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Enfim as cotas preferenciais

A autoridade registral vem agora, por uma tímida inserção no manual das limitadas sujeitas às regras da lei acionária, a possibilidade de cotas preferenciais, retrocedendo, em boa hora, do entendimento anterior, abusivo e sem nenhuma base legal, expresso na IN 10/13.

5/1/2018

Em 2 de maio de 2017 entrou em vigor a IN 38 do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) que trouxe um extenso trato regulamentar sobre o registro de sociedades comerciais ou empresarias.

Neste volumoso edito, muito extenso em previsões e exigências, que tanto refletem a insidiosa vocação burocrática da nossa ordem jurídica temos ali no item 1.4 II alínea "b" a previsão de "quotas preferenciais" especificamente para as sociedades limitadas que escolham expressamente por se submeter supletivamente às normas da lei acionária.

Como já tivemos ocasião de expressar neste boletim jurídico as limitadas que tem a opção de escolher por se subordinarem nas lacunas do seu contrato/estatuto as regras da lei acionária se eximem de ter aquela mesma submissão genérica, no dizer da lei, ás disposições sobre as sociedades simples.

Essa é a única interpretação lógica e consistente do artigo 1053 do Código Civil e seu parágrafo único, pois se no "caput" consagra-se como aplicável ás limitadas as normas sobre a sociedade simples ali no código expressas, no parágrafo que se segue afirma-se que os sócios da limitada podem optar por eleger como supletivas ao contrato social as normas da lei acionária. E a Lei Complementar 95/98 cumprindo o artigo 59 da Constituição estabeleceu normas para "elaboração, redação, alteração e consolidação" das leis-(e certamente o Código Civil de 2002 a tal deve ter respeitado) e então dita às claras do artigo 11 III item "c" alínea "a" que as disposições normativas para obterem ordem lógica devem expressar nos parágrafos a cada artigo "aspectos complementares à norma do caput e AS EXCEÇÔES Á REGRA POR ELE(CAPUT) ESTABELECIDA". Mais claro não pode ser.

Pois bem, a autoridade registral vem agora, por uma tímida inserção no manual das limitadas sujeitas às regras da lei acionária, a possibilidade de cotas preferenciais, retrocedendo, em boa hora, do entendimento anterior, abusivo e sem nenhuma base legal, expresso na IN 10/13, que negava o registro a disposições que contemplassem as cotas preferenciais. Esquece-se com frequência, nas hostes da burocracia estatal, que, ao contrário do princípio vigente no direito público, no direito privado tudo o que não sofrer vedação, ou em norma expressa, ou em princípio claro, é permitido.

Assim, as cotas privilegiadas haverão de ter no ato societário que as criar, as mesmas preferências elencadas no artigo 17 da lei acionária: (a)dividendo prioritário fixo ou mínimo(b)prioridade no reembolso de capital, com ou sem prêmio, ou as duas vantagens acima, e ainda outras eventuais vantagens apenas se acaso houver restrição ou vedação ao direito de voto (artigo 17 Parágrafo 2º da lei 6.404)

Ficando aplicável também o $ 5º do mesmo artigo 17 que possibilita ao contrato social/estatuto da limitada excluir ou restringir as cotas preferenciais com dividendo fixo quanto ao direito de participar dos aumentos de capital mediante incorporação de lucros ou reservas, assim como o ato societário pode garantir a eleição por voto em separado, de um ou mais membros representantes dos preferencialistas(artigo 18). Naquela possível restrição na participação dos aumentos capitalizados por lucros ou reservas devem ficar bem atentos os cotistas preferenciais, a ver se o existente dividendo fixo tem dimensão capaz de compensar a perda de posição no capital da empresa

E isto porque sendo regente a lei 6.404 é necessária previsão estatutária (ou no contrato social na limitada) para que o credor do dividendo prioritário o tenha como cumulativo e se fixo o dividendo também não concorre nos lucros remanescentes à falta de previsão expressa (artigo 17 Parágrafo 5º da lei 6.404).

E assim como nas anônimas, as vantagens e preferências acima devem ser esclarecidas no contrato social/estatuto, assim como as restrições (inclusive a de voto) e também as condições de regate, amortização e mesmo conversão de cotas preferenciais em ordinárias ou de uma classe a outra.

Temos aí mais um passo em facilitar a capitalização das limitadas. Estas são um tipo intermédio de empresa no direito brasileiro—tal como acontece em várias ordens jurídicas no mundo ocidental—que não necessariamente passa a se revestir de qualidade de sociedade de pessoa, por oposição a típica sociedade de capital como é a sociedade anônima.

Na verdade, o Código Civil atual permitiu que de algum modo as limitadas se assemelhem às sociedades bem personalizadas, como as simples, enquanto também admitiu que os sócios optem por assemelhá-las até em sua lei supletiva, às sociedades anônimas, onde o acesso maior a fontes de capitalização representa só uma das vantagens.

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*João Luiz Coelho da Rocha é advogado sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados e professor de Direito da PUC-RJ.

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