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Suspensão do indulto natalino

O que é de competência privativa do presidente da República não cabe à autoridade de outro poder se imiscuir para rever, validar ou cassar, no todo ou em parte, o indulto concedido.

9/1/2018

Seguindo a velha tradição brasileira o presidente Michel Temer concedeu, por decreto, o indulto de final de ano aos condenados por diferentes crimes. É oportuno lembrar que o indulto configura uma norma geral e abstrata a ser aplicada àqueles que preencherem os requisitos previstos no decreto presidencial.

Entretanto, a Procuradoria-Geral da República ingressou com ADIn – contra o decreto de indulto natalino, sob o fundamento de que beneficiaria condenados por corrupção, como que enxergando na medida presidencial uma ação contra a operação Lava Jato.

Levada pela linguagem mais emotiva do que técnica, a ministra presidente do STF concedeu a medida liminar suspendendo parcialmente o indulto concedido pelo chefe de governo, abrindo um grave precedente histórico. Isso é fruto do ativismo judicial, por sua vez, resultado da excessiva judicialização da política, não raras vezes, provocada pelos membros do Congresso Nacional derrotados nas democráticas votações das comissões técnicas ou do plenário. Isso é muito ruim para a democracia, à medida que transfere para onze ministros do STF, que sequer são eleitos pelo povo, questões políticas que deveriam ser resolvidas por 513 representantes do povo. Além disso, esse ativismo judicial afronta o princípio da separação dos poderes, cada vez menos observado, apesar de inserido no texto constitucional em nível de cláusula pétrea.

No caso sob comento foi a procuradora geral da República quem requereu a suspensão do indulto, mas com a preocupação voltada exclusivamente no combate sem trégua à corrupção que campeia por esse Brasil a fora, apesar do esforço ingente e meritório dos incansáveis componentes da operação Lava Jato.

Com o deferimento parcial da liminar pleiteada na ADIn vozes se levantaram. Uns pró, outros contra. Um dos procuradores que atua na Lava Jato chegou a comentar que o decreto presidencial configurava um "auto indulto" esforçando-se para demonstrar a sua supina ignorância. Não há, nem pode haver indulto preventivo! Outros enxergaram no indulto um balde de água fria em cima da operação Lava Jato. Enfim, a matéria deixou de ser tratada tecnicamente, como deveria ser, descambando-se para o demagógico campo do populismo, aonde se destacam pessoas de posturas messiânicas.

Esquecem que o indulto se insere no âmbito da competência privativa do presidente da República, ao teor do inciso XII, do art. 84 da CF:

"Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
...

XII – conceder indulto e comutar penas com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei".

Ora, o que é de competência privativa do presidente da República não cabe à autoridade de outro poder se imiscuir para rever, validar ou cassar, no todo ou em parte, o indulto concedido.

Ouvido o órgão competente, cabe igualmente ao presidente fixar os critérios genéricos para indultar os condenados. Não há parâmetro legal decorrente do art. 84, XII da CF. O presidente só não pode indultar os condenados por crimes inafiançáveis e imprescritíveis como decorrência de vedação constitucional.

Em sucessivos governos sempre houve o indulto natalino, variando os critérios para fruição do benefício, principalmente, no que tange ao requisito do cumprimento mínimo das penas pelos condenados. Nunca sofreram impugnações por quem quer que seja. Esta é a primeira vez que uma autoridade judiciária interfere na matéria sob reserva da autoridade do chefe de governo, o que afasta, ipso facto, a ingerência de qualquer outra autoridade constituída.

Se a suspensão tivesse sido motivada por vícios formais até seria compreensível. Mas não. A cassação parcial da medida presidencial invalidou o mérito do ato, questionando os critérios previstos no decreto presidencial como que fazendo coro à grita popular que quer ver o corrupto na cadeia a qualquer preço e de qualquer maneira. Respeito às leis é o que menos importa! Afinal pimenta nos olhos dos outros pode ser visto como um colírio. Em tempos de emoção que tomou conta do país, o juiz é a única pessoa que deve manter distância e neutralidade, para fazer atuar a vontade concreta da lei, escoimada dos vícios que contaminam a vontade popular.

Tempos estranhos estamos vivenciando em meio a uma grave crise político-institucional retroalimentada.
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*Kiyoshi Harada é especialista em Direito Tributário pela USP. Advogado da banca Harada Advogados Associados.


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