O Governador do Rio de Janeiro sancionou a lei 7.753, de 17 de outubro de 2017, que dispõe sobre a obrigatoriedade de instituição de Programa de Integridade nas empresas que contratarem com o Poder Público fluminense. Além de impor às contratantes a adoção do referido Programa, estabelece uma série de medidas que visam proteger a Administração direta, indireta e fundacional contra prejuízos financeiros, dificultar a corrupção, conferir maior transparência aos processos e aperfeiçoar as licitações.
A nova lei está inserida em um contexto de esforço legislativo para incentivar a adoção de medidas de integridade, sobretudo após a edição da lei 12.846/13 e sua regulamentação. Além da legislação já existente, tramitam perante o Senado e na Câmara dos Deputados alguns projetos de lei, dentre os quais destacam-se o PLS 60/17, o PLS 435/16, o PL 7149/17 e o PLP 303/16. Identificam-se também proposições de alteração legislativa promovidas pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA).
A lei estadual 7.753/16 revela iniciativa mais ambiciosa do que as demais em curso, uma vez que, no geral, os projetos tão somente incentivam a adoção de Programas de Integridade ou restringem sua implantação obrigatória para contratações de grande porte. A legislação estrangeira também incentiva a adoção do Compliance, mas não costuma torná-la obrigatória.
Já a nova lei determina que a adesão ao Compliance passará a ser obrigatória nos contratos firmados com o Poder Público em todo o estado do Rio de Janeiro desde que ultrapassem os limites hoje previstos na lei 8.666/93 para determinar a modalidade de contratação via concorrência — R$ 650 mil (para compras e serviços), ou R$ 1,5 milhão (para obras e serviços de engenharia).
Em linha com as orientações propostas pela ENCCLA, notadamente na Ação 5 de 2016, parece-nos que a nova normativa estadual já seria vanguardista se impusesse a obrigação da implantação do Programa de Integridade às contratações de grande vulto. Ao sujeitar inclusive as contratantes de menor vulto, a boa intenção do legislador talvez se traduza em maior oneração dos contratos públicos e no assoberbamento demasiado da já falha fiscalização contratual no estado, quiçá até inviabilizando os resultados pretendidos. Para que se tenha uma ideia, no âmbito das reuniões da ENCCLA, decidiu-se priorizar o incentivo à alteração legislativa para tornar obrigatória a adoção de Programas de Integridade em contratações públicas de valor superior a R$ 30 milhões. No Rio de Janeiro, como vimos, empresas contratadas para vendas ou serviços a partir de R$ 650 mil já deverão, obrigatoriamente, implementar Programa de Integridade.
Por outro lado, ao sancionar a lei, o Governador acertou em vetar os ilegais dispositivos vindouros da ALERJ que obrigavam a implementação de Programa de Integridade pelas empresas cujos contratos já estivessem em curso quando da publicação da lei.
No mais, chama a atenção o fato de o estado do Rio de Janeiro optar por se diferenciar da legislação federal em um ponto tão primordial quanto a integridade e a transparência das relações entre o poder público e o setor privado. Isso porque o art. 4º da nova lei distingue-se do art. 42 do decreto 8.420/15, que regulamenta a Lei Anticorrupção, em apenas um inciso.
Dentre todos os 16 incisos estabelecidos no art. 42 do referido decreto, a lei fluminense não contempla apenas aquele que se refere ao dever de transparência das pessoas jurídicas quanto às doações para candidatos e partidos políticos. Em substituição, prevê que "ações comprovadas de promoção da cultura ética e de integridade por meio de palestras, seminários, workshops, debates e eventos da mesma natureza". Trata-se de um inciso inovador. Apesar disso, não justifica a falta daquele previsto no Decreto 8.420/15, tão de acordo com as boas práticas já reconhecidas pela regulamentação da lei 12.846/13 na esfera federal.
De se destacar, ainda, talvez um dos pontos mais significativos deste projeto, que é a previsão de penalidade pecuniária caso o Programa não seja implementado nos termos da lei, com possibilidade, inclusive, de retenção de parte dos pagamentos devidos ao contratado e a exclusão do certame, além da impossibilidade de contratar até a regulamentação da situação.
Sem ignorar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é errática na verificação da constitucionalidade de normas de licitações e contratos editadas por estados e municípios, é fundado o risco de que mencionadas previsões sejam tidas por inconstitucionais caso se entenda que houve invasão de competência da União.
Por fim, destaca-se que a lei entrará em vigor dia 17 de novembro de 2017. A partir dessa data, as empresas que vierem contratar com o estado ou suas fundações nos termos previstos no artigo 1º deverão implementar o Programa de Integridade em até 180 dias após a celebração do contrato, independentemente da complexidade e duração das avenças. Sendo assim, é chegada a hora das empresas que pretendem negociar com o estado do Rio de Janeiro se prepararem e se adequarem às novas exigências.
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*Maís Moreno é sócia do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.
*Mariana Magalhães Avelar é sócia do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.
*Rodrigo Bortolini é colaborador do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.