitucional. N. 24, dezembro de 1992, p. 437.

2 ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes, Curso de Direito Constitucional, 20ª ed. rev. atual. até a EC 90 de 15 de setembro de 2015, Editora Verbatim, São Paulo, 2016, p. 202.

3 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sigilo bancário e tributário. Scientia Iurídica: revista de direito comparado português e brasileiro, n 290, v. 50, Braga, maio/agosto de 2001, p. 54.

4 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. O sigilo bancário e o Fisco (uma análise constitucional, IOB – repertório de jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo, n. 15, São Paulo, agosto de 2001, p. 446.

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*Reinaldo Marques da Silva é doutorando em Direito e Ciências Sociais, mestrando em Direito Comparado, especialista em Direito Tributário e servidor público em São Paulo.

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