Para que o mérito do recurso seja apreciado, antes deverá o meio de impugnação preencher os requisitos atinentes ao juízo de admissibilidade, dentre os quais a tempestividade. Como se sabe, o juízo de admissibilidade dos Recursos Especial e Extraordinário serão realizados em dois momentos distintos, primeiro pelo juízo a quo, quando da interposição do recurso (CPC, art. 1.030, V), e segundo pelo juízo ad quem, antes do julgamento do mérito. Já no Agravo em Recurso Especial e em Recurso Extraordinário a admissibilidade será realizada apenas pelo juízo ad quem.
A admissibilidade de um recurso poderá ser apreciada de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição, independente de manifestação das partes, sendo desnecessária a alegação do vício pelo recorrido em suas contrarrazões recursais.
Atualmente não se admite mais a confusão outrora existente entre "decidir de ofício" e "decidir sem respeitar o exercício ao contraditório das partes", pois a primeira não exclui a segunda. O fato de a lei permitir ao magistrado decidir determinadas matérias, ditas de ordem pública, independentemente da provocação das partes, não pode – leia-se, não deve – ser confundida com a permissão de se decidir sem antes possibilitar às partes que se manifestem sobre a questão a ser decidida.
O tema é de suma importância, tendo ganhado dispositivo específico no art. 10 do CPC, em harmonia sistemática com o art. 932, parágrafo único, do mesmo diploma, o qual assim dispõe:
"Art. 932. Incumbe ao relator:
(...)
Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível".
Pela interpretação gramatical do art. 932, parágrafo único, do CPC, nota-se que a regra é aberta e genérica, portanto, aplicável a todos os recursos e em todas as instâncias, pois direciona um comando ao relator, sem distinguir ou excetuar sua aplicação a qualquer Tribunal, não havendo também qualquer distinção quanto ao vício ou ao documento cuja ausência comprometeria a admissão do recurso. Não pode o órgão jurisdicional entender de maneira diversa nem tampouco apresentar restrição não prevista na lei.
Assim, não só inexiste óbice ao relator para que este intime as partes a se manifestarem sobre questões atinentes ao juízo de admissibilidade recursal, antes de proferir qualquer decisão à respeito do tema, como também referida postura é desejada pelo CPC, por este determinar que o recorrente seja intimado para sanar o vício ou complementar documentação exigível, sendo cogente a aplicação desta regra inclusive em sede de recursos processados e julgados perante os Tribunais Superiores.
Dentre as questões passíveis de serem sanadas, podemos destacar o não cumprimento do disposto no § 6º do art. 1.003, do CPC, pelo qual "o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso".
Conforme já salientado, o juízo de admissibilidade recursal deve ser dúplice aos Recursos Especial e Extraordinário – pois realizado pelos juízos a quo e ad quem –, bem como é de competência exclusiva do juízo ad quem no Agravo em Recurso Especial e em Recurso Extraordinário, sendo certo que na primeira hipótese, ao ser constatada a existência de vício ou a ausência de documento exigível passível de comprometer a admissão do recurso, o recorrente deverá ser intimado tanto pelo juízo a quo, quanto pelo ad quem, enquanto que na segunda hipótese apenas o juízo ad quem tem o dever de intimar o recorrente, estando estas garantias asseguradas aos recorrentes nos termos do art. 10 c/c art. 932, parágrafo único, do CPC.
No que se refere à tempestividade, são 3 (três) as situações que podem colocar em dúvida a adequação temporal do recurso interposto, quais sejam: (i) a existência de feriado local; (ii) a justa causa; e (iii) a paralisação ou interrupção do expediente forense.
Com relação a primeira situação, se a tempestividade do recurso está diretamente relacionada com a sua interposição dentro do prazo previsto em lei, não se pode perder de vista que, nos termos da lei 9.093/95, somente será possível instituir feriados civis ou religiosos por meio de lei, seja em âmbito federal, estadual ou municipal.
Dentro deste cenário, a existência de feriado local – leia-se feriado estadual ou municipal, para fins de demonstração da tempestividade dos recursos interpostos perante os Tribunais Superiores – será comprovado no ato da interposição do recurso (CPC, art. 1.003, § 6º) ou, na sua ausência, quando do juízo de admissibilidade, após a intimação do recorrente (CPC, art. 10 c/c art. 932, parágrafo único), sendo certo que em ambas as circunstâncias o recorrente poderá trazer ao Poder Judiciário a lei que instituiu o feriado local, a fim de afastar qualquer dúvida quanto à tempestividade do recurso.
Em sendo os feriados locais fruto de lei – normas positivadas, abstratas, impessoais e com efeitos erga omnes –, mostra-se adequado considerar a existência do feriado local após a vinda desta informação aos autos, independentemente do momento processual, desde que antes do julgamento do recurso, devendo sempre ser respeitada a prévia intimação do recorrente.
Considerando que "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece" (art. 3º, do Decreto-lei 4.657/42 – LINDB), constituiria um contrassenso admitir a qualquer Tribunal – em especial aos tribunais superiores, por estes ostentarem a condição de guardiões da lei – a possibilidade de se julgar intempestivo um recurso do qual se tem conhecimento da tempestividade, mais precisamente diante da juntada pelo recorrente, antes do julgamento, da lei que instituiu o feriado local,1 ou de qualquer outro documento idôneo tendente a comprovar a ausência de expediente forense dentro do cômputo do prazo recursal. 2
Ignorar a existência da comprovação do feriado local significa ignorar a existência de norma positivada, a qual reverbera efeitos para dentro dos processos em curso e acaba por extrair um ou mais dias no cômputo do prazo para a prática de determinados atos processuais, inclusive a interposição de recursos.
Já em relação à justa causa, prevista no art. 197, parágrafo único, e no art. 223, caput e §§ 1º e 2º do CPC, trata-se de evento extraordinário e externo ao processo, o qual se encontra fora do campo da vontade das partes e/ou dos mandatários, mas que ainda assim tem o condão de gerar efeitos dentro do processo, não podendo o jurisdicionado ser penalizado nestas circunstâncias.
Conforme demonstrado, a regra incondicional determina a intimação do recorrente para demonstrar a tempestividade do seu recurso antes da inadmissão, nos termos do art. 10 c/c art. 932, parágrafo único, do CPC. Nas circunstâncias enquadradas como justa causa o evento que ocasionou a perda do prazo era imprevista para todos os sujeitos do processo, tal como ocorre na morte ou doença grave do único advogado, bem como em caso de ausência de disponibilidade do sistema digital utilizado para a prática dos atos processuais, sendo que neste último os juízos ou os Tribunais locais geralmente editam norma interna informando a sua ocorrência, mas usualmente referida regra não é editada e disponibilizada em tempo hábil para que o jurisdicionado ou seu mandatário a junte com o ato processual praticado.
Dentro de todo este cenário, com mais razão ainda encontra guarida a aplicação da regra geral acima mencionada, nas situações em que o recorrente interpôs seu recurso valendo-se de prazo superior ao previsto na regra ordinária, em razão de situação excepcional sobre a qual não tinha controle.
Por fim, na paralisação ou interrupção do expediente forense (art. 224, § 1º, CPC), a não operabilidade do órgão jurisdicional não necessariamente se dará de forma abrupta e inesperada, podendo ocorrer para fins de manutenção, correição ou em razão de greve, por exemplo, mas de todo modo o funcionamento do órgão do Poder Judiciário não obedecerá o horário ordinário e referida excepcionalidade acarretará a obrigação do órgão jurisdicional certificar o ocorrido, o que geralmente se dá por meio da edição de normas internas.
De todo modo, ainda nestas circunstâncias o CPC protrai o dia do começo e do vencimento do prazo, por considerar que o jurisdicionado não pode ser penalizado pela falta de operabilidade (ainda que parcial) do órgão jurisdicional, diante da potencialidade de lhe gerar prejuízo processual.
A bem da verdade, independentemente da situação, seja pela existência de feriado local, justa causa, ou paralisação ou interrupção do expediente forense, mostra-se inadequado e contrário ao posicionamento do CPC inadmitir o recurso sem antes intimar o recorrente para se manifestar sobre a tempestividade.
Entender pela desnecessidade de intimação do recorrente para se manifestar sobre a tempestividade ou, pior ainda, ignorar documento juntado pelo recorrente após a interposição do recurso, capaz de comprovar a tempestividade, significaria inadmissível inovação da ordem jurídica, com a criação de um "novo requisito de juízo de admissibilidade" até então inexistente, qual seja, a imprescindibilidade de "juntada de documento que comprove a tempestividade", o que, por certo, não deve ser admitido.
A falta de documento apto a comprovar a tempestividade não pode ser tida por sinônimo de intempestividade. São situações distintas, que não se confundem. Mesmo porque o art. 277 do CPC/15 é claro ao determinar que "quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade", sendo este fundamento suficiente para permitir a juntada de prova da tempestividade após a interposição do recurso, desde que antes do seu julgamento, em detrimento da previsão contida no art. 1.003, § 6º, do CPC.
Nota-se, ainda, que entender em sentido contrário violaria o princípio do devido processo legal, pois o diploma processual determina serem requisitos intrínsecos do juízo de admissibilidade o cabimento, a legitimidade recursal, o interesse em recorrer e a inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do poder de recorrer, bem como serem requisitos extrínsecos a tempestividade, o preparo e a regularidade formal. Não há norma criando novo requisito de juízo de admissibilidade recursal, notadamente para fins de obrigar o recorrente a demonstrar a existência de feriado local, justa causa ou ausência de expediente forense, impreterivelmente, no ato da interposição do recurso, sob pena de se presumir a intempestividade.
Logo, afastar a aplicação dos arts. 10 e 932, parágrafo único, do CPC, para o fim de entender pela impossibilidade de demonstração da tempestividade em momento ulterior ao da interposição do recurso, significaria exorbitar as regras processuais vigentes, ferindo mortalmente o princípio do devido processo legal e, por via reflexa, os princípios do contraditório e da legalidade (reconhecida a negativa de vigência do art. 5º, XXXV, LIV e LV da Constituição Federal), razão pela qual não há dúvida em relação à inadequação do entendimento objeto de críticas deste breve ensaio e, por conseguinte, mantê-lo significaria o mesmo que renegar toda a segurança trazida pelo nosso ordenamento jurídico aos litigantes no curso do processo.
Destaque-se que o art. 1.029, § 3º do CPC não exclui, mas, pelo contrário, se soma aos arts. 10 e 932, parágrafo único, do CPC, pois naquele dispositivo há previsão possibilitando ao Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça desconsiderar vício formal de recurso tempestivo, a fim de julgar o seu mérito, isso porque os recursos interpostos perante referidas Cortes de vértice têm por objeto não só a reforma da decisão recorrida3 em razão da violação de norma constitucional ou infraconstitucional, como também e, antes disso, possuem o escopo axiológico de uniformizar a interpretação da Constituição Federal e das Leis Federais, respectivamente, dada a função nomofilácica destas Cortes, as quais atuam para o fim de aclarar e integrar o sistema normativo, propiciando uma aplicação uniforme das normas positivadas em âmbito nacional.
Entender de maneira diversa significaria um retrocesso aos ideais que alicerçam o CPC/15, os quais se encontram fundados na cooperação entre os sujeitos do processo (art. 6º) para fins de obter a satisfativa resolução do mérito (art. 4º), em detrimento de formalismos destinados a inadequadamente prestigiar a forma pela forma, sem se ater ao objetivo final do processo e a instrumentalidade das formas4 (art. 277), que, em última análise, consiste na pacificação social por meio de decisão que efetivamente aprecie o mérito da questão posta sub judice e que entregue aos jurisdicionados uma resposta aos seus anseios e, em sede de recursos extraordinário e especial, permita às Cortes de vértice a uniformização da jurisprudência (art. 926).
Neste sentido, destaca-se o Enunciado 66 da I Jornada de Direito Processual Civil, segundo a qual "admite-se a correção da falta de comprovação do feriado local ou da suspensão do expediente forense, posteriormente à interposição do recurso, com fundamento no art. 932, parágrafo único, do CPC". 5
Por fim, cumpre ressaltar a brilhante r. decisão proferida pelo Exmo. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho nos autos do AgRg no AREsp 819.219/GO, a qual vai ao encontro dos argumentos jurídicos lançados na presente manifestação, especialmente por defender a necessária interpretação harmônica entre o art. 1.003, § 6º e o art. 932, parágrafo único, ambos do CPC, bem como por destacar que a impossibilidade de o recorrente comprovar a tempestividade do recurso em momento ulterior ao da sua interposição violaria o princípio da vedação ao retrocesso.
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1 STF – HC 108638/SP – Ministro Relator: JOAQUIM BARBOSA- Publicação: 23-05-12
2 Neste sentido, destacamos ainda os seguintes julgados do Col. STF: RE 419014 AgR/PB – Ministro Relator: MARCO AURÉLIO – Publicação: 25-09-2012; AI 602724 AgR-segundo/PR – Ministro Relator TEORI ZAVASCKI – Publicação: 22-08-13; ARE 700475 AgR/RS – Ministro Relator: GILMAR MENDES – Publicação: 18-04-13; e RE 534909 AgR/ PE – Ministro Relator: GILMAR MENDES – Publicação: 17-09-2012.
3 Art. 1.029, §3º. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. Coordenação Teresa Arruda Alvim [et al]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1496.
4 STF – AI 736499 AgR/ CE – Ministro Relator LUIZ FUX – Publicação 25-05-12
5 Consultado em: clique aqui. Acessado em: 27/09/2017.
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*Paulo Henrique Dos Santos Lucon é professor associado de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e advogado sócio do Lucon Advogados.
*Rafael Ribeiro Rodrigues é mestrando em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Processual Civil. Membro do Conselho Editorial da Revista Forense. Advogado.